Funcionalismo se une e investe contra discurso oficial de defesa da reforma administrativa
Ao longo do mês de outubro, o Fonacate recolheu recursos de associados e investiu cerca de R$ 1 milhão com o objetivo de intensificar a mobilização contra a PEC 32. O dinheiro foi aplciado nos atos de protesto em 16 Estados (aeroportos e locais estratégicos da base dos deputados favoráveis à reforma administrativa ou indecisos – cerca de 170), e, em Brasília, diante da Câmara dos Deputados
Parte dos recursos foi para a militância digital, com material de esclarecimento à sociedade. “Somente na mídia, foram mais de 500 inserções. Mostramos, ainda, que o calote dos precatórios prejudicaria mais de 100 mil servidores”, conta Rudinei Marques, presidente do Fórum Nacional das Carreiras de Estado (Fonacate).
O líder sindical reforça que, como o governo não conseguiu antecipar a PEC 23/2021 (dos precatórios) – passou na Câmara, mas encontra dificuldades no Senados -, pelos corredores do Congresso, os comentários são de que a equipe econômica virá com toda força na próxima semana.
“E vai insistir na PEC 32, para reduzir de qualquer jeito os custos com a folha de pagamento. Como tem pressa, achamos que a pressão do governo vai aumentar, ainda esse mês. Até agora, tivemos uma vitória parcial. Mas não vamos nos descuidar. Foram 14 meses de trabalho intenso que para esse texto que só traz retrocesso não prosperasse”, promete.
O deputado Tiago Mitraud (Novo-PR), presidente da Frente Parlamentar da Reforma Administrativa, que defende mudanças na administração, admite que o texto que saiu da comissão especial da Câmara não é o ideal. “No entanto, é a reforma que, com muitos avanços e alguns retrocessos, conseguirá trazer melhorias. Se, de um lado, categorias que concentram privilégios ainda tenham ficado de fora; de outro, os avanços nas regras de gestão de pessoas são diversos, muito importantes e fazem a PEC valer à pena. O próximo passo é enfrentar os pontos negativos e trabalhar para aprimorar o texto”, diz.
Agentes do mercado financeiro sinalizam “um incômodo generalizado” com o comportamento de Arthur Lira. Fontes que não quiseram se identificar dizem que o presidente da Câmara, sutilmente, concretiza os desejos nem sempre revelados de Jair Bolsonaro. “Muita gente já esqueceu, mas Bolsonaro disse no passado que não queria a reforma administrativa”, lembra um especialista. O economista Cesar Bergo, sócio-consultor da Corretora OpenInvest, acha que “é possível que Lira esteja mesmo contra a reforma administrativa; mas, pressionado, levou à votação mesmo sabendo dos entraves lá na frente”.
Mas Bergo enxerga também outra artimanha ainda mais complexa. Ele conta que a Lei de Licitações (8.666/1993) foi modificada e substituída pela Projeto de Lei 4.253/2020 – que entra em vigor, plenamente, em 2022. O dispositivo muda consideravelmente o processo licitatório e entre os pontos trata da contratação pelo poder público. “Há muita pressão para que sejam incluídos, nessa lei, procedimentos de avaliação do servidor. Como a lei ainda será sancionada, a intenção é aproveitar e lançar nela pontos controversos da PEC 32. Assim, se diminui a pressão do momento e se mantém alguns dos objetivos da equipe econômica”, conta Bergo.
Sem esforço
A reforma administrativa estava em banho-maria. Voltou ao radar do governo com as recentes declarações do ministro da Economia, Paulo Guedes, dando nova satisfação ao mercado, de que resultaria em economia aos cofres públicos de R$ 300 bilhões.
Os R$ 300 bilhões “são duvidosos, porque o governo nunca apresentou um cálculo”, diz uma fonte. Seja como for, essa suposta poupança não vai, dizem os críticos, para o endereço declarado: os mais vulneráveis. Seria para bancar o desespero pela reeleição, garantem, já que a estratégia montada para apressar a aprovação da PEC dos Precatórios (redução do montante da dívida judicial da União) libera recursos para o Auxílio Brasil, mas principalmente para distribuição de emendas parlamentares não impositivas.
O funcionalismo descobriu a jogada da compra de votos, atrapalhou os planos dos aliados de Jair Bolsonaro e promete muito barulho. O assunto é delicado. A trama somente é identificada pelos que conhecem os bastidores do Congresso. “O governo se mexeu em relação à PEC 32/2020, porque havia colocado todas as suas fichas na PEC 23/2021 (dos precatórios) e achava que a vitória era certa”, informa o deputado Professor Israel Batista (PV-DF), presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público (Servir Brasil).
“Nós trabalhamos muito e alertamos a base do governo sobre os riscos de um calote e a repercussão para os investidores, como insegurança jurídica e fuga de recursos do país. A reação foi firme. Conversei com cada um dos parlamentares. Muitos se indignaram pelas redes sociais”, diz. Então, explica Israel Batista, “como uma espécie de vingança”, as atenções do governo se voltaram à PEC 32 (reforma administrativa), para desviar o foco – com ajuda de aliados ávidos por recursos públicos”, conta o deputado”
O parlamentar explica que essa “é a nova tecnologia de compra do Congresso”. “Estamos em alerta. A semana vai pegar fogo, porque os servidores se organizaram”, reforça Batista. Rudinei Marques, presidente do Fonacate, lembra que, de imediato, o relatório do deputado Arthur Lira (DEM-BA) à PEC 32 recebeu críticas de servidores, empresários, agentes do mercado financeiro e parlamentares.
A repercussão contra a reforma administrativa vem se propagando. Rudinei Marques conta que, no final de outubro, se reuniu com executivos do Centro de Lideranças Pública (CLP) e do Movimento Pessoas à Frente (MPaF). “José Henrique (Nascimento, gerente de Causas) disse que o CLP não apoia o atual substitutivo da PEC 32, melhor, que é totalmente contra o relatório aprovado na comissão especial. Da mesma forma se manifestou Renata Vilhena, do MPaF. Ambos querem de fato aprimorar o serviço público, mas dizem que a PEC 32 não entrega isso”, aponta.
Crédito: Vera Batista/Correio Braziliense -@disponível na internet 16/11/2021