Em entrevista ao Estadão, Maia afirma que não há mais tempo a perder porque, segundo ele, a crise “está muito mais perto, o prazo é curto e não se tomou a decisão até agora do que fazer”.
Depois do jantar na casa do ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas, no início do mês, que selou a paz entre Maia e o ministro da Economia, Paulo Guedes, os dois se uniram em defesa do novo programa social, com alcance e benefício maiores que os do Bolsa Família, e limitado ao teto de gastos – a regra constitucional que impede que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação. “Dentro do teto, pode tudo”, afirma Maia.
Segundo apurou a reportagem, no Ministério da Economia a expectativa é que esse entendimento com o Congresso saia o mais rápido possível por causa do tempo curto até o fim do ano. Guedes tem dito que, quem dá o ritmo, é a classe política. O presidente Jair Bolsonaro, no entanto, tem defendido que discussões sobre contenção de gastos fique para depois das eleições municipais.
Para Maia, o importante agora é definir o cronograma e o alcance das medidas, até como sinalização para os investidores – que passaram a cobrar cada vez mais para financiar o governo na rolagem da dívida pública.
Medidas
O leque de medidas, segundo Maia, não é muito diferente do que as alternativas que têm sido faladas nas últimas semanas no Congresso e pela equipe econômica. O Estadão mapeou as propostas, que incluem extinção do abono salarial (espécie de 14.º pago a quem ganha até dois salários mínimos), corte nos salários e jornada de servidores públicos e congelamento de aposentadorias e pensões para quem ganha acima de três salários mínimos (mais informações nesta página).
Pelos seus cálculos, a votação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) emergencial, que vai prever as medidas de cortes de gastos, estará com votação concluída em dois turnos na Câmara e Senado até 15 de janeiro.
Esse calendário proposto por ele leva em conta o início das discussões para votação depois de 15 de novembro, quando termina o primeiro turno das eleições municipais. Se esse processo começar somente após o segundo turno, em 29 de novembro, a conclusão da votação ficará para o final de janeiro.
“Temos de sentar sob o comando dos ministros Luiz Ramos (Secretaria de Governo) e Paulo Guedes (Economia) com os líderes que defendem a agenda de centro-direita na economia para organizar o calendário e o que vai votar”, propõe Maia.
O presidente da Câmara diz que não há outro caminho a não ser votar a PEC emergencial antes do Orçamento de 2021. Com essa sinalização de calendário, na prática, a votação do Orçamento deve acabar ficando para o ano que vem.
Para ele, não haverá saída com “furinho” do teto de gastos, com soluções “criativas e heterodoxas”. “Essa bomba estoura muito mais rápido do que a gente imagina.”
‘Gatilhos’
Além de abrir espaço nas despesas para financiar o Renda Cidadã, a PEC emergencial vai regulamentar o teto de gastos, com o acionamento automático dos chamados “gatilhos”, medidas de corte de despesas, como a suspensão de concursos e aumentos salariais que já estavam previstos.
“O grande drama é que a regulamentação do teto de gastos com os gatilhos não pode ser só para a renda mínima. Ela tem de servir para dar uma sinalização de curto prazo, de 24 meses, de alguma economia para que possamos olhar a questão da dívida e redução do déficit”, afirma.
O que mais preocupa, diz ele, é a tentativa de tornar permanente medidas que foram adotadas em caráter emergencial, por conta da covid-19. Maia é contrário, por exemplo, à prorrogação do auxílio emergencial e do orçamento de guerra (que tirou as amarras fiscais e permitiu, na prática, que o governo ampliasse os gastos com a justificativa de combate à pandemia) em 2021. “Outro dia, vi na imprensa que o governo vai tirar dos ricos e dar para o pobre. O problema é que os temas que interessam aos ricos não estão no Orçamento público, como tributação do Imposto de Renda e renúncias”, afirma.
Maia reconhece que todas as propostas em discussão são de difícil aprovação, mas argumenta que é preciso construir um consenso em torno de delas. Sobre propostas de senadores para deixar o Renda Cidadã fora do teto ganhar força e ser incluída na PEC emergencial que tramita primeiro no Senado, Maia é taxativo: “Não vou ficar discutindo com o Senado. O Senado está entendendo qual é a posição da presidência da Câmara e o que vai pautar”.
Medidas para financiar o Renda Cidadã vão de fim de abono a corte de salários
Para financiar o Renda Cidadã, o novo programa de distribuição de renda que o presidente Jair Bolsonaro pretende criar em substituição ao Bolsa Família, está sendo elaborado um rol de medidas que passam pelo corte do abono salarial, do salário de servidores públicos e de reajustes de aposentadorias e pensões para quem ganha acima de três salários mínimos.
A lista também inclui a limitação temporária (por dois anos) de auxílios pagos ao funcionalismo público, como o caso do auxílio alimentação, com uma economia estimada de R$ 1,826 bilhão por ano com a implementação de um teto por auxílio de R$ 300. Hoje, o valor médio do benefício é de R$ 479 por mês, mas alguns órgãos pagam mais do que o dobro desse valor.
Também está no radar a proposta de limitação temporária em até R$ 300 por mês do valor do benefício com assistência pré-escolar – um ganho estimado em R$ 148 milhões. O valor médio hoje dessa assistência é de R$ 380 por mês, mas técnicos também veem grandes distorções neste quesito, com órgãos pagando mais do que o dobro da média.
O Congresso também avalia a redução temporária de auxílio fardamento de militares, de dois para um soldo anual. A economia esperada neste caso é de R$ 236 milhões. O gasto anual é de R$ 458 milhões.
Já a redução temporária da jornada de trabalho e vencimentos de membros de Poder (magistrados, procuradores, promotores e parlamentares), servidores civis e militares poderia render mais R$ 10 bilhões por ano. A proposta é fazer uma redução de 12,5% da jornada e do salário.
Também estão na mesa de negociações duas propostas que foram rejeitadas anteriormente por Bolsonaro: suspensão temporária da correção monetária dos benefícios previdenciários, mas para quem ganha acima de três salários mínimos (hoje, R$ 3.135), e a extinção do abono salarial, com uma regra de transição.
A suspensão da correção dos benefícios do INSS pode render R$ 3,5 bilhões no primeiro ano e R$ 7 bilhões no segundo ano. Já o remanejamento gradual do abono para o novo programa social não teria efeito no primeiro ano, mas a partir de 2022 garantiria economia de R$ 8,22 bilhões, aumentando para R$ 16,9 bilhões no ano seguinte.
A proposta é extinguir o abono a partir de janeiro de 2021 e fazer uma regra de transição, garantindo o direito do benefício para quem ganha até um salário mínimo enquanto o trabalhador mantiver o vínculo no emprego.
Emendas
Alguns parlamentares, entre eles o senador Renan Calheiros (MDB-AL), defendem um corte das emendas em 2021 para financiar o Renda Cidadã. Calheiros sugeriu R$ 5 bilhões. Mas já circulam propostas para o uso até mesmo de 100% da reserva das emendas individuais (de R$ 9,7 bilhões) e de parte da reserva de emendas de bancada (de R$ 8,6 bilhões).
O remanejamento do seguro-defeso (pago a trabalhadores artesanais no período em que a pesca é proibida) para o novo programa pode garantir mais R$ 3,1 bilhões.
O reforço do Renda Cidadã prevê também o remanejamento de R$ 34,850 bilhões do atual Bolsa Família. Também seriam remanejados mais R$ 551 milhões da remuneração que é dada aos Estados e municípios pela boa gestão do Bolsa Família, o IGD. O Índice de Gestão Descentralizada é um indicador desenvolvido pelo Ministério da Cidadania que mostra a qualidade da gestão local na administração do Bolsa Família e do Cadastro Único. Os recursos são utilizados para ações de cadastramento.
Crédito: Adriana Fernandes, O Estado de S.Paulo – disponível na internet 21/10/2020