O alvo do DPDC são tanto os reajustes aplicados em 2020 como os cerca de 20 milhões de contratos cujo aumento foi suspenso no ano passado e que, agora, têm de pagar não só o novo índice como a recomposição do que deixou de ser cobrado.
— Vamos entrar para contrabalançar essa assimetria. O ideal seria firmamos um TAC que impedisse aumentos excessivos aos mais vulneráveis. Os planos de saúde estão em débito com o consumidor, é horrível falar, mas lucraram com a pandemia — diz Pedro Queiroz, diretor do DPDC.
Mas Marcos Novais, superintendente executivo da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge), vê nesse movimento uma intervenção do governo:
— Há uma pressão por intervenção do Estado, e não só na saúde, veja o caso do combustível. Pode ser difícil, neste momento, vislumbrar o efeito da intervenção nos planos de saúde, mas interviram na energia e faltou luz; interviram no combustível e temos uma petroleira endividada. Os efeitos no futuro serão negativos, desestruturar uma rede de saúde, um setor que emprega seis milhões de pessoas.
Queiroz, do DPDC, porém, nega haver intervenção:
— Vamos negociar por quem não tem essa possibilidade, esse é o nosso papel.
Briga já está na Justiça
Empresário do setor de serviços, Sérgio Sálvio viu a conta do plano de saúde da família, de quatro pessoas, saltar de R$ 2.847 para R$ 3.713. No caso dele, pesaram duas mudanças de faixa etária.
— Não tem negociação: ou você paga ou sai do plano. Não há como ficar sem plano no meio da pandemia, por isso decidi recorrer à Justiça.
A Defensoria Pública da União (DPU) também recomendou à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) a suspensão do reajuste de 2020, do pagamento da recomposição do valor suspenso no passado e do aumento de 2021 até que seja analisado qual o percentual necessário para manter a sustentabilidade do setor. A DPU aguarda a resposta da ANS para estudar os próximos passos, que podem começar com reuniões e ofícios até ação coletiva.
Segundo levantamento feito pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) no Conselho Nacional de Justiça, há dois milhões de ações sobre reajustes de plano de saúde tramitando no Judiciário. Entre as que questionam o aumento na pandemia estão a do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a ação popular movida pelo senador Randolfo Rodrigues (Rede/PE) e a ação civil pública do Procon de Pernambuco.
— Num momento de pandemia, de colapso do SUS, precisamos entender a necessidade do reajuste para manter a operação dos planos. Esses índices não podem servir para aumentar o lucro das operadoras. O papel da ANS deveria ser equilibrar — diz Atanasio Lucero, defensor nacional de Direitos Humanos da DPU e autor da recomendação à ANS.
Já a FenaSaúde, que representa as maiores empresas do setor, diz que a não aplicação de reajustes pode comprometer a prestação dos serviços, o que só prejudicaria os consumidores.
Procurada, a ANS afirmou, em nota, que acompanha os impactos da pandemia e lembrou que em janeiro foi registrado o maior número de beneficiários para o mês desde 2017, 47,7 milhões.
A agência disse que busca proteger o consumidor, além de preservar o equilíbrio e a sustentabilidade da saúde suplementar. E citou como medidas de alívio financeiro a suspensão dos reajustes, de setembro a dezembro de 2020, e o parcelamento dos valores devidos em 12 vezes. Mas não falou sobre a recomendação da DPU, a iniciativa do DPDC e as ações na Justiça que pleiteiam a revisão do reajuste.
Para Teresa Liporace, diretora executiva do Idec, a ANS ainda não entendeu o tamanho para os usuários:
— Na reunião que tivemos, na última terça-feira, a ANS, apesar do cenário apresentado por diversas entidades, disse que não via problema no mercado, pois as empresas estão solventes e aumentou a base dos beneficiários de planos.
Segundo o advogado Rafael Robba, especialista em Direito à Saúde, quem procura o escritório teve alta de 35% a 50% na mensalidade, somando os reajustes anual e de faixa etária à recomposição da suspensão de 2020.
— São usuários de planos coletivos de pequenas empresas que tiveram seus negócios prejudicados pela pandemia e ainda não se recuperaram. Os coletivos firmados via associações e sindicatos também sofreram, pois não tiveram negociação com a operadora.
Difícil até para cancelar
O aumento de R$ 573 para R$ 726 assustou a designer Beatriz Mota. Autônoma, ela diz não ter mais o que cortar do orçamento:
— Este ano faço 24 anos e terá reajuste de faixa etária. Sou asmática, nem posso pensar em ficar sem plano. Já consultei advogado e pensei em casar no civil para ter direito ao plano da empresa do meu noivo.
O advogado Rodrigo Araújo, especialista em Direito à Saúde, diz que a pergunta que mais recebe em seu blog hoje é sobre cancelamento:
— Quem fez o plano no desespero, por medo da pandemia, e agora não consegue pagar e quer cancelar esbarra em entraves, como multas. E também não há negociação.
O presidente da Associação Nacional do Ministério Público do Consumidor (MPCon), Paulo Roberto Binicheski, defende buscar opções que contemplem tanto a liberdade econômica como a proteção dos consumidores:
— Se as pessoas não conseguirem pagar o plano, serão excluídas. A questão não é postergar o reajuste, mas verificar o índice. Qual é a fórmula? Não sei, mas precisamos estudar alternativas.
Crédito:Luciana Casemiro/ O Globo – @internet 01/03/2021