O profissional ocupava o cargo de secretário de Serviços Integrados de Saúde da Corte havia seis anos e acabou perdendo a função após um pedido de reserva à Fiocruz de 7.000 doses de vacina contra à Covid-19, para imunização de ministros e servidores do Supremo Tribunal Federal.
O Supremo Tribunal Federal (STF) aumentou de 4 mil para 7 mil o número de doses de vacinas contra a covid-19 que pediu para o Instituto Butantã e à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) reservarem para seus servidores, apontam documentos internos da Corte obtidos pelo Estadão.
Segundo os papéis, o médico Marco Polo Freitas preparou duas minutas com pedidos de vacina às duas instituições. Nas solicitações, Freitas fazia menção a uma quantidade menor de imunizantes. No entanto, a versão final dos documentos, enviada pelo diretor-geral do STF, Edmundo Veras dos Santos Filho, às duas instituições, pede doses para 7 mil pessoas, atendendo uma nova sugestão do médico.
“Conforme entendimento prévio, segue minuta de Ofício (1433837) a ser encaminhado ao Diretor do Instituto Butantan – Professor Dimas Tadeu Covas – solicitando a análise da possibilidade de reserva de 4.000 (quatro mil) doses de vacina contra o novo coronavírus”, escreveu Freitas ao diretor-geral do STF em 16 de novembro.
Em 18 de novembro, o médico preparou uma minuta similar para ser enviada à Fiocruz.
No dia 23 de novembro, o próprio Freitas sugere ao diretor-geral a inclusão de dependentes econômicos dos servidores do STF e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nos pedidos.
“Sugiro a revisão do quantitativo de doses de vacinas a serem solicitadas ao Butantan e à Fiocruz, de modo que seja feita a reserva de quantidade suficiente para atender ao público interno dos órgãos e aos dependentes econômicos dos servidores, o que
perfaz um total de 7.000 pessoas”, escreveu o médico.
Os documentos oficiais enviados mostram que a sugestão foi acolhida pela equipe de Fux. Na semana passada, a Fiocruz negou o pedido do STF de “reserva” de doses de vacina para 7 mil pessoas, revelado pelo Estadão. O Butantã ainda não se manifestou.
Demitido do cargo pelo presidente do Supremo, Luiz Fux, Freitas disse que, em 11 anos de atuação no tribunal, nunca realizou “nenhum ato administrativo sem a ciência e a anuência dos meus superiores hierárquicos”. Freitas disse à reportagem que soube da exoneração pela imprensa.
“Respeito rigorosamente a hierarquia administrativa do Supremo Tribunal Federal. Nesses 11 anos no STF, nunca realizei nenhum ato administrativo sem a ciência e a anuência dos meus superiores hierárquicos. Continuarei, como médico, de corpo e alma, na luta diária pela saúde e bem-estar das pessoas”, escreveu o médico, em resposta enviada por e-mail.
“Tenho 33 anos de serviços públicos prestados à comunidade. Sou médico concursado do Supremo Tribunal Federal – STF, desde setembro de 2009. Fui Secretário da Secretaria de Serviços Integrados de Saúde do STF nas gestões do Excelentíssimo Senhor Ministro Ricardo Lewandowiski, da Excelentíssima Senhora Ministra Cármen Lúcia e do Excelentíssimo Senhor Ministro Dias Tofolli, com reconhecimento pelos serviços prestados”, acrescentou.
Após o pedido de “reserva” de vacinas do STF repercutir negativamente na imprensa, nas redes sociais e entre ministros da Corte, Fux decidiu exonerar Marco Polo do cargo de secretário de Serviços Integrados de Saúde da Corte. A solicitação enviada à Fiocruz, no entanto, conforme documento revelado pelo Estadão, foi assinada pelo diretor-geral do STF, no dia 30 de novembro.
Na frente da Secretaria de Serviços Integrados de Saúde, cargo que ocupava desde a presidência de Ricardo Lewandowski, em 2014, Freitas fazia o acompanhamento médico dos ministros. Além de ter acesso às fichas médicas dos magistrados, ele indicava, nas viagens oficiais dos integrantes da Corte, os hospitais locais de referência para urgências de saúde. Também foi ele quem viajou a Paraty (RJ) após o acidente aéreo que levou à morte do ministro Teori Zavascki.
‘Contribuição’.
No ofício enviado à Fiocruz, o STF afirmou que a reserva das doses possibilitaria o cumprimento de dois objetivos: imunizar o maior número possível de trabalhadores do STF e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e “contribuir com o País nesse momento tão crítico da nossa História”, ajudando a acelerar o processo de imunização dos brasileiros.
A medida, segundo o documento, permitiria “a destinação de equipamentos públicos de saúde para outras pessoas, colaborando assim com a Política Nacional de Imunização”.
“Considerando se tratar de um produto novo e ainda não autorizado pela Anvisa, gostaria de verificar a possibilidade de reserva de doses da vacina contra o novo coronavírus para atender a demanda de 7.000 (sete mil) pessoas”, escreveu o diretor-geral do STF.
“Informo que a Secretaria de Serviços Integrados de Saúde – SIS ficará responsável pela realização da campanha de vacinação e, caso seja possível o fornecimento, esta secretaria enviará um servidor para a retirada das vacinas nas dependências da Fiocruz”, acrescentou.
Repercussão.
O pedido de reserva de vacinas foi duramente reprovado por integrantes do STF. “Na qualidade de integrante do Supremo, peço desculpa aos contribuintes, lembrando que todo privilégio é odioso. Os brasileiros ombreiam”, criticou o ministro Marco Aurélio na semana passada. “Super inadequado. Sinto-me, frente aos concidadãos, envergonhado.”
O relator da Lava Jato no STF, ministro Edson Fachin, endossou as críticas do colega. “Considero fora de propósito qualquer iniciativa que neste momento não siga as orientações das autoridades sanitárias.”
Fux, no entanto, defendeu o pedido de “reserva” das vacinas, em entrevista à TV Justiça, na semana passada. Segundo Fux, uma das preocupações é não parar instituições fundamentais do Estado, de todos os Poderes, compostas por homens e mulheres que “já têm uma certa maturidade”.
“Nós por exemplo pedimos, de toda forma educada, ética, um pedido dentro das possibilidade quando todas as prioridades forem cumpridas de que também os tribunais superiores tenham meios para trabalhar. E para isso precisa vacinar. Não adianta vacinar os ministros e não vacinar os servidores. A difusão da doença seria exatamente a mesma”, afirmou o ministro.
Crédito: Rafael Moraes Moura/ O Estado de São Paulo – @internet 30/12/2020