Com dificuldades de emplacar todas as privatizações prometidas, o governo Bolsonaro também não atravessa um mar calmo para concluir os planos de liquidação e incorporação de estatais.
Enquanto na venda de grandes empresas, como os Correios, o percalço é a resistência do Congresso, na tarefa de dar fim às estatais o entrave está nas disputas internas e na influência dos militares no governo.
O Estado/Broadcast apurou que o destino de ao menos duas empresas públicas vive esse impasse: a Nuclebrás Equipamentos Pesados (Nuclep) e a Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias (ABGF).
A equipe comandada pelo ministro Paulo Guedes queria fechar as portas das duas empresas, mas enfrenta a resistência do Ministério da Defesa, no caso da ABGF, e o interesse da Marinha em manter as atividades da Nuclep, criada em 1975 para produzir equipamentos de projetos nucleares. Integrantes do Poder Executivo já admitem que a estatal não deve ser liquidada, como queria a equipe econômica.
Localizada no Rio, a Nuclep é vinculada ao Ministério de Minas e Energia, mas tem uma ligação estreita com a Marinha, principalmente pela construção do primeiro submarino de propulsão nuclear do País. Na semana passada, por exemplo, o comandante da Marinha, Almir Garnier Santos, fez uma visita às instalações da estatal para acompanhar a produção de equipamentos relativa à embarcação. Esse braço das Forças Armadas tem, inclusive, um de seus quadros da reserva no comando da Nuclep, que é presidida pelo contra-almirante Carlos Henrique Silva Seixas.
Esse e outros negócios da Nuclep, no entanto, não dão conta de tornar a empresa financeiramente sustentável. Segundo o relatório de estatais mais recente, produzido pelo Ministério da Economia, a Nuclep precisou receber R$ 223,4 milhões do Tesouro Nacional em 2020. Mesmo assim, encerrou o ano com resultado negativo.
Na mira da desestatização, a empresa decidiu se aventurar em mais um setor, e agora também investe na produção de torres de transmissão de energia. Na avaliação de integrantes da equipe de Guedes, o novo negócio foi uma forma de a estatal tentar reverter o fechamento de suas portas. O problema, apontam, é encontrar justificativa plausível para uma empresa pública começar a investir nesse mercado – contrariando completamente a política liberal preconizada no início do governo Bolsonaro. Diante desse cenário, o time de Guedes vê a desestatização da Nuclep cada vez mais distante.
Comércio Exterior
No caso da ABGF, o Ministério da Economia ainda tem esperança de conseguir uma vitória. O futuro da estatal está diretamente ligado à solução que o governo quer dar aos entraves na concessão de seguro de crédito à exportação. Quase três anos após a entrada da ABGF no Programa Nacional de Desestatização (PND), dois cenários se desenham, segundo apurou o Estadão/Broadcast: em um, a ABFG seria incorporada pela Caixa Econômica e pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), ideia que tem mais simpatia de integrantes da equipe econômica. Em outro, se criaria um fundo financeiro sob a estrutura da ABGF, opção que salvaria a estatal e é apoiada pelo Ministério da Defesa.
A pasta comandada pelo general Walter Braga Netto, especulado como possível candidato a vice na chapa de Bolsonaro, quer preservar a empresa em razão da importância do seguro de crédito à exportação em equipamentos de defesa. O papel da ABGF é elaborar o rating (uma espécie de notas) dessas garantias, que são concedidas pelo Fundo de Garantia à Exportação (FGE), sustentado pelo Tesouro.
No Ministério da Economia, por outro lado, técnicos afirmam que a solução para o mercado não passa pela manutenção da ABGF, mas pela reestruturação do modelo de concessão de garantias. O grande entrave atual é que o FGE é um fundo contábil, sob o guarda-chuva do orçamento federal. Ou seja, sua atuação está limitada ao teto de gastos, situação que fragilizou o FGE ao longo dos anos em função das restrições fiscais. Por isso, há o entendimento de que a criação de um fundo financeiro, com autonomia orçamentária, é inevitável.
A questão é se isso será feito por meio da estrutura da ABGF ou da incorporação das atividades da estatal pela Caixa e pelo BNDES. A segunda opção é mais aderente à política preconizada pela Economia, de enxugamento do número de estatais e aproveitamento de estruturas públicas já existentes, afirmam fontes. Elas apontam que a incorporação da ABGF pelos dois bancos públicos também abre espaço para a capitalização do fundo financiador não demandar recursos do Tesouro – injeção que seria praticamente certa caso o fundo fosse constituído debaixo da ABGF.
Além disso, a absorção da estatal pela Caixa e pelo BNDES – e não somente por um – serviria para espantar o risco de uma instituição financeira ser responsável pelo financiamento e pela concessão da garantia na mesma operação. Neste desenho, poderia haver uma ‘dobradinha’ entre as duas instituições financeiras. Essa repartição é especialmente sensível para o BNDES, importante financiador público de longo prazo para operações de comercialização de exportações.
O País já passou por sufocos no passado em razão do modelo atual de garantias. Um dos problemas mais recentes, por exemplo, foi gerado com os calotes da Venezuela e de Moçambique em operações financiadas pelo BNDES, durante a administração petista. Em 2018, o Congresso precisou abrir um crédito suplementar de R$ 1,16 bilhão para o FGE, para que o fundo pudesse honrar com as garantias dadas nos negócios com os dois países.
Até o momento, o governo conseguiu completar somente duas liquidações, da Companhia Docas do Maranhão (Codomar) e da Companhia de Armazéns e Silos do Estado de Minas Gerais (Casemg). Já a primeira venda de estatal foi efetivada somente nesta quarta-feira, 30, com o leilão da Companhia Docas do Espírito Santo, e a expectativa é de conseguir finalizar a privatização da Eletrobrasneste ano.
Já a venda dos Correios é encarada a cada dia com mais descrença, já que o projeto que libera a venda da estatal que detém monopólio postal emperrou no Senado.
A reportagem procurou os ministérios da Economia, da Defesa, a Caixa, o BNDES e a Marinha, mas não houve resposta até a publicação deste texto. A Nuclep respondeu que não se manifestará por se tratar de tema discutido em âmbito ministerial.
Crédito: Amanda Pupo, O Estado de S.Paulo – @disponível na internet 31/03/2022