O texto está na Comissão Especial, sob relatoria do deputado Arthur Maia (DEM-BA), que participou presencialmente do encontro. Ele explicou que o mês de agosto será ainda dedicado ao cronograma de 14 audiências públicas sobre a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 32/2020, ponto de partida para a discussão da reforma no Legislativo.
Segundo Maia, a reforma deve incluir os servidores públicos do Legislativo e do Judiciário e não apenas o Executivo. “Se depender de mim, a reforma será para todos”, afirmou. São medidas que reformulam os parâmetros de contratação, remuneração, avaliação de desempenho e desligamento de servidores, com aplicação para quem ingressar no setor público após a aprovação das mudanças. O relatório deverá ser apresentado por Maia uma semana depois da última audiência e encaminhado em seguida para votação no plenário.
Fim dos supersalários
O presidente da Câmara enfatizou a importância de avançar rapidamente com o trâmite da Reforma Administrativa, antes dos entraves que costumam ocorrer em ano eleitoral. Um passo fundamental, destacou ele, foi ter aprovado o fim dos supersalários, votação ocorrida no mês passado, depois de cinco anos de espera na casa legislativa. “Não poderíamos seguir adiante sem remover esse primeiro obstáculo”, observou Lira.
Não vamos eliminar direitos adquiridos, e sim fazer uma modulação que valerá daqui para a frente. Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados
O anfitrião do evento, Robson Braga de Andrade, presidente da CNI, ressaltou que a simples economia de recursos não é o principal objetivo da Reforma Administrativa, e sim a criação de um Estado eficiente, capaz de prestar serviços públicos de qualidade. “Não se trata, também, de perseguição aos servidores, e sim da busca por mais eficiência na gestão pública”, disse Andrade.
O presidente da CNI lembrou que o Brasil é o sétimo país do mundo que mais gasta com funcionalismo público – 12,9% do Produto Interno Bruto –, e ainda assim os serviços deixam a desejar. “Precisamos adequar nossas condições às de outros países que têm um sistema administrativo bem estruturado, com custos equilibrados e prestação de serviços eficientes à população.”
Não se trata de eliminar direitos adquiridos, reforçou o presidente da Câmara. “A ideia é estabelecer novos parâmetros daqui para a frente, de tal forma que novos entrantes no serviço público iniciem suas trajetórias com regras diferentes”, explicou Lira. Privilégios como férias de 60 dias, licença-prêmio e venda de parte das férias deverão ser adaptados às novas regras, no entanto.
Caminho obrigatório para o crescimento sustentável
Na União, apesar da crise, os gastos com pessoal aumentaram 6,8% entre 2014 e 2019
A Reforma Administrativa é fundamental para aumentar a capacidade de investimento do Estado e a confiança na economia brasileira, além de contribuir para o reequilíbrio fiscal. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), desde o início da recessão de 2014-2016, o rendimento médio do setor privado ficou estagnado, enquanto o do setor público registrou um ganho real de 10%.
Em período de crise econômica e de tentativa de ajuste fiscal, os gastos com pessoal da União ainda tiveram aumento real de 6,8%, em 2019, na comparação com 2014.
No debate realizado pelo Estadão e pela CNI, os participantes avaliaram a Reforma Administrativa como caminho obrigatório para o crescimento sustentável do Brasil e a atração de investimentos estrangeiros. “Este Congresso atual está demonstrando que quer fazer as reformas necessárias para que o Brasil tenha um ambiente de negócios que propicie investimentos, emprego e renda”, disse o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, fez questão de enfatizar, em diversos momentos, que a Reforma Administrativa não eliminará direitos adquiridos. “Vamos fazer uma modulação que valerá daqui para a frente, de tal forma que os novos entrantes do serviço público virão para um Estado mais ágil, sabendo que serão mais cobrados, que as regras serão diferentes, que o modelo será mais moderno”, afirmou o presidente da Câmara. Os atuais servidores estarão sujeitos, no entanto, às consequências definidas pelos novos parâmetros de avaliação de desempenho.
Avaliação de desempenho
Um dos pontos cruciais é a flexibilização da estabilidade dos setores públicos. O secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, Caio Mario Paes de Andrade, observou que 87,5% dos servidores públicos brasileiros desfrutam de estabilidade – enquanto, nos países desenvolvidos, esse porcentual costuma ficar em torno de 15%, limitando-se a funções estratégicas e exclusivas do Estado, a exemplo de juízes, procuradores e diplomatas. “O Brasil tem uma série de distorções que foram sendo criadas ao longo dos anos e precisam ser corrigidas”, observou Paes de Andrade.
O Brasil tem uma série de distorções que foram sendo criadas ao longo dos anos e que precisam ser corrigidas. Caio Mario Paes de Andrade, secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia
Ele ressaltou a importância de criar um sistema amplo e sólido de avaliação de desempenho para os servidores, processo que contribuirá também para mensurar a eficácia das políticas públicas. “É fundamental que essa avaliação de desempenho leve em conta a percepção do público e influencie decisões como promoções, que hoje ocorrem de forma automática, por tempo de serviço”, observou o secretário do Ministério da Economia. “Precisamos dar ao cidadão a oportunidade de elogiar um servidor público pelo bom atendimento recebido ou de manifestar a insatisfação por um atendimento que não foi bom. Essa percepção dos usuários precisa ser levada em conta tanto para valorizar os bons profissionais quanto para identificar necessidades de melhoria.”
O relator Arthur Maia reforçou esse ponto de vista. “A intenção da Reforma Administrativa não é execrar o servidor público. Ao contrário, queremos valorizar os bons profissionais. Vamos trabalhar para que a avaliação do serviço público seja feita de maneira mais contundente, para que o cidadão que paga seus impostos possa ter um serviço de melhor qualidade daqui para a frente”, observou Maia.
Combate à desigualdade
Ana Carla Abrão, líder da consultoria Oliver Wyman no Brasil, lembrou durante o debate que, ao contribuir para a melhoria geral do desempenho do Estado brasileiro, a Reforma Administrativa será também um passo para reduzir a desigualdade social no País. “Precisamos de um Estado que entregue serviços públicos de melhor qualidade, especialmente nas áreas básicas, como saúde, educação e segurança. Esses serviços são um grande fator de mobilidade social no Brasil, um dos países mais desiguais do mundo”, descreveu a consultora. “Sem serviços públicos de boa qualidade, não conseguiremos propiciar às pessoas que dependem do Estado uma possibilidade de mudar as suas vidas”, disse.
Orçamento estrangulado bloqueia investimentos
Folha de pagamento do governo federal representa 21,7% das despesas obrigatórias do País
A redução das incertezas políticas e econômicas, a aceleração do ritmo de crescimento da atividade produtiva e a criação de empregos dependem, entre outras ações, do ajuste das contas públicas. A Reforma Administrativa tem impacto direto sobre a projeção de crescimento econômico do Brasil porque representará mais um passo no controle dos gastos obrigatórios e poderá ser um fator de reequilíbrio do orçamento, a exemplo do que já ocorreu com a aprovação da Reforma da Previdência.
Hoje, de acordo com dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), o Brasil é o sétimo país do mundo que mais gasta com pessoal em relação ao Produto Interno Bruto (PIB): 12,9%, na soma de despesas de todos os entes – União, Estados e municípios. A média dos 38 países-membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), uma das mais importantes referências comparativas para o Brasil, é de 9,6%.
Os gastos com pessoal representam 21,7% das despesas obrigatórias do País, o que deixa o orçamento estrangulado para investimentos. Caio Mario Paes de Andrade, secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, apresentou durante o debate promovido pelo Estadão e a CNI alguns números que materializam essa situação.
O governo federal gasta por ano R$ 8,2 bilhões para manter 69 mil servidores públicos ativos em cargos que já estão extintos pela evolução natural da tecnologia, a exemplo de ascensoristas, datilógrafos e técnicos de manutenção de videotape. Enquanto isso, o orçamento anual do Ministério da Infraestrutura para realizar obras em todo o País é de R$ 6,7 bilhões.
“Essa comparação deixa bem claro o tamanho do nosso problema. O Brasil é um país que está optando por gastar mais com funções que nem sequer continuam existindo do que com investimentos em infraestrutura”, disse Paes de Andrade. “É preciso agir agora para evitar que tamanha distorção continue ocorrendo e se agrave mais no futuro.”
Compromisso com o futuro
Hoje, acrescentou o secretário do Ministério da Economia, cada servidor representa um compromisso financeiro para os contribuintes que se estende, em média, por 59 anos: 28 anos de serviço, 20 de aposentadoria e 11 de pensão. Há menos de dez anos, o governo federal ainda estava contratando para cargos “condenados” pela evolução tecnológica, que ainda permanecerão na folha de pagamento por meio século. “Essa obsolescência das tarefas vem se acelerando mais com a digitalização. A gestão pública precisa se adaptar urgentemente a essa realidade”, disse Paes de Andrade.
O Brasil opta por gastar com funções que estão obsoletas. Caio Mario Paes de Andrade, Ministério da Economia
“Se tivéssemos feito uma Reforma Administrativa ampla há 20 anos, quando houve a possibilidade, estaríamos hoje num Brasil mais moderno, mais ágil, mais econômico, mais leve e mais produtivo”, concordou o presidente da Câmara, Arthur Lira. “São essas mudanças que precisamos fazer hoje para que daqui a 20 anos não estejamos lamentando a oportunidade perdida.”
O presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, considera que o ambiente está favorável à discussão. “Tanto o governo quanto a sociedade querem levar adiante a reforma. Estou confiante de que vamos aproveitar essa oportunidade”, disse Andrade.
Para Arthur Lira, é provável que a inclusão do Judiciário esbarre em limitações constitucionais relativas às atribuições de cada poder – de acordo com essa visão, uma proposta de reforma com esses princípios teria de partir do próprio Judiciário. Arthur Maia defende que a reforma em discussão no Legislativo precisa ser a mais ampla possível. “Se eu fosse apresentar o relatório hoje, incluiria o Judiciário. Mas é algo que certamente ainda será discutido.”
Os participantes do evento ressaltaram os efeitos positivos que a Reforma Administrativa trará para a motivação e as condições de trabalho dos bons servidores públicos. “É preciso ter em mente que esse processo vai beneficiar a base do serviço público, que é composta pela maioria dos servidores, aqueles que estão na linha de frente e muitas vezes precisam lidar com escassez de insumos e limitações de capacitação. Esses serão valorizados e terão acesso a boas ferramentas de trabalho”, disse Ana Carla Abrão, líder da consultoria Oliver Wyman no Brasil.
Dívida bruta de 89,3% do PIB cria efeito dominó perverso na economia
Os números da macroeconomia do País evidenciam a importância e a urgência do debate sobre a contenção de gastos com funcionalismo. O déficit primário do setor público atingiu R$ 703 bilhões no ano passado, pior resultado desde 2001. Com isso, a dívida bruta federal chegou a R$ 6,61 trilhões, valor equivalente a 89,3% do PIB – maior patamar dos últimos 14 anos.
A manutenção dos gastos e da dívida em níveis tão altos alimenta a desconfiança dos investidores na capacidade de o Brasil honrar seus compromissos, o que provoca um efeito dominó perverso na economia: aumento de juros, inflação, redução do consumo e da produção.
É um ciclo que precisa ser rompido com ajustes estruturantes, como a Reforma Administrativa. “Nenhum modelo de crescimento econômico contempla um país com as contas cronicamente desequilibradas e uma dívida que cresce sem parar, como é o caso do Estado brasileiro”, diz o economista Marcos Mendes, pesquisador do Insper. A pandemia, segundo ele, reforçou esse desequilíbrio, ao exigir gastos imprevistos do governo – por sorte, a Reforma da Previdência e as taxas de juros internacionais mais baixas ajudaram a frear parte do impacto.
Para o economista, o Brasil demonstra uma incapacidade histórica de conter os gastos públicos, mas agora isso se tornou inadiável. “Houve fases em que emitimos moeda e financiamos a dívida com inflação, outras em que aumentamos a carga tributária, mas agora não há mais alternativas para financiar um patamar tão alto de despesas. Estamos encalacrados”, diz Mendes.
Para Ana Carla Abrão, líder da consultoria Oliver Wyman no Brasil, a estrutura do funcionalismo público brasileiro vem reforçando a desigualdade social vista na sociedade como um todo – há uma casta que desfruta de privilégios, enquanto a maioria enfrenta condições insuficientes. “Hoje a situação é de um Estado que gasta muito, mas de forma desigual e ineficiente. A Reforma Administrativa é essencial para romper esse ciclo”, disse Abrão durante o debate.
Sistema deve valorizar os servidores com produtividade
Especialistas defendem reforma com prioridade em metas e mudanças para todos os Poderes
A avaliação periódica das políticas públicas e do desempenho dos servidores e o aperfeiçoamento da gestão dos processos e dos recursos humanos são cruciais para melhorar a prestação dos serviços sem pressionar os gastos públicos. No entanto, não há planejamento sistemático para a abertura de vagas e a seleção dos servidores muitas vezes ocorre sem levar em conta a experiência do candidato ou o domínio de atributos necessários à função. Ao longo da trajetória dos servidores, as promoções ocorrem de forma automática, com base em critérios formais – como tempo de serviço –, sem levar em conta a produtividade.
Há poucos incentivos e reconhecimentos para o desempenho acima da média, ao mesmo tempo que a estabilidade funciona como uma proteção para servidores com performance insuficiente. Por mais que a possibilidade de desligamentos até esteja prevista na legislação, isso dificilmente ocorre na prática – salvo em situações extremas, relacionadas a problemas que vão além do mau desempenho.
“É claro que, ao falar em flexibilização da estabilidade, não estamos dizendo que o chefe poderá mandar alguém embora porque acordou com mau humor ou por perseguição política. É preciso criar mecanismos sólidos de gestão de desempenho, com indicadores claros e avaliados coletivamente, como ocorre na iniciativa privada”, diz José Henrique Nascimento, líder de causas no Centro de Liderança (CLP), organização suprapartidária que busca desenvolver líderes públicos e engajar a população nessas discussões.
Sabe-se que nem sempre é fácil mensurar o desempenho de servidores públicos – como policiais, por exemplo. “Pode-se utilizar como um dos parâmetros os índices de violência na região em que o policial atua. Alguém pode argumentar que um policial não deve ser responsabilizado pelo aumento da violência naquela região, pois isso envolve aspectos muito amplos. O problema é que, se a gente for sempre usar a complexidade como desculpa, nunca sairemos do lugar”, diz Nascimento.
Revolução cultural
“Não se trata de perseguição aos servidores”, ressalta o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade. “O que se pretende é acabar com regalias e privilégios, reduzindo as diferenças que muitas vezes existem entre servidores públicos e trabalhadores da iniciativa privada.”
Além da preocupação específica com a gestão de desempenho, o CLP defende uma série de medidas que devem ser contempladas na Reforma Administrativa, como o fim da progressão automática por tempo de serviço, o aumento do tempo para os funcionários públicos chegarem ao topo da carreira (de dez para 20 anos), a racionalização do número de carreiras e maior facilidade para remanejamentos de servidores públicos entre cargos e órgãos.
O próprio governo tem boas iniciativas para aprimorar a gestão como a Escola Nacional de Administração Pública (Enap), ligada ao Ministério da Economia. Os programas de capacitação e desenvolvimento de servidores são baseados em competências transversais definidas com base na análise das melhores práticas dos países da OCDE. “Reforma Administrativa não é apenas um conjunto de normas, é também uma revolução cultural. Aqui na Enap temos a missão de preparar o serviço público para o futuro”, diz o presidente da instituição, Diogo Costa.
Um dos projetos de destaque é o bootcamp de programação, realizado em parceria com uma startup francesa – trata-se de um programa intensivo, com 500 horas de dedicação durante três meses, em que servidores mergulham em linguagens de programação para desenvolver protótipos de aplicativos que resolvem problemas.
Muitos dos participantes chegam ao projeto sem conhecimento prévio e saem de lá com aplicativos desenvolvidos. Alguns dos resultados são um app que informa toda a regulamentação pertinente ao traçado de futuras estradas e rodovias e outro que permite a professores fazer correções online na escrita à mão dos alunos.
Existe ainda a plataforma de desafios, em que órgãos públicos de qualquer âmbito – federais, estaduais ou municipais – podem divulgar um determinado problema que estão enfrentando e receber contribuições de toda a sociedade na busca de soluções.
PEC não contempla nem 10% da demanda
Para o deputado federal Tiago Mitraud (Novo-MG), presidente da Frente Parlamentar da Reforma Administrativa, a luta pela reformulação da gestão pública vai muito além da avaliação da PEC 32/2020, em andamento no Legislativo. “Há muitos outros temas além daquilo que o governo apresentou. Um exemplo é a necessidade de modernização dos concursos públicos. Eu diria que a PEC não contempla nem 10% das necessidades”, ele diz.
Para Mitraud, outro problema da reforma proposta é a excessiva segmentação, o que exigirá uma série de leis posteriores de regulamentação – um processo que promete ser longo, desgastante e pode não chegar ao resultado desejado pelos legisladores. “Basta lembrar que a última mudança constitucional significativa, feita em 1998, aprovou uma série de medidas que nunca foram regulamentadas.”
O presidente da Frente Parlamentar da Reforma Administrativa ressalta a importância simbólica que há na extinção de privilégios de determinadas categorias, como férias de 60 dias, licenças-prêmio e abono pecuniário (possibilidade de vender parte das férias).
“Por conta desse tipo de situação, o Estado brasileiro acaba sendo um grande causador de desigualdade. A reforma certamente trata de modernização e eficiência, mas também de justiça social”, afirma o parlamentar.
Crédito: CNI/ESTADÃO – @internet 12/08/2021