A expectativa é que cerca de 200 empresas lancem programas a partir deste mês com novidades no processo seletivo; no ano passado, foram 184 companhias
Seja pelo salário acima da média ou pela oportunidade de começar a carreira em uma grande empresa, ser trainee é o desejo de cada vez mais jovens profissionais que enxergam no programa uma oportunidade de ouro para acelerar sua carreira. Para esses profissionais, a nova temporada, que começa neste mês, deve trazer um número maior de vagas Brasil afora comparado a 2021.
No ano passado, 184 empresas abriram processos seletivos com vagas em diversas áreas e para profissionais de todo o País. Neste ano, a expectativa é que esse número ultrapasse 200 companhias, segundo o presidente da plataforma Seja Trainee, Luís Abdalla.
Do lado das empresas o programa tem papel essencial no desenvolvimento de novas lideranças e na criação de equipes mais plurais, atraindo o desejo de inovação e transformação das novas gerações. Para os candidatos, é a porta de entrada para o mercado de trabalho. Apesar da escassez de mão de obra qualificada, as empresas exigem cada vez mais experiência para jovens que acabam de sair das universidades. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), um em cada quatro jovens entre 18 e 24 anos está desempregado no País.
Nesse cenário, os programas de trainees se tornaram ainda mais concorridos. Para se adequar à nova realidade, com as grandes transformações digitais e novas pautas na agendas das corporações, as empresas têm investido pesado em processos seletivos gamificados e cada vez menos tradicionais, valorizando também a vivência dos candidatos e a experiência do processo. Para se preparar para a alta temporada de processos seletivos para trainee, a equipe do Sua Carreira preparou um especial sobre as mudanças dos processos seletivos com dicas de ex-trainees e oportunidades abertas no segundo semestre.
“Eu gosto de enxergar o programa trainee como a residência na medicina”, explica Luciana Ferreira, professora de Liderança e Comportamento Organizacional da Fundação Dom Cabral. “A sala de aula traz alguma aplicabilidade, mas essa experiência real não acontece. Falta a mão na massa.”
Ela diz que, diferentemente dos programas de estágio, os programas de trainee são desenhados e estruturados com foco na aprendizagem específica. Enquanto na faculdade ou no estágio o treinamento é focado nas habilidades que são úteis para qualquer empresa, segundo Luciana, no trainee todas as atividades são orientadas para projetos estratégicos daquela organização.
Outros diferenciais importantes, de acordo com a professora, são a valorização dos trainees pela alta liderança e a expectativa de que essas pessoas vão assumir posições de liderança no futuro.
“Somos movidos pela expectativa. E, quando você entra no programa de estágio, você já vai com uma expectativa muito distinta. No trainee, você enxerga um horizonte mais amplo, você vai se engajar de forma diferente em relação a um programa de estágio cuja probabilidade de ser notado como talento é muito menor.”
Contratada em 2008, Flávia Picanço começou com trainee na área comercial da Americanas. Hoje é gerente executiva de gente da companhia e está à frente de todos os programas de entrada da companhia. “É um programa de infinitas possibilidades”, conta Flávia.
O Programa Trainee de 2022 foi o primeiro da organização após a fusão com a B2W. A iniciativa forma jovens líderes há 20 anos e, segundo ela, continua tendo como foco levar a esses jovens um processo de imersão sobre como é trabalhar na companhia, com uma pitada de tecnologia e cada vez mais oportunidades em diferentes projetos.
“Desde o processo seletivo a gente dá uma atenção muito grande para que o candidato conheça a fundo nossa empresa. Queremos passar tudo sobre nosso DNA, de como a gente funciona, quais são os nossos desafios, então ele acaba vivendo essa experiência de como realmente é ser um um colaborador”, explica.
É um programa de infinitas possibilidades” Flávia Picanço,Gerente Executiva de Gente da Americanas S.A.
Os trainees, explica Flávia, fazem parte de um programa de aceleração de carreiras da companhia e não entram para atuar em um setor específico. Depois de passar pelo processo seletivo e conhecer a cultura da empresa, os jovens passam por todas as áreas da companhia e conhecem profundamente os desafios e oportunidades de cada uma. “Não é nada 100% fechado. Olhamos para o que o jovem quer, seu perfil, suas as competências, mas também como foi sua experiência em cada área. Não queremos limitar, existem muitas possibilidades de desenvolvimento que não tem nada a ver com formação ou experiências prévias”, diz.
COMO FUNCIONA?
O programa tem como objetivo trazer possíveis talentos para o pipeline de liderança de grandes empresas. As companhias investem desde muito cedo na carreira desses profissionais para treiná-los a partir de conhecimentos específicos e reter jovens promissores.
Os trainees costumam passar por um job rotation, período em que eles conhecem todos os setores da empresa para desenvolver uma visão sistêmica do negócio. Além disso, o programa é repleto de treinamentos e possibilita o envolvimento em diferentes projetos dentro da organização.
O público-alvo dos programas são os jovens, com até dois anos de formados ou prestes a terminar a graduação. Algumas organizações delimitam áreas de atuação e outras pedem apenas formação universitária em qualquer curso.De olho na diversidade, outros requisitos como cursos específicos, experiência no exterior e idiomas têm perdido espaço dentro dos processos.
O diretor geral de Pessoas e Cultura na Dasa, Fábio Rosé, explica que até 2019 o programa tinha uma estrutura mais tradicional, sempre buscando uma arquitetura de talento mais cartesiana. A partir de 2020, diversas mudanças foram feitas nos parâmetros de seleção como a retirada da obrigatoriedade do inglês avançado e da experiência internacional, além da necessidade de formação em universidades de primeira linha.
“Nossa ideia era tirar tudo que afunilava os perfis e o que não permitia que tivesséssemos um processo diverso de verdade”, conta. A forma como as dinâmicas eram conduzidas também mudou. O olhar colaborativo e inovador era observado a partir de conversas sobre a vida e discussões filosóficas.
Rosé explica que desde então, o programa tem sido construído ao lado dos trainees. Além de treinar jovens profissionais que demonstram potencial de liderança, o programa também funciona como oportunidade de capacitação para executivos da própria companhia. Através de um programa de mentoria reversa, os trainees levam suas experiências a executivos e ajudam a provocar mudanças em pontos do sistema que eles observam como desconexos entre o que a companhia prega e o que eles experimentam durante sua jornada.
Com salário de R$ 8,5 mil, o programa de trainee da Reckitt, multinacional dona da Veja, Vanish e SBP, também sofreu mudanças e tem mostrado a nova cara do trainee após 10 anos sem iniciativas desse tipo na companhia. Além de criar um pipeline de liderança futuro, a seleção teve como objetivo fomentar a inclusão dentro da companhia como parte de uma estratégia global e estabelecer a empresa como uma marca empregadora.
“Quando falamos em programa de trainee, as pessoas pensam que é direcionado apenas para as pessoas que fizeram USP ou FGV, que falam cinco línguas e já fizeram intercâmbio, mas aqui o objetivo é que o programa seja completamente diferente”, diz Karina Wohnrath, Gerente de RH da Reckitt Hygiene Comercial.
Com os programas desempenhando um papel tão importante na transição da faculdade para a carreira, antes de tudo, é importante entender se esse tipo de oportunidade é a “certa” para você.
O primeiro passo, afirma Luciana Ferreira, é se questionar sobre o que você busca nesse tipo de experiência dentro da organização. Apesar do salário e da perspectiva de crescimento serem atraentes, entender se vale a pena ou não ser trainee demanda autoconhecimento e um olhar mais aprofundado sobre o que você deseja para sua carreira.
“Se o que você busca de experiência tem a ver com aprendizagem sistemática, sobre como funciona uma organização, seja numa área funcional como marketing, finanças ou mesmo gestão de pessoas, o programa trainee é uma ótima forma de pensar e de começar nessa trajetória de aprendizado”, explica Ferreira. A professora ainda destaca a oportunidade de ampliar a sua rede de contatos organizacionais. “Você ganha a oportunidade de ter contato com profissionais de diversos perfis e expertises, te aproximando com que pode ser seu mentor formal ou informal ao longo do desenvolvimento.”
Créfdito: Bruna Klingspiegel /O Estado de São Paulo – @ disponível na internet 18/07/2022