A Câmara dos Deputados aprovou nesta quinta-feira (5) o Projeto de Lei 591/21, do Poder Executivo, que autoriza a exploração pela iniciativa privada de todos os serviços postais. A proposta estabelece condições para a desestatização da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) e remete a regulação do setor à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). A matéria será enviada ao Senado.
Atualmente, a iniciativa privada participa da exploração dos serviços postais por meio de franquias, mas os preços seguem tabelas da ECT, que detém o monopólio de serviços como carta e telegrama. Entretanto, já existe concorrência privada para a entrega de encomendas, por exemplo.
Segundo o substitutivo aprovado, do deputado Gil Cutrim (Republicanos-MA), o monopólio para carta e cartão postal, telegrama e correspondência agrupada continuará com a ECT por mais cinco anos, podendo o contrato de concessão estipular prazo superior.
Correspondência agrupada ocorre quando vários objetos estiverem reunidos em um único despacho postal e ao menos um deles for sujeito a monopólio estatal, caso dos malotes, por exemplo.
“Na exploração dos serviços postais em regime privado, optamos por resumir os princípios da livre economia à Lei Geral de Telecomunicações, consagrando como regra a liberdade econômica, inclusive de preços”, afirmou Cutrim.
Venda
O texto fixa condições para a desestatização da empresa, como a prestação dos serviços com abrangência nacional, contrato de concessão com modicidade de tarifas para os serviços postais universais e mudança do nome para Correios do Brasil.
Além disso, a nova empresa não poderá fechar agências “essenciais” à prestação do serviço postal universal em áreas remotas do País, segundo o disposto no contrato de concessão; e deverá manter serviços de caráter social realizados pela estatal atualmente.
Quanto aos empregados, Cutrim propõe que eles não poderão ser demitidos sem justa causa por 18 meses depois da venda da empresa e deverão contar com plano de demissão voluntária (PDV). A adesão ao PDV poderá ocorrer dentro de 180 dias da desestatização, com indenização igual a 12 meses de salário, manutenção do plano de saúde também por 12 meses e plano de requalificação profissional.
Serviço postal universal
O substitutivo aprovado define como serviço postal universal o telegrama, a carta e o impresso – simples ou registrados –, o objeto postal (encomenda) sujeito à universalização com dimensões e peso definidos pelo órgão regulador e outros objetos definidos pelo Executivo com base na essencialidade do serviço.
A cada cinco anos, o Poder Executivo deverá revisar quais serviços continuarão a fazer parte do serviço postal universal em razão de sua essencialidade, com base em relatório Anatel. A agência passará a ser denominada Agência Nacional de Telecomunicações e Serviços Postais (Anatel).
Caberá à agência definir as tarifas, seus reajustes e revisões, podendo ser diferenciadas geograficamente com base no custo do serviço, na renda dos usuários e nos indicadores sociais.
A cada revisão periódica poderá haver um fator de desconto, levando-se em consideração indicadores da cobertura e da qualidade do serviço. Para usuários de baixa renda desses serviços básicos o substitutivo cria a tarifa social.
Concessões
Se virar lei, a prestação do serviço postal universal deverá ser garantida pela União por meio da ECT estatal ou por contratos de concessão comuns à iniciativa privada, podendo esses dois modelos coexistirem.
O operador postal designado deverá assegurar a continuidade do serviço postal universal, cumprir metas de cobertura e qualidade dos serviços, manter contabilidade separada para os serviços universais, informar ao usuário sobre as condições de acesso a cobertura geográfica, prazos de entrega, etc., e fornecer à Anatel relatórios sobre indicadores de qualidade e eficiência.
Interesse social
Além disso, sempre que determinado pelo órgão regulador, deverá prestar serviços de interesse social pelos quais receberá remuneração suficiente para custeá-los, conforme critérios estabelecidos em regulamento.
Apesar de o Poder Executivo poder definir outros serviços de interesse social, o projeto já classifica como tais a justificação eleitoral, as campanhas comunitárias e os serviços postais relevantes nas hipóteses de calamidade pública, estado de emergência, estado de defesa ou estado de sítio.
Outro serviço de interesse social pode ser a emissão do Documento Nacional de Identidade (DNI). Protocolo de intenções assinado em 2018 pelos Correios com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) prevê a atuação na validação de dados destinados à emissão do DNI, que une vários documentos em um só.
Selo
O PL 591/21 também retira da ECT a atribuição de definir os temas e motivos dos selos postais, passando-a ao Poder Executivo.
Já a fabricação e comercialização, assim como das chancelas de pagamento, serão definidas pelo agente regulador.
Esse é considerado um serviço parapostal, assim como a exploração econômica de listas de código de endereçamento postal (CEP).
Anatel
A Anatel deverá regular e fiscalizar a prestação dos serviços postais universais e dos serviços parapostais; elaborar proposta de plano geral de metas; aplicar sanções; definir direitos e obrigações do operador postal que presta o serviço postal universal; definir os pesos e as dimensões que caracterizam o objeto postal; e regulamentar a intermediação dos serviços postais em plataformas digitais; entre outros aspectos.
Uma das novidades no texto de Gil Cutrim é que a agência deverá submeter à consulta pública as propostas de plano geral de metas de cobertura e qualidade dos serviços e de quais serviços postais integram o serviço postal universal.
Embora suas atribuições aumentem, a agência deverá exercer suas competências com os recursos de seu orçamento. As futuras revisões dependerão de compensação no Orçamento da União.
Sanções
Antes da votação, o relator acatou emenda para retirar os prestadores de serviços postais privados da possibilidade de receberem sanções administrativas da Anatel ou de se submeterem a sua fiscalização, mantendo isso apenas para a empresa que oferecer os serviços universais, o operador postal designado (ECT ou empresa privada que assumir seus negócios).
Outros pontos retirados pelo relator do texto previam que a Anatel poderia regulamentar padrões para a compatibilidade de redes logísticas dos operadores postais e a prestação de serviços postais e sua intermediação por plataformas digitais.
Já os recursos relativos ao serviço postal, inclusive multas e indenizações, serão vinculados por cinco anos ao Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel), que financia parte das despesas da agência.
Correio híbrido
O texto estipula ainda que as encomendas e as mercadorias compradas por comércio eletrônico e por venda direta são consideradas objetos postais se encaminhadas por meio das redes físicas dos operadores postais e dentro dos limites estabelecidos pela Anatel.
Mesmo que exercidas de forma segmentada e independente (por empresas terceirizadas, por exemplo), as atividades de atendimento ao usuário, coleta, triagem, transporte e distribuição de correspondência ou de objeto postal integram o serviço postal, assim como o correio híbrido.
O correio híbrido é um projeto antigo dos Correios de oferecer um serviço de transformação de mensagens eletrônicas enviadas pelo remetente por meio da internet à empresa, que então as imprime e transforma em correspondência física para entregá-las ao destinatário e vice-versa.
Pontos rejeitados
Na votação em Plenário, foram rejeitadas todas as tentativas de alterar o texto do relator:
– emenda da deputada Talíria Petrone (Psol-RJ) pretendia proibir a prática de tarifas diferenciadas por região;
– destaque do PT pretendia retirar do texto a possibilidade de desestatização dos Correios e de concessão dos serviços postais;
– emenda do deputado André Figueiredo (PDT-CE) pretendia remeter ao Congresso Nacional a definição de mudanças na política postal e dos serviços postais universais ou de interesse social;
– outra emenda do deputado André Figueiredo pretendia garantir a igualdade tarifária para usuários em todo o território nacional;
– emenda do deputado Renildo Calheiros (PCdoB-PE) pretendia transformar a desestatização da ECT em conversão da empresa em sociedade de economia mista com a manutenção do controle pela União;
– emenda do deputado Bohn Gass (PT-RS) pretendia aumentar de 18 para 60 meses a garantia de emprego dos trabalhadores dos Correios no caso de desestatização e exigir da nova controladora garantia real para as dívidas trabalhistas e para com o fundo de previdência complementar Postalis e o plano médico Postal Saúde;
– destaque do Novo pretendia incluir no texto dispositivo do PL original para acabar com os benefícios tributários dos Correios que não sejam extensíveis às demais empresas que explorem os serviços postais;
– emenda do deputado Bira do Pindaré (PSB-MA) pretendia impor, como condição para a desestatização dos Correios, a proibição do fechamento de agências em municípios ou distritos com mais de 500 habitantes, com garantia da prestação do serviço postal universal;
– outra emenda do deputado Bira do Pindaré pretendia impedir que os Correios desestatizados pudessem contar com exclusividade em serviços postais universais por mais de cinco anos;
– emenda do deputado Bohn Gass pretendia criar o Fundo de Universalização dos Serviços Postais (Fusp) para melhorar os serviços e custear tarifas sociais com recursos das empresas do setor e de metade dos recursos de outorga das concessões postais.
Agência Câmara de Notícias 06/08/2021
Funcionários tentam reverter privatização no Senado e falam em greve contra venda
Presidente daFederação Interestadual dos Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras dos Correios (Findect), José Aparecido Gandara, afirmou ao Estadão/Broadcast que nenhuma possibilidade pode ser descartada nesse momento. “Temos 100 mil trabalhadores, cada família tem em torno de quatro pessoas, então são 400 mil pessoas que vão ficar numa situação difícil, num momento que mais precisamos de empregos. É uma angústia muito grande dessas famílias, muito grave essa situação”, disse ele, com receio das demissões. Já no governo a avaliação é de que, diferente dessa percepção, os investimentos esperados com a privatização dos Correios poderão até gerar novas contratações.
Gandara ressaltou que, primeiramente, os movimentos buscarão um diálogo com o Senado, mas ponderou que é preciso haver pressão popular contra a iniciativa do governo. “Então a gente vai ter que reagir, governos passam e a empresa fica”, disse ele.
As entidades ligadas aos trabalhadores alegam que a venda dos Correios vai gerar demissões, além de prejudicar o atendimento universal dos serviços postais. Elas afirmam que nenhuma empresa privada vai se dispor a manter a cobertura da forma como é feita hoje pela estatal, que hoje conta com benefícios tributários. Já o Executivo afirma que a universalização será mantida, e inclusive poderá crescer a partir da privatização.
Outra colocação dos movimentos de trabalhadores é de que os preços das tarifas irão aumentar. “Muito, vai aumentar muito. Você imagina que hoje os Correios tem imunidade tributária. E não faz sentido dar imunidade tributária para empresa privada. Só isso vai significar aumento imediato de pelo menos 10% na tarifa”, disse ao Estadão/Broadcast o vice-presidente da Associação dos Profissionais dos Correios (Adcap), Marcos César Alves Silva.
Silva também reforçou que a estratégia agora será de diálogo com os senadores, que serão responsáveis por analisar a proposta aprovada pela Câmara. “A associação tem uma atuação técnica, não temos viés ideológico. No Senado esperamos encontrar um ambiente mais técnico”, disse ele.
O vice-presidente da Adcap afirmou ainda que a expectativa da entidade é muito positiva com o resultado da ação que questiona a privatização no STF. “A argumentação é muito simples, clara. A Constituição traz a manutenção do serviço postal como obrigação da União. O projeto é completamente inconstitucional, ele não poderia nem chegar a votação”, afirmou.
Entre as críticas ao texto aprovado pelos deputados está a previsão de que o Executivo será o órgão competente para instituir a política postal brasileira. Para Silva, a Câmara não poderia ter votado a favor desse comando, uma vez que, segundo ele, esse tipo de prerrogativa é tipicamente do Legislativo. “A leitura que a gente faz é que temos um Congresso que vota bovinamente, sem a menor preocupação de discutir os temas”, afirmou.
Amanda Pupo/O Estado de S.Paulo – @internet 06/08/2021