“Horários flexíveis traz benefícios como uma mão de obra mais saudável, produtiva, criativa e leal.”

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@ Daniel Teixeira/Estadão
Expediente das 9h às 17h deve ser próximo pilar corporativo a cair. Especialistas afirmam que permitir ter horários flexíveis traz benefícios como uma mão de obra mais saudável, produtiva, criativa e leal

Trinta por cento dos trabalhadores em todo o mundo entrevistados para uma pesquisa no ano passado disseram que considerariam procurar um novo trabalho caso o atual emprego exigisse que eles voltassem para o escritório em tempo integral. Os millennials estão especialmente relutantes. Em resposta à pandemia de covid-19, PepsiCo, Meta e General Motors, além de outras empresas, incorporaram o trabalho remoto em suas culturas corporativas.

Porém, em um local de trabalho flexível de verdade, as pessoas controlariam não apenas onde trabalham, mas também quando. A Southwest Airlines permite que os pilotos escolham voar no período da manhã ou da noite. Algumas empresas de tecnologia, entre elas a Automattic e a DuckDuckGo, têm políticas que não exigem um horário fixo e permitem aos funcionários se tornar nômades e viajar pelo mundo ou simplesmente realizar tarefas durante a semana. Mas essas oportunidades continuam raras.

“Acho realmente uma pena que mais empresas não tirem proveito disso”, afirmou Azad Abbasi-Ruby, analista sênior de pesquisa de mercado da DuckDuckGo. “Conseguimos fazer muita coisa, e acho que boa parte disso tem a ver com essa flexibilidade, deixar as pessoas trabalharem quando são mais produtivas.”

Horário flexível é uma palavra que está na moda nos manuais de funcionários, mas, na prática, ele não é muito utilizado. Embora alguns trabalhos dependam realmente de um horário fixo (professores precisam estar na escola pela manhã), muitos não têm essa necessidade. Segundo os especialistas, se mais empregadores adotassem de verdade os horários flexíveis e permitissem que os empregados trabalhassem quando é melhor para eles, os benefícios seriam uma mão de obra mais saudável, produtiva, criativa e leal.

Existem inúmeras razões para os trabalhadores talvez quererem ter mais controle sobre quando trabalham. As pessoas podem viver em um fuso horário e trabalhar em outro, por exemplo. Analistas financeiros em Seattle ou em Los Angeles talvez não queiram iniciar o expediente às 6h30 da manhã para coincidir com a abertura da Bolsa de Valores de Nova York.

Ou talvez tenham questões em sua vida pessoal, como a responsabilidade de cuidar de alguém com uma deficiência ou de outra pessoa que requer atenção durante o horário padrão de expediente. Cerca de 700 mil pais de crianças pequenas pediram demissão de seus empregos nos Estados Unidos em 2020, muitos deles porque seus filhos de repente começaram a estudar de casa.

Pesquisas do Centro de Pesquisas Pew indicam que, mesmo antes da pandemia, muitas mães, de modo especial, sentiam que os choques de horários entre os compromissos de trabalho e os afazeres do cuidado com a família prejudicavam suas carreiras.

Nossos corpos também se beneficiariam com uma flexibilidade maior. Cada um de nós tem um ritmo personalizado conhecido como cronotipo – um relógio interno que controla quando adormecemos naturalmente e quando estamos mais alertas. Para mais da metade dos adultos, a hora de dormir biológica é após a meia-noite, o que significa que um expediente típico das 9h às 17h deixa muitos de nós fora de sincronia com nosso ritmo.

Nosso padrão de conduta “Deus ajuda a quem cedo madruga” costuma ser aplicado para funcionários de escritório que poderiam fazer seu trabalho com a mesma eficiência seguindo seu próprio ritmo. Um estudo de 2014 descobriu que os supervisores madrugadores veem os funcionários que chegam mais tarde como menos cuidadosos, independentemente de seu desempenho no emprego. Outras pesquisas mostram que os trabalhadores são mais criativos e os líderes mais carismáticos quando não sofrem de privação de sono e quando seus horários de trabalho e sono biológicos estão alinhados.

Adaptação rápida na pandemia

Grandes mudanças recentes durante a pandemia poderiam abrir portas para novos tipos de flexibilidade no trabalho, de acordo com Alex Soojung-Kim Pang, analista de tecnologia e autor dos livros Trabalhe menos, ganhe igual: Como a redução da jornada de trabalho pode revolucionar sua vida e sua empresa e Descansar: a razão pela qual conseguimos fazer mais quando trabalhamos menos.

“Entrevistei donos de empresas que me disseram: “Em fevereiro de 2020, trabalhar de casa era a causa pela qual eu lutava. Mas eu tinha certeza de que minha empresa não conseguiria fazer isso nunca. No entanto, meus funcionários provaram como eu estava errado em três semanas”, ele me disse. “O que isso nos diz é que não há nenhuma premissa em relação a como trabalhamos que não deva ser questionada.”

Pang sugeriu que os empregadores deveriam pensar menos no tempo gasto trabalhando e mais na qualidade do trabalho realizado. Ele identificou cerca de 130 empregadores, entre eles o Kickstarter e o governo da Islândia, que adotaram a semana de trabalho de quatro dias e expediente reduzido sem cortar salários ou sacrificar a produtividade. “A pessoa mais impressionante, mais profissional, não é aquela que precisa de 80 horas por semana para terminar o trabalho”, disse. “É aquela que consegue terminar em 30 horas.”

Com a flexibilidade de horários, os trabalhadores poderiam dedicar seu período do dia com mais energia – normalmente as manhãs para madrugadores e as tardes ou noites para pessoas notívagas – as suas tarefas que exigem mais trabalho intelectual. As pessoas poderiam assistir aos eventos esportivos de seus filhos ou preparar o almoço para um pai doente. Funcionários com doenças crônicas poderiam se ausentar por uma ou duas horas para cuidar de uma crise leve sem precisar se afastar do trabalho durante um dia inteiro.

Dawna Ballard, professora da Universidade do Texas, em Austin, que pesquisa sobre o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, tem uma história que gosta de contar para demonstrar a importância de deixar as pessoas fazerem seus próprios horários de trabalho. Vários anos atrás, sua família ficou viciada nos deliciosos ovos com gemas de laranja brilhante de galinhas criadas com acesso a pasto e não confinadas, que eram vendidos em um supermercado da cidade. Mas, um dia, eles foram ao local e não havia ovos porque, segundo lhe disseram, as galinhas estavam mudando de penugem.

Periodicamente, as galinhas perdem suas penas e elas crescem outras vez, um processo tão exigente do ponto de vista fisiológico, que muitas deixam de botar ovos enquanto ele não acaba. As fazendas industriais aceleram esse processo por meio da fome, mas ali havia evidências sugerindo que, quando permitidas a seguir seu ciclo natural, as galinhas podem produzir ovos excepcionais.

Dawna viu de cara uma analogia com as pessoas. Embora muitas vezes forçados a rotinas rígidas e padronizadas, somos seres vivos cuja produtividade tem altos e baixos não apenas ao longo de um único dia, mas, também, quando semanas de trabalho intenso criam a necessidade de recarregar as baterias.

Para Dawna e outros especialistas, alguns ajustes simples na rotina de trabalho da empresa fariam uma grande diferença. Cancele todas as reuniões, exceto as indispensáveis. Não espere que aqueles no regime de trabalho remoto estejam sempre disponíveis ou use softwares invasivos para mantê-los focados em uma tarefa. Concentre-se nos resultados e se acostume com aqueles que começam a trabalhar mais tarde. Para promover a colaboração entre os funcionários que trabalham em horários diferentes, as empresas podem definir uma janela de expediente comum limitada.

“As galinhas têm um ritmo que gostariam de seguir. Na verdade, todos temos isso”, disse Dawna. “Todos os dias, todos os minutos não podem ser iguais.” Ela disse que isso talvez funcione com máquinas, mas, “não é assim que funcionamos. Nós quebramos.” 

Crédito: Emily Laber-Warren, The New York Times  com tradução de Romina Cácia no O Estado de São Paulo @disponível na internet 28/03/2022

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