Se um bem jurídico deixa de merecer uma sanção, a despenalização do fato deve beneficiar todos os que o cometeram, independentemente do momento da prática.
Com esse entendimento, a 1ª Vara Federal de Dourados (MS), aplicando a nova Lei de Improbidade Administrativa (LIA) retroativamente, reconheceu a prescrição intercorrente, não constatou prejuízo ao erário e extinguiu uma ação de improbidade contra antigos dirigentes do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Acusações
A ação foi ajuizada em 2016 pelo Ministério Público Federal com a acusação de irregularidades na concessão de dois empréstimos do BNDES para uma usina de açúcar e álcool de Dourados. O MPF alegou que os empréstimos foram feitos sem as garantias neessárias, em descumprimento aos regulamentos internos do banco.
Segundo a denúncia, o BNDES classificou o nível de risco da operação de forma incorreta, e disso resultou a dispensa indevida de garantia real. O financiamento da operação teria sido usado, na realidade, para quitar empréstimos de curto prazo com outras instituições financeiras.
Os acusados defenderam a regularidade do empréstimo e a existência de garantias reais em valor superior ao crédito concedido. Após a reforma da LIA, as defesas pediram a aplicação da nova legislação ao caso. Os advogados Igor Tamasauskas e Otávio Mazieiro, que representaram o ex-presidente do BNDES Luciano Coutinho, destacaram que a mera perda patrimonial, decorrente de atividade econômica, não acarreta improbidade administrativa.
Fundamentação
O juiz Rubens Petrucci Junior observou que as novas regras de prescrição da LIA seriam mais benéficas aos réus, e por isso as aplicou. Os fatos imputados ocorreram entre 2008 e 2012. Com o ajuizamento da ação, em 2016, a prescrição foi interrompida. Assim, conforme as novas regras, a contagem se reiniciou com prazo de quatro anos, e, portanto, já se esgotou.
No entanto, a prescrição intercorrente não se aplica aos casos de ressarcimento ao erário. Por isso, o magistrado analisou os pressupostos relacionados a tal pretensão.
A nova lei passou a prever um rol taxativo de casos de improbidade: apenas as condutas descritas no texto legal podem ser classificadas como improbidade. O MPF acusava os réus de “praticar ato visando a fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência”, previsto no inciso I do artigo 11 da LIA.
Porém, tal dispositivo foi revogado na nova legislação, o que inviabilizou sua aplicação. Além disso, as condutas imputadas não estavam descritas nos novos incisos.
Atualmente, para que seja configurado o ato de improbidade, são necessárias a consciência e a vontade de praticar os elementos definidos na lei, com o objetivo de afrontar a ordem jurídica. Mas o MPF apontava apenas uma certa inépcia do BNDES na fiscalização dos recursos do financiamento. De acordo com o juiz, o MPF deveria ter apontado a suposta finalidade especial almejada pelos agentes, o que não ocorreu.
Por fim, o magistrado lembrou que a nova LIA exige a perda patrimonial efetiva e comprovada para configuração do ato de improbidade. “Assim, danos meramente possíveis ou hipotéticos não servem de base à configuração da improbidade administrativa”, indicou ele.
No caso concreto, o débito já vem sendo cobrado pelas vias legais. Portanto, não haveria dano ao erário. “O prejuízo, se ocorrer, é inerente aos riscos que sempre envolvem qualquer financiamento público, em especial aqueles voltados à execução de grandes empreendimentos, como no presente caso”, assinalou Rubens.
Clique aqui para ler a decisão – 0000034-30.2016.4.03.6002
Crédito José Higino/ CONJUR – @ disponível na internet 07/05/2022