Presidente do STJ coloca Crivella em prisão domiciliar. Desembargadora disse que Crivella tinha ‘voraz apetite pelo dinheiro público’

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O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Humberto Martins, decidiu na noite desta terça-feira (22) colocar em prisão domiciliar, com tornozeleira eletrônica, o prefeito do Rio, Marcelo Crivella (Republicanos).     
A nove dias de deixar o cargo, Crivella foi preso acusado de chefiar o “QG da Propina” instalado no Executivo carioca. A decisão de Martins, que mantém Crivella afastado do cargo, foi tomada cerca de sete horas depois que a defesa acionou o STJ.  

O ministro impediu Crivella de manter contato com terceiros, exceto familiares próximos, profissionais de saúde e advogados – além de obrigá-lo a entregar todos os telefones móveis, computadores, laptops e tablets que possua.

“Não obstante o juízo tenha apontado elementos que, em tese, justifiquem a prisão preventiva, entendo que não ficou caracterizada a impossibilidade de adoção de medida cautelar substitutiva menos gravosa”, observou Martins.

Em sua decisão, o ministro apontou que Crivella tem mais de 60 anos, o que o coloca no grupo de risco de contaminação do novo coronavírus.  “Nesse contexto, as circunstâncias não são suficientes para demonstrar a periculosidade do paciente, de modo a justificar o emprego da medida cautelar máxima – especialmente – a fim de evitar a prática de novas infrações penais, tendo em conta que o mandato de prefeito expira em 1º de janeiro de 2021”, concluiu.

O presidente do STJ examinou o habeas corpus do prefeito por ser o responsável pela análise dos casos considerados urgentes durante o recesso do tribunal. A decisão vale até que o processo seja analisado pelo relator, Antonio Saldanha, quando o STJ retomar as atividades, em fevereiro do ano que vem.

Segundo a investigação, ao menos R$ 53 milhões teriam sido arrecadados pelo esquema. Além dele, oito pessoas foram alvo de pedidos de prisão preventiva, incluindo o empresário Rafael Alves, apontado como operador. Ao todo, a denúncia atingiu 26 investigados. Os crimes imputados são corrupção passiva e ativa, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

Durante a eleição deste ano, quando perdeu o segundo turno para Eduardo Paes (DEM), Crivella afirmou várias vezes que a cidade não deveria eleger o adversário porque ele seria preso. O prefeito se agarrou ao bolsonarismo para tentar reverter a ampla rejeição durante o período eleitoral, apelando para temas morais. Nesta terça-feira, o presidente Jair Bolsonaro não se manifestou sobre a prisão do aliado.

Segundo o MP, o esquema foi mantido mesmo após duas operações policiais que cumpriram mandados de busca e apreensão neste ano em endereços de Crivella, de Alves e outros acusados.

Há dois anos, a política fluminense já havia protagonizado situação parecida com a prisão do governador Luiz Fernando Pezão (MDB). Prestes a deixar o cargo, Pezão foi detido em pleno Palácio Laranjeiras. O Ministério Público justificou a prisão neste momento com o argumento de que o prefeito ameaçava as investigações – ele tinha, por exemplo, fornecido um telefone celular que não era o seu quando foi alvo de buscas em setembro. De acordo com os representantes do MP, o tamanho do material investigativo também favoreceu a denúncia neste momento. 

“Tivemos uma investigação que se desenvolveu desde 2018, com dois teras de tamanho. Imagina se a gente espera o dia 1º de janeiro e entrega toda a investigação para um promotor de primeiro grau”, afirmou o subprocurador-geral de Justiça Ricardo Martins, referindo-se à perda de foro. “O errado seria ter empurrado com a barriga e deixado para um colega desenvolver sozinho uma denúncia dessa. Não teve nenhum cunho político, não temos nenhum viés político nessa história.”

Na prática, a Promotoria calculou o momento da operação levando em conta o período eleitoral – quando também receberia críticas se prendesse o prefeito e candidato – e a perda do foro, que mudaria toda a competência do caso. 

A operação de setembro foi central para acelerar o processo e resultar na prisão do prefeito. Uma das justificativas para a detenção preventiva, segundo a desembargadora Rosa Helena Penna Macedo Guita, é que Crivella entregou um celular que não era seu aos agentes que cumpriram mandado na sua casa. A farsa foi identificada pelo MP após analisar dados do aparelho. Isso foi tido como uma forma de tentar atrapalhar as investigações. 

Após esta operação, quatro citados na investigação resolveram procurar o MP para colaborar com as apurações: João Alberto Felippo Barreto, Ricardo Siqueira Rodrigues, Carlos Eduardo Rocha Leão e João Carlos Gonçalves Regado. Esses depoimentos são tidos como centrais para embasar as suspeitas iniciais levantadas pelo Grupo de Atribuição Originária Criminal (Gaocrim), comandado pelo promotor Claucio Cardoso. 

Ao ser preso, Crivella se disse vítima de perseguição política, sem explicar quem teria interesse na sua detenção. “Lutei contra o pedágio ilegal, tirei recursos do Carnaval, negociei o VLT, fui o governo que mais atuou contra a corrupção no Rio de Janeiro”, alegou ele na Cidade da Polícia.

Além de Crivella e Rafael Alves, foram alvo de pedidos de prisão preventiva o ex-senador Eduardo Lopes, que está foragido, o ex-tesoureiro de Crivella Mauro Macedo, o delegado aposentado Fernando Moraes e outros envolvidos no esquema. Entre os denunciados, está também o marqueteiro Marcello Faulhaber – que, na última eleição, trabalhou na campanha de Paes. 

Após cerca de quatro horas de audiência de custódia, a prisão foi mantida pela Justiça. Crivella seria encaminhado no início desta noite para o presídio de Benfica, na zona norte, espécie de porta de entrada do sistema penitenciário fluminense. De lá, a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) iria determinar para onde cada preso vai ser levado.

Sucessor. Como o então vice-prefeito Fernando MacDowell morreu durante o mandato, quem assume a prefeitura até Paes assumir é o presidente da Câmara Municipal, Jorge Felippe (DEM), um veterano da Casa. Aos 70 anos e caminhando para seu oitavo mandato, Felippe terá como prioridades nesse curto período o pagamento do 13º dos servidores municipais e o combate à covid-19. Desde que foi comunicado da interinidade, Felippe já se reuniu com 12 secretários municipais. 

Crédito: Rafael Moraes Moura/BRASÍLIA e Caio Sartori/ com a colaboração de Mariana Durão e Wilson Tosta/O Estado de São Paulo @internet 23/12/2020


Desembargadora disse que Crivella tinha ‘voraz apetite pelo dinheiro público’ e cita delações sobre propinas da Fetranspor

Doleiro Álvaro Novis e seu funcionário Edmar Moreira Dantas delataram repasses ao ex-tesoureiro de Crivella, Mauro Macedo, também denunciado nesta terça, 22 

A desembargadora Rosa Helena Penna Macedo Guita, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, afirmou que o prefeito do Rio, Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), tinha um ‘voraz apetite pelo dinheiro público’ que não se limitou à sua gestão no comando da administração municipal. A magistrada relembrou delações do doleiro Álvaro Novis e seu funcionário, Edmar Moreira Dantas, que delataram repasses de propinas a Crivella em 2010 e 2012.

As acusações contra o prefeito foram reforçadas na delação do ex-presidente da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor), Lélis Teixeira, que o Estadão teve acesso em dezembro de 2019. Segundo ele, o ex-tesoureiro da campanha de Crivella, Mauro Macedo, procurou os empresários do transporte em 2010 pedindo ajuda para quitar dívidas de campanha de Crivella ao Senado. A solicitação foi levada a José Carlos Lavoura, presidente da Fetranspor, e João Monteiro, da Rio ônibus.

Macedo solicitou R$ 450 mil para pagamento de gastos. O valor foi aprovado por Lavouras, que combinou o repasse por meio do doleiro Álvaro Novis, também delator da Lava Jato, no escritório de Macedo, na rua da Candelária. A versão de Lélis bateu o que foi relatado por Noves e Edmar Dantas – ambas as delações foram citadas nesta terça, 22, na ordem de prisão contra Crivella.

“Este voraz apetite pelo dinheiro público não se limitou à atual gestão do prefeito Marcelo Crivella”, apontou a juíza. “O então colaborador Edmar M. Dantas afirmou que, por determinação de José Carlos Lavouras, da Fetranspor, efetuou, nos anos de 2010 e 2012, pagamento de propinas ao atual prefeito Marcelo Crivella, então senador, totalizando, à época, R$ 450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil reais), pagamentos estes que eram entregues ao também denunciado Mauro Macedo, um dos seus operadores financeiros, em uma sala comercial na Rua da Candelária, alugada por Marcelo Crivella. Ou seja, há muito o atual prefeito recebe propinas”.

Quando a delação de Lélis Teixeira foi divulgada, a assessoria de imprensa da Prefeitura do Rio de Janeiro negou as acusações, afirmou que a imprensa estava ‘ sendo usada como massa de manobra para atender a interesses claramente eleitorais’ e que ‘se existe um político que não poderia ter se beneficiado de algum esquema com os empresários de ônibus, este político é Marcelo Crivella’.

Ao ser conduzido à Cidade da Polícia nesta terça, Crivella declarou que é vítima de ‘perseguição política’ e disse que foi o governo que ‘mais atuou contra a corrupção no Rio de Janeiro’.

O Republicanos, partido do prefeito, divulgou nota afirmando que aguarda ‘detalhes e os desdobramentos’ da prisão. “O partido acredita na idoneidade de Crivella e vê com grande preocupação a judicialização da política”, afirmou a legenda

Crivella é acusado de integrar organização criminosa que instaurou um ‘QG da Propina’ dentro da Prefeitura do Rio. O esquema consistia em pagamento de vantagens indevidas para favorecimento de empresários, como contratos com a administração pública e repasse de verbas. A intermediação ficava com o empresário Rafael Alves, homem de confiança de Crivella.

As investigações tiveram início com a delação do doleiro Sérgio Mizrahy, que era acionado por Alves para ‘branquear os valores recebidos’. Segundo ele, as propinas eram pagas para garantir o pagamento de faturas atrasadas a empresas credoras. Em troca, Alves recebia entre 20% a 30% do valor junto a seu irmão, Marcelo Alves, então presidente da Riotur, e outro percentual era destinado a Crivella.

A desembargadora afirmou que Rafael Alves, como gestor da campanha eleitoral do prefeito em 2016, ‘abordou diversos empresários oferecendo-lhes vantagens em contratações junto à futura administração’, mesmo sem ter um cargo oficial na Prefeitura.

“Após a eleição, o prefeito Marcelo Crivella fortaleceu a posição de Rafael Alves na administração, dando-lhe trânsito livre para negociar com empresários a venda de vantagens junto à Prefeitura, sempre mediante pagamento de vultosas quantias a título de propina”, frisou a magistrada.

Para Rosa Guita, o envolvimento de Rafael Alves no caso ‘salta aos olhos’ e Crivella tinha ciência do esquema de corrupção na Prefeitura. Conversas levadas por Mizrahy e quatro empresários que delataram as propinas apontam a cobrança de recebimento de determinadas quantias em espécie a pedido do ‘Zero Um’, codinome atribuído a Crivella.

“É evidente que o prefeito se locupletava dos ganhos ilícitos auferidos pela organização criminosa, que, na realidade, se instalara no município já com tal propósito, pois, do contrário, não colocaria o seu futuro político em risco apenas para favorecer terceiros, como merca ‘dívida de campanha’, destacou a juíza, relembrando que Crivella declarou ter intenção de disputar o governo do Estado em 2022. “É possível afirmar, portanto, diante do seu propósito de permanecer na vida pública, que tal prática perdurará”.

Crédito: Paulo Roberto Netto e Fausto Macedo/O Estado de São Paulo – @internet 23/12/2020

 

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