O objetivo, segundo recomendação da área de segurança da PGR, é proteger os subprocuradores de eventuais agressões físicas ou verbais de outros passageiros.
Os subprocuradores são o último nível da carreira do Ministério Público Federal (MPF). Eles atuam no STJ, no STF, no Tribunal Superior Eleitoral e nas Câmaras de Coordenação e Revisão do MPF.
O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) têm salas reservadas para seus ministros no Aeroporto Internacional de Brasília. O serviço ao qual os ministros podem ter acesso, no entanto, é diferente (leia abaixo) deste que a PGR pretende contratar.
A contratação da sala está sendo feita por meio de inexigibilidade de licitação. Essa modalidade é adotada quando a competição é inviável, seja por exclusividade de quem oferece determinado serviço ou quando é impossível comparar as propostas de forma objetiva.
Na última quarta-feira, foi publicado no Diário Oficial da União o extrato de inexigibilidade de licitação. De acordo com Jacoby Fernandes, professor de direito administrativo e mestre em direito público, essa é a fase de conclusão da despesa pública.
Luiz Claudio Chaves, jurista e especialista em contratações governamentais, explica que o ato de ratificação faz o papel de homologação, uma maneira de confirmar a legalidade dos atos que antecederam a contratação.
“Quando se publica o ato de ratificação o processo já está pronto para a contratação. A despesa já está compromissada, já está escolhido e o preço justificado”, explicou.
“Fast pass”
O serviço de receptivo, também chamado de “fast pass”, sairá por R$ 76 mil anuais, e dará direito à permanência dos subprocuradores em uma sala de espera reservada. Terão direito também ao traslado em um veículo exclusivo do aeroporto até o “finger” acoplado à aeronave.
E mais: serão acompanhados por até dois agentes de segurança da PGR e um funcionário do aeroporto até a hora do embarque. Desta forma, os subprocuradores não precisarão encarar as filas nem esperar no saguão de uso comum.
O acesso ao Aeroporto Internacional de Brasília será realizado pelo Módulo Operacional Provisório, instalado no Terminal 2, que fica a 1.500 metros do acesso usado por passageiros de voos comerciais.
O espaço, que no passado já foi usado como sala de embarque comum, é destinado hoje ao uso exclusivo da Inframerica, concessionária do aeroporto, e atendimento emergencial, quando necessário.
A recomendação da contratação foi feita pela Divisão de Missões Especializadas, da Secretaria de Segurança Institucional, órgão do Ministério Público Federal (MPF), que considerou o serviço imprescindível à segurança dos subprocuradores.
O órgão emitiu um parecer no qual sustenta que, como consequência do trabalho exercido diariamente pelos subprocuradores, “aquelas autoridades, quando expostas em ambientes públicos, a exemplo de aeroportos, estão sujeitas a situações de risco de agressões, seja por ataques verbais ou físicos, exigindo assim a adoção de procedimentos que as protejam”.
Vinculada à Secretaria-Geral do MPF, a Divisão de Missões Especializadas é responsável, entre outras coisas, por supervisionar e executar a condução e segurança pessoal de autoridades e assisti-las em viagens institucionais.
Também compete ao órgão a coleta de informações e orientação quanto à segurança nos locais de destino, além da segurança pessoal do procurador-geral da República e de seus familiares.
Proposta mais vantajosa
Em um parecer de agosto ao qual a CNN teve acesso, a Auditoria Interna do MPF manifestou-se pela contratação do serviço da Inframerica.
Os técnicos explicaram que a proposta enviada pela empresa à PGR é a mais vantajosa, pois dispensa custos com locação e manutenção de espaço aeroportuário, emissão de credenciais e serviço de cerimonial.
Para justificar a contração, a Secretaria de Segurança Institucional do MPF explicou que, no ano passado, os subprocuradores fizeram 1.035 viagens, o que custaria R$ 207 mil, caso um serviço avulso fosse contratado. “Solução menos vantajosa para a Administração”, mostra a simulação feita pelo órgão.
O documento cita ainda os contratos do STF e do STJ com o aeroporto como forma de tentar comprovar a vantagem da proposta feita à PGR. Segundo os técnicos, a minuta mostra que o STF desembolsou R$ 385,5 mil entre junho de 2019 e maio deste ano para os onze ministros.
“Esse contrato possui objeto semelhante ao proposto por este estudo preliminar, como a realização do embarque no MOP localizado no Terminal 2 e traslado, excluindo-se a utilização de veículo da própria instituição dentro do aeroporto, a locação de espaço (sala VIP), ressarcimento (água, luz e telefone), emissão de credenciais e ações de treinamento. Nos termos, o fast pass com veículo do STF está ajustado no montante de R$60.060,22 (sessenta mil e sessenta reais e vinte e dois centavos) anual para utilização”, detalha o documento.
Já o STJ, de acordo com o contrato, paga mensalmente ao aeroporto R$ 278,8 mil. O pagamento se refere à cessão de uma sala reservada no Segundo Pavimento da Área Restrita do aeroporto para os ministros.
Também estão inclusos os gastos de água, esgoto, energia elétrica, ar condicionado, recolhimento de lixo, custos de telefonia, cartões de acesso ao estacionamento, credenciamento e treinamento de pessoal.
Empresa em situação de irregularidade fiscal
Apesar de o parecer de agosto da Auditoria Interna do MPF ser favorável à contratação do serviço, os técnicos destacaram que a empresa não estava com a regularidade fiscal em dia perante o fisco do Distrito Federal.
O documento mostra, no entanto, que o secretário de Administração Adjunto do MPF, amparado em uma manifestação da Assessoria de Análise Administrativa, apontou que a situação não impediria a continuidade da contratação.
Alegou que a PGR possui “uma necessidade a ser solucionada”, que “o único prestador do serviço é detentor de exclusividade” e que não contratar a empresa por irregularidade fiscal pode “gerar danos irreparáveis à Administração e, consequentemente, ao interesse público”.
Questionada, a Secretaria de Comunicação do MPF não explicou qual seria o interesse público mencionado no documento que justificasse a contratação de uma empresa com situação irregular perante o fisco.
Após mencionar acórdãos do Tribunal de Contas da União, do Distrito Federal, uma orientação normativa da Advocacia-Geral da União e uma análise jurídica do STF, os técnicos concluíram que “a comprovação de regularidade com a Fazenda Distrital, sendo um dos itens de comprovação de regularidade fiscal, poderá ser dispensada quando se tratar, como no caso sob exame, de único prestador capaz de satisfazer a prestação do objeto, e, por conseguinte, o interesse público”.
Os técnicos disseram ainda que a eventual inadimplência com o fisco do Distrito Federal atenua a situação, já que não se trata da previdência social. Caso contrário, explicam, violaria o artigo 195 da Constituição, que prevê que a pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social não poderá contratar com o poder público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.
PGR: segurança e paridade
Procurada pela reportagem, a Secretaria de Comunicação do MPF informou que as cláusulas contratuais, por uma questão de segurança, são sigilosas. E explicou que se trata de uma fase pré-contratual.
Segundo a PGR, a decisão de iniciar os estudos para uma eventual contratação foi tomada por uma questão “ordinária” de segurança, tendo em vista que os subprocuradores são responsáveis pela condução das “principais investigações criminais da história do país”.
“O andamento desse trabalho está inarredavelmente anelado às garantias normativas reservadas ao cargo de subprocurador-geral da República, cujos ocupantes oficiam nos tribunais superiores e, conforme a Lei Complementar 75/93, têm paridade com os ministros dessas cortes”, explicou a PGR.
A lei citada dispõe sobre as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União, do qual o MPF faz parte.
A menção aos magistrados foi feita pela assessoria depois que a reportagem lembrou que o STF e o STJ têm salas reservadas a seus ministros no aeroporto. Os ministros passaram a ser reconhecidos nos últimos anos em decorrência de julgamentos de repercussão nacional.
A assessoria foi questionada sobre o motivo de os subprocuradores também terem acesso a essa sala, uma vez que não têm a mesma visibilidade que os ministros de cortes superiores.
O secretário-geral adjunto do MPF, procurador regional da República Maurício Andreiuolo, informou que “não se trata jamais de um privilégio pessoal, mas sim de garantia funcional imanente ao exercício das árduas atribuições do ofício ministerial”.
“Uma leitura míope da portaria pode até ameaçar um privilégio pessoal, quando a única verdade está depositada no fato de que o cargo constitucional e seu exercício integral está resguardado por lídimas garantias”, disse, por meio da Secretaria de Comunicação.
Inframerica aguarda decisão da Justiça
Em nota, a Inframerica informou que não possui contrato firmado com a PGR. A praticamente todas as perguntas feitas pela reportagem a empresa respondeu apenas que não comenta sobre eventuais intenções de contratos em fase de negociação.
Com relação à situação fiscal, informou que está adimplente com todos os seus compromissos com a União e em dia com os tributos pagos ao governo do Distrito Federal.
“Porém, está em discussão judicial com relação a uma cobrança contestada pela Concessionária, que aguarda a decisão da Justiça”, informou. Questionada, a Inframerica não quis detalhar ou explicar qual seria essa pendência judicial.
Crédito: Teo Cury, da CNN – disponível na internet 02/11/2020