O campo vazio foi o maior recado. Não que o camaronês Pierre Webó, auxiliar técnico do Istanbul Basaksehir, tenha aceitado calado ao ouvir a frase com tom racista do quarto árbitro. Longe disso. Tanto que ele foi expulso. Mas o episódio no Parque dos Príncipes, em Paris, entra para a História diante da mobilização conjunta de duas equipes contra um quadro que já deveria ter sumido do futebol. Da sociedade. Nesta terça-feira, o show não continuou.
— Resolvemos protestar porque isso é inadmissível. O racismo tem que acabar, está na hora de que as pessoas entendam que não existe cor, gênero, somos todos iguais. Foi um gesto louvável por parte das equipes. Esperamos que chamemos mais atenção — disse ao GLOBO o meia Giuliano, do Basaksehir.
No Brasil, o diretor do Observatório de Discriminação Racial no Futebol, Marcelo Carvalho, exaltou a iniciativa dos jogadores.
— Abandonaram o jogo, brancos e negros. É o marco que a gente tanto queria que acontecesse no futebol. Que jogadores fossem solidários ao ofendido. É o ponto crucial de tudo. Já abre um precedente importante para que outros se posicionem. Traz esperança — disse.
A frase foi dita pelo quarto árbitro, o romeno Sebastian Coltescu, ao pedir ao árbitro principal Ovidiu Hategan, que controlasse o comportamento no banco turco, após cartão amarelo dado ao lateral brasileiro Rafael:
— Aquele negro ali. Vá lá e verifique quem é. Não dá para agir assim.
Pierre Webó, então, não aceitou a forma com a qual Coltescu se referiu a ele.
— Você não pode dizer negro! — exclamou ele, antes de deixar o campo, expulso.
A Uefa se viu pressionada a mudar a escala para a retomada do jogo. O quarto árbitro será o polonês Bartosch Frankowsky. Em campo, o apito fica com o holandês Danny Makkelie.
Posição mantida
A entidade chegou a colocar na transmissão de TV que o jogo seria retomado às 18h (de Brasília), mas os jogadores do time turco bateram o pé. O PSG até apareceu no túnel, retomou aquecimento, mas ninguém voltou, de fato. A Uefa, inclusive, diz que a decisão de remarcar o jogo com nova equipe de arbitragem foi tomada após discussão com ambos os clubes e “de forma excepcional”.
Diante da indignação de Webó, o atacante francês Demba Ba não ficou inerte no banco. Com origem senegalesa, ele quase desenhou para o árbitro o motivo de aquele termo ter sido equivocado. A ausência de torcida e os microfones da transmissão deram contornos mais fortes à cena:
O mesmo Demba Ba articulou com os companheiros de equipe e as lideranças do PSG, Neymar, Mbappé e Marquinhos, que ambos os times deixassem o gramado. Enquanto o árbitro principal, o também romeno Ovidiu Hategan, tentava fazer com que os jogadores se afastassem da beira do campo e retornassem à partida, Neymar e Mbappé explicavam que não jogariam se o quarto árbitro permanecesse.
Neymar recentemente também fez uma acusação de racismo no Campeonato Francês. Segundo o brasileiro, o zagueiro espanhol Álvaro González o chamou de “macaco” durante o clássico. Após investigação da Liga Francesa, não houve punição a González.
— O envolvimento do Neymar, o posicionamento dele de dizer “não vamos jogar”, isso vai refletir muito nos atletas brasileiros. Vai ser tema de debate entre os atletas e nas mesas redondas. E toda vez que a gente abre um debate está plantando uma sementinha — concluiu Marcelo Carvalho.
Crédito: Igor Siqueira e Rafael Oliveira/O Globo – @internet 09/12/2020