Falta empresas trazerem dados das vacinas e não há empecilho da Anvisa

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Entrevista com Meiruze Sousa Freitas, diretora da Anvisa responsável pela área de vacinas

Responsável pela área de imunizantes, Meiruze Sousa Freitas, afirma que órgão regulador brasileiro segue regras semelhantes ao restante do mundo

Única servidora entre os diretores titulares da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a farmacêutica Meiruze Sousa Freitas assumiu no mês passado o comando da área que trata do registros de vacinas. a primeira entrevista no posto, ela nega que a agência seja barreira para começar a imunização contra a covid-19 no País e aponta que falta as empresas entregarem dados sobre suas pesquisas.  

“Da parte regulatória, (para avançar na chegada da vacina) falta as empresas trazerem os dados para a avaliação da Anvisa. Temos regras semelhantes às do mundo. Não há aqui empecilho para avaliação de uso emergencial ou registro de vacinas”, disse ela ao Estadão. 

A diretora da Anvisa evita cravar uma data para que um imunizante esteja autorizado a ser usado no Brasil e reforça que a perspectiva é aprovar pedidos de registros o mais rápido possível. “Não tem lógica pensar que a Anvisa é contra a vacina.”

Meiruze Sousa Freitas – diretora da Anvisa – @Agência Senado/Divulgação

O que falta para uma vacina chegar ao País?

Em termos de atuação regulatória, a gente tem atuado como o resto do mundo, com flexibilizações, possibilidade de receber dados parciais e o uso emergencial. Entendemos que era importante o Brasil ter essa opção de disponibilizar as vacinas ainda que estivessem em fase de desenvolvimento. O papel da Anvisa é ofertar ao serviço público e ao privado vacinas de qualidade. A gente não faz parte do processo de aquisição. Da parte regulatória, falta as empresas trazerem os dados para a avaliação da Anvisa. Temos regras semelhantes às do mundo. Não há aqui empecilho para avaliação de uso emergencial ou registro de vacinas.

A Pfizer apontou que as regras exigidas no Brasil são diferentes das do resto do mundo.

Sobre o entendimento que a Pfizer tinha sobre o guia (para pedido de uso emergencial da vacina), o documento traz orientações, mas o mais importante são as diretrizes de qualidade, eficácia e segurança da vacina. É semelhante aos principais países. Sei que neste momento está todo mundo acelerado e às vezes há dificuldade de interpretação, faz uma reunião e tem informação que fica truncada. Por que a Anvisa pediu quantitativo de vacina? Não tem relação com aquisição de governo. Preciso saber, pois quando chegar no aeroporto, preciso fazer despacho aduaneiro rápido. A vacina tem condições de armazenamento específicas. Ficou claro para a Pfizer que não tinha relação com questões de aquisição. Mas o coração do guia são os requisitos de qualidade, segurança e eficácia. Se a empresa consegue justificar, “olha, tenho outra abordagem”, e consegue comprovar que o benefício supera os riscos, não trava nenhuma avaliação nem autorização (a falta de documentos apontados no guia). Isso ficou claro para todas as empresas. Se havia névoa nesse processo, a meu ver foi esclarecido. Talvez nossas comunicações não tenham sido as mais adequadas, mas há sempre oportunidade de melhorar.

O Ministério da Saúde fala em começar a vacinação até mesmo em 20 de janeiro. É viável?

Vai depender do pedido. Vamos pensar no melhor cenário. Se chegar um pedido em 3 de janeiro (de uso emergencial), esperamos ter em 13 de janeiro uma decisão. A projeção de vacinação seria possível. Só quando tiver o pedido poderia afirmar melhor. O dado de submissão contínua (modalidade em que a empresa envia dados de pesquisa conforme eles vão sendo finalizados) será aproveitado na avaliação de uso emergencial. Não haverá retrabalho. Também há avaliação de outras autoridades. A gente está trabalhando para atender o prazo de 10 dias. Pode ser feito até em prazo menor. 

A análise do registro definitivo pode ser feita antes do limite de 60 dias da agência, considerando que farmacêuticas já enviaram dados de desenvolvimento das vacinas?

Esse número de 60 dias ficou muito pragmático. Era em contexto sem avaliação de dados preliminares.  Nossa perspectiva é de um prazo muito menor, considerando avaliações já feitas pela Anvisa e por outras autoridades. Estamos trabalhando para isso. Só não posso te falar a data exata. 

Há uma lei que impõe prazo de 72 horas para análise sobre a importação de produtos para covid-19 que têm registro nas principais agências do mundo. Considera um prazo razoável?

Como técnica, e conhecendo o processo de desenvolvimento da vacina, priorizo sempre a avaliação da Anvisa. Há particularidades que o Brasil precisa olhar, como acondicionamento e estabilidade do produto. Também se os estudos feitos são compatíveis com a nossa população. Nenhum país faz aprovação automática. Não significa que a gente vai tratar com morosidade. A lei fala em autorizar importação e distribuição, mas não trata do registro do produto.  A estratégia da lei é bem-vinda no contexto da pandemia. Foi editada para ampliar acesso e evitar desabastecimento. A vacina tem complexidade maior, tem tecnologia envolvida, riscos muito grandes. Me parece que as empresas vão muito pela segurança da autorização da autoridade sanitária. No prazo de 72 horas nenhum lugar do mundo consegue qualificar um produto como seguro e eficaz.    

A Anvisa pode liberar o uso emergencial de vacinas a partir da análise de dados ainda não publicados, como fez o Reino Unido com o imunizante de Oxford?

Marcamos uma reunião com autoridade do Reino Unido para entender quais considerações foram feitas. Não necessariamente o estudo precisa estar publicado. Precisa avaliar quais dados foram apresentados. 

A Anvisa foi prejudicada pela briga política sobre as vacinas? Virou espécie de ‘bode expiatório’ pelo fato de o Brasil ainda não estar imunizando sua população?

O que a gente tem feito, dentro do campo técnico, é nos afastar dessa discussão para que não nos contamine. Às vezes as pessoas dizem, “nossa, a gente está sendo sendo tão achincalhado. Colocado como problema”. Claro, isso traz até vontade de falar: “O problema não é a Anvisa. O Brasil prefere não ter uma agencia regulatória?” Mas temos de trabalhar internamente. É uma pauta que não é nossa, vamos mostrar esse processo. Por mais que todo mundo tenha pressa, mesmo nos EUA, com situação da pandemia ainda maior do que a nossa, não vimos o País enfraquecendo a sua autoridade regulatória. Pelo contrário. Mas diria que até na questão do Butantã (que teve os estudos da Coronavac interrompidos após a morte de um voluntário), instituto extremamente importante, a gente teve uma conversa boa. Houve momentos em que o diálogo pode ter sido perdido. Se foi perdido, não há motivo. Vamos conversar, dentro da ciência regulatória. A gente ficou um pouco na berlinda, mas o nome “Anvisa” nunca foi tão conhecido. O saldo disso tudo vai ser positivo. Não tem lógica pensar que a Anvisa é contra a vacina.

Crédito: Mateus Vargas, O Estado de S.Paulo – @internet 02/01/2021

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