Crise da Evergrande: por que gigante do setor imobiliário da China espalhou pânico nos mercados
“O simples bater de asas de uma borboleta no Brasil pode ocasionar um tornado no Texas.”
Quase um clichê, a frase emblemática da teoria do caos, conhecida como “efeito borboleta”, refere-se à forma como fenômenos de grande magnitude podem resultar de pequenas alterações nas condições iniciais de um sistema.
Algo do tipo aconteceu nessa segunda-feira (20/9) nos mercados mundiais de ações: o medo de que uma empresa chinesa do setor imobiliário dê calote nas suas obrigações financeiras derrubou as bolsas do mundo todo e levou o preço do minério de ferro abaixo dos US$ 100 pela primeira vez em mais de um ano.
A empresa em questão é a Evergrande Real Estate, responsável por mais de 1,3 mil projetos imobiliários, em 280 cidades, que já atenderam mais de 12 milhões de chineses em busca do sonho da casa própria, segundo o site da própria empresa.
A Evergrande Real Estate é parte do Evergrande Group, um conglomerado privado com ativos estimados em 2,3 trilhões de yuans (R$ 1,9 trilhão ou US$ 360 bilhões), com vendas anuais de 700 bilhões de yuans (R$ 580 bilhões ou US$ 108 bilhões), e atuação também nos setores de automóveis, tecnologia e saúde, entre outros.
“Segundo a Bloomberg, sua dívida entre bônus e empréstimos soma US$ 87 bilhões [R$ 466 bilhões] e alguns pagamentos de juros não serão feitos nesta semana. O seu passivo total era de US$ 304 bilhões [R$ 1,6 trilhão] em 30 de junho”, explica a equipe da MCM Consultores, em relatório, sobre os motivos de preocupação dos mercados.
“Os investidores temem que os problemas financeiros da Evergrande Group impactem negativamente os seus fornecedores, clientes e credores financeiros”, diz a consultoria, quanto ao temor de contágio gerado pela crise da empresa. “O governo chinês terá de intervir na empresa para recuperar sua saúde financeira e evitar uma contração da economia.”
Medo de contágio
Diante desse temor de contaminação e da incerteza quanto à atuação do governo chinês, a bolsa de Hong Kong sofreu um tombo de 3,3% nesta segunda-feira, com as ações da Evergrande negociadas no mercado local em queda de mais de 10%.
Os mercados acionários da China, Japão, Coreia do Sul e Taiwan não operaram nesta segunda-feira em função de feriados. Mas, na Europa, o dia também foi de índices no vermelho, com queda nas bolsas de Londres (-0,86%), Frankfurt (-2,31%), Paris (-1,74%), Milão (-2,57%), Madri (-1,20%) e Lisboa (-1,62%).
“Hoje temos um nível de investimento muito mais globalizado, ao ponto de uma incorporadora chinesa, com atuação local, contaminar os mercados do mundo. Olha que loucura que é”, diz Rodrigo Frachini, sócio da assessoria de investimentos Monte Bravo.
Frachini explica que, além do temor de que fornecedores e bancos sejam afetados por um possível calote da empresa, fundos que investiam nela também sofrem com o efeito cascata.
Além disso, a expectativa de desaceleração do crescimento da China e particularmente do setor imobiliário chinês derrubou os preços futuros do minério de ferro.
O principal insumo para a fabricação do aço fechou em baixa de 8,8% no porto de Qingdao, na China, cotado a US$ 92,98 por tonelada nesta segunda-feira. Desde a cotação recorde de US$ 240 por tonelada atingida em maio, a queda acumulada de valor é de 61%.
O preço do minério também tem sido afetado no período recente por pressões do governo chinês para limitar a produção de aço, numa tentativa de reduzir as emissões de carbono do país.
Com a baixa desta segunda-feira, empresas brasileiras como a mineradora Vale e as siderúrgicas Gerdau, CSN e Usiminas caíram forte na bolsa de valores paulista, ajudando a puxar o Ibovespa para baixo.
Uma nova crise do subprime de 2008?
Qualquer abalo financeiro com início no setor imobiliário gera temor no mundo todo de uma nova crise como a de 2008.
A última grande hecatombe financeira internacional teve início com o estouro da bolha das hipotecas no mercado financeiro americano, que levou à falência do banco Lehman Brothers e à queda das bolsas e recessão em todo o mundo.
Para os analistas, no entanto, há diferenças importantes entre a crise de 2008 e a atual preocupação com a dívida da Evergrande.
“O problema de 2008 foi que tinha uma pancada de bancos com aqueles recebíveis em mãos, aquilo virou pó e ninguém queria pagar”, explica Frachini.
“A Evergrande também tem uma dívida com bancos, mas como é uma questão interna chinesa, tem muito mais foco de governo local. Não tem um banco global financiando a Evergrande, como teve o Lehman Brothers, por exemplo”, completa o analista.
Para Pedro Serra, gerente de pesquisa econômica da Ativa Investimentos, ainda não é possível saber como o governo chinês vai atuar, mas é improvável que ele permita uma propagação maior na economia do país.
“Acho pouco provável o governo chinês deixar o sistema financeiro se contaminar. A discussão é mais se ele vai salvar a Evergrande ou não. Ele pode não salvar a empresa e salvar os bancos expostos a ela”, exemplifica.
Para além da Evergrande
Os analistas destacam, porém, que não é só o “efeito Evergrande” que pesa sobre a bolsa brasileira nesta segunda-feira.
Além da crise da gigante imobiliária, os investidores estão de olho em diversas decisões de política monetária de bancos centrais nessa semana, particularmente do Fed (Federal Reserve System, o banco central dos Estados Unidos).
“Existe uma expectativa de retirada de estímulos da economia pelo Fed e pelo Banco Central Europeu. Mas, até aqui, se esperava que isso acontecesse por um motivo bom, com as economias melhorando e os estímulos sendo retirados para os países andarem com as próprias pernas”, explica Serra, da Ativa Investimentos.
“O que se discute agora é que talvez não seja bem isso e essa retirada de estímulos pode vir mais forte do que se esperava, o que gera muita especulação dos fundos de investimento.”
Por fim, tem um fator que é só brasileiro: os ruídos políticos internos e o bate-cabeça do governo na agenda econômica.
“As empresas listadas em bolsa brasileiras, principalmente aquelas voltadas para o mercado doméstico estão indo bem”, avalia o gerente da Ativa.
“Mas, do outro lado, os ruídos políticos, as propostas desencontradas para reforma tributária e precatórios, o recente aumento de imposto, tudo isso começou a trazer dois elementos desagradáveis: uma discussão sobre até onde vai piorar a situação fiscal do país e uma redução da expectativa de que vá ter reformas antes da corrida eleitoral do ano que vem.”
“Começa a ficar apertada a agenda. O mercado não tem partido, mas ele faz contas.”
Crédito: BBC News Brasil – @disponível na internet 21/09/2021
Temor de calote da chinesa Evergrande derruba Bolsas mundiais; Ibovespa tomba 2,33%
O medo de um calote da gigante do setor imobiliário chinês Evergrande e potenciais efeitos na economia da China mexeu com índices de todo o mundo nesta segunda-feira, 20, incluindo Nova York. Seguindo o mesmo movimento, a Bolsa brasileira (B3) teve tombo de 2,33%, aos 108.843,74 pontos – no menor nível desde 23 de novembro. Entre as ações, o setor de mineração foi o mais afetado. No câmbio, o dólar foi pressionado e cedeu 0,93%, cotado a R$ 5,3312 – maior valor de fechamento desde 23 de agosto.
Hoje, o índice atingiu o menor nível intradia desde de 3 março, ao baixar aos 107.520,14 pontos, queda superior a 3%. Dessa forma, a perda acumulada pelo Ibovespa desde o recorde histórico de fechamento, em 7 de junho (130.776,27 pontos), de quase 22 mil pontos, corresponde agora a 16,77%. Considerando apenas esta segunda-feira, o índice cedeu 2.595 pontos. No mês, as perdas são de 8,37% e no ano, de 8,55%.
Em porcentual, a perda desta segunda-feira foi a pior desde o último dia 8, quando havia cedido 3,78%. De lá para cá, o arrefecimento da crise político-institucional deu lugar a outros desdobramentos, negativos, como a elevação do IOF até o fim do ano e os crescentes receios quanto às consequências de eventual insolvência da Evergrande para a economia chinesa e global.
Em Nova York, índice Dow Jones fechou em queda de 1,78%, o S&P 500, de 1,70% e Nasdaq, de 2,40%. O índice VIX, conhecido por termômetro do medo, chegou a operar com alta acima de 36%. Na Europa, a Bolsa de Londres cedeu 0,79%, Frankfurt perdeu 2,31% e Paris, 1,74%. A Bolsa de Hong Kong fechou em baixa de 3,3% sob efeito da Evergrande, enquanto os mercados acionários da China, do Japão, da Coreia do Sul e de Taiwan não operaram em função de feriados.
O quadro de tensão também pressionou o petróleo hoje. Em Nova York, o WTI para novembro fechou em baixa de 2,34%, a US$ 70,14 o barril, e o Brentpara o mesmo mês caiu 1,88%, para US$ 73,92 o barril em Londres.
Temores quanto a um risco sistêmico no setor de construção chinês, e os efeitos para a retomada da segunda maior economia do mundo, mantêm as commodities sob pressão, com o minério de ferro em novo tombo, de quase 9% hoje, a US$ 92,98 por tonelada na China. No dia 8, o minério iniciou série negativa, ainda não interrompida, que se agravaria especialmente a partir do dia 16, quando cedeu 8%, refletindo a piora de percepção sobre a China, visão que já vinha se debilitando há algum tempo com iniciativas regulatórias restritivas em setores como o do aço.
“Durante a maior parte da última década, o mundo se preocupou com o forte aumento da alavancagem líquida e bruta da China”, aponta o Barclays, que em relatório a clientes destaca que dos 300 bilhões em passivos detidos pela Evergande, apenas 11,4% são empréstimos bancários.
“Os preços das matérias-primas estão associados à nova política do governo chinês, com relação a metas ambientais, diminuição da produção de aço e desaceleração do setor de construção civil no país”, diz Túlio Nunes, especialista de finanças da Toro Investimentos. “Os passivos da incorporadora (Evergrande) giram em torno de US$ 300 bilhões, e as preocupações sobre a alta alavancagem do setor imobiliário chinês ligam o sinal de alerta nos mercados globais. As agências de classificação de risco já reduziram suas notas de classificação para um possível calote”, acrescenta Nunes.
Assim, na B3, o setor de mineração e siderurgia esteve, de novo, entre os mais penalizados da sessão, com Vale ON em queda de 3,30% – que superavam 5%, mais cedo – e CSN ON, de 3,09%, também moderada em direção ao fechamento do dia. As perdas entre os grandes bancos chegaram a 3,75% para Bradesco PN no encerramento, enquanto Petrobras ON e PN cederam, respectivamente, 1,06% e 1,12%, após perdas superiores a 3% observadas até o meio da tarde.
Filipe Fradinho, analista da Clear Corretora, observa que o preço do minério de ferro acumula queda de 55% em apenas dois meses, o que afeta diretamente o Ibovespa, pela exposição que o índice tem a commodities – em Cingapura, segundo ele, o minério foi negociado a US$ 92,80 por tonelada. A Evergrande “viu suas ações despencarem 10%, em meio a temores sobre a incapacidade da empresa de pagar sequer uma parte de sua dívida que vence na próxima quintafeira”, acrescenta.
“O mercado já abriu hoje em queda acentuada acompanhando os do mundo todo, por conta dos temores sobre possível default da Evergrande, e os impactos que isso teria sobre o sistema financeiro chinês como um todo. Além disso, há postura mais conservadora dos mercados, primeiro, para o início – iminente – do processo de ‘tapering‘ [retirada de estímulos monetários] nos Estados Unidos”, diz Bruno Mansur, especialista da Valor Investimentos.
A onda de aversão a ativos de risco vem justamente na semana que abrigará a “Super Quarta” (dia 22), com decisões de política monetária aqui e nos Estados Unidos – o que reforça a cautela no mercado doméstico de câmbio. Para o economista-chefe e sócio da JF Trust, Eduardo Velho, é provável que o Fed sinalize o início da retirada de estímulos no fim do ano (novembro ou dezembro) ou até mesmo no começo de 2022, uma vez que os resultados recentes do payroll, inflação e a variante Delta ‘confortam’ a ala pró-estímulos do Fed. “A despeito do aumento das vendas do varejo, Fed deve estar preocupado com os reflexos da “desaceleração” chinesa sobre os mercados globais”, afirma Velho, em relatório.
Neste contexto desafiador, apenas cinco ações da carteira Ibovespa conseguiram resistir ao malestar geral para fechar o dia em alta: Copel, com ganho de 4,68%, Sabesp, de 1,81%, CVC, de 0,88%, Iguatemi, de 0,40% e Energias BR, de 0,11%. Na ponta negativa do Ibovespa, Braskem cedeu 11,54%, à frente de Via, de 6,74% e de Méliuz, de 5,91%.
A Capital Economicsobserva, em relatório enviado a clientes hoje, que as repercussões do “caso Evergrande” para o resto do mundo estão crescendo, embora a consultoria avalie que a turbulência ainda não chegou à escala de “sustos” anteriores na China, como a guerra comercial com os Estados Unidos, em 2018 e 2019, ou a desaceleração da economia do país asiático, em 2015 e 2016.
“Pequim provavelmente apoiará o que for necessário para evitar o envio de ondas de choque através de seu sistema financeiro”, avalia em nota Edward Moya, analista de mercado da OANDA em Nova York.
O Barclays também trata o tema com positividade. “Por mais surpreendente que possa parecer, Evergrande por si só não tem passivos suficientes para representar um risco para o sistema financeiro da China. Mesmo que as autoridades não tomem nenhuma ação para mitigar os efeitos de um default “grave”, o que permanece muito improvável, em nossa opinião.”
Câmbio
Os negócios no mercado doméstico de câmbio foram pautados nesta segunda pela onda de liquidação de ativos de risco deflagrada pela crise de solvência da incorporadora chinesa Evergrande, que reascendeu temores de risco sistêmico no mercado financeiro global e de desaceleração mais aguda da economia do gigante asiático.
Em movimento típico de fuga para a qualidade, investidores liquidaram posições em mercados acionários e correram para o abrigo do dólar e da renda fixa americana, os Treasuries- as taxas da T-note de 10 anos chegaram a cair mais de 4,5%. As divisas emergentes e de países exportadores de commodities – cujos preços despencaram – caíram em bloco em relação à moda americana. O real, por questões técnicas do nosso mercado e já fragilizado pelos problemas locais, foi quem mais apanhou.
Já em alta desde o início dos negócios, o dólar à vista operou sempre na casa de R$ 5,30. Na máxima, a moeda subiu a R$ R$ 5,3772, em alta de 1,80%. O Credit Default Swap (CDS), derivativo que protege contra calotes e serve termômetro do risco-país, subiu de 180,14 pontos, no fechamento de sexta-feira, 17, para 198,76, segundo dados da IHS Markit. A última vez que o CDS havia trabalhado na casa de 190 pontos foi em 20 de agosto.
No exterior, o dólar teve ganho ante a maioria das moedas. Por sua vez, uma valorização do iene, outra moeda buscada como refúgio, limitou os ganhos do índice DXY, que mede o dólar ante seis rivais, e fechou em alta de 0,09%. Ao final da tarde, o euro ficava perto da estabilidade, com leve alta, a US$ 1,1732, enquanto a libra cedia a US$ 1,3661. Já o dólar se desvalorizava a 109,40 ienes. /
Crédito: LUÍS EDUARDO LEAL, ANTONIO PEREZ E MAIARA SANTIAGO/ O Estado de São Paulo – @disponível na internet 21/09/2021