A pandemia mudou drasticamente as relações sociais, em especial na dinâmica do trabalho. Mas há um reflexo perverso e imediato.
O número de jovens que, diante da falta de renda dos pais, da dificuldade de acesso físico e da incapacidade de acesso remoto, se tornaram ‘nem-nem’ um contingente de pessoas entre 18 e 24 anos que não estuda nem trabalha.
Mas isso não significa que eles não se importam com o futuro. Uma pesquisa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) trouxe um dado alarmante: 35,9% dos jovens brasileiros estão fora das salas de aulas e da força de trabalho, o que coloca o País com o segundo maior porcentual do ranking.
Na prática isso diz muito, especialmente na economia. Primeiro porque a renda desse cidadão tende a ser muito menor. No desespero de arrumar emprego ele aceita subtrabalhos e são submetidos a salários inferiores ao mínimo. Em segundo, porque a baixa qualificação derruba a produtividade nacional.
Segundo o Ipea, cada jovem que adentra a vida adulta sem experiência profissional ou diploma de ensino superior pode perder, em média, R$ 20 mil em proventos ao ano.
Pelos dados do IBGE são 14 milhões de jovens nessa categoria, o que representa uma perda de PIB na casa dos R$ 280 bilhões a cada 12 meses. E quem são esses jovens? Em sua maioria, negros e de periferias.
A estimativa do Ipea é que cerca de 60% deles se incluam nesse recorte. Para Paloma Martins, doutora em pedagogia e representante brasileira no Conselho Educacional da ONU, o cenário não é o pior possível. “Significa que o poder público pode chegar nesse jovem. Não são pessoas que não querem estudar ou trabalhar, elas não conseguem.”
Na ONU Paloma defende uma frente de combate que envolva saúde pública e segurança. “Parte das jovens tem filhos e não consegue sair, ou tem problemas de segurança na comunidade.” Por isso o papel do poder público. “Não adianta abrir escolas e esperar que as pessoas apareçam.” Para ela, inclusive, nem se trata de falta de recurso público, o problema é gestão. “Uma cartilha escolar dos tempos da ditadura.
A evasão é certa”, disse. Paloma ainda defende que, cuidar das próximas gerações é importante, mas é preciso começar a pensar que o jovem que hoje é nem-nem será um adulto e um idoso com problemas sociais graves. “Na pandemia nós desenvolvemos uma geração com maior grau de analfabetismo funcional que as anteriores.”
NA CONTA DO RICO Sobre a questão do trabalho após o término do ensino médio, um mapeamento inédito feito pelos pesquisadores Guilherme Lichand e Maria Eduarda Perpétuo, da Universidade de Zurique (Suíça), e Priscila Soares, da Universidade de São Paulo, trazem números alarmantes.
Eles calcularam quanto de riqueza retorna para um aluno quando ele acessa maiores graus de educação. E a resposta é o abismo social. A elite capturou até 65% dos ganhos que os trabalhadores tiveram com o aumento na escolarização para o nível fundamental, 60% para o médio e 30% para o superior, nos últimos 40 anos.
“Se duas pessoas conseguem um diploma de ensino médio, ambas vão ter recompensas pelo investimento de tempo e dedicação, mas essa diferença é 50% maior se uma delas for da elite”, disse Lichand. Nos 40 anos analisados pelos pesquisadores, apesar do avanço do rendimento de todos, os 10% mais ricos ainda ganham até 50% mais que a metade mais pobre, ainda que eles tenham o mesmo grau de instrução. Um problema que hoje atinge outra categoria de ‘nem-nem’. Os que não têm nem pais nem cônjuges ricos.