O declínio da inteligência

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Há diversos tipos de inteligência @reprodução de A Hora da Ciência de O Globo

A inteligência fluida é típica da vivacidade dos jovens, e a inteligência cristalizada faz uso da experiência dos mais velhos

Desde que o psicólogo francês Alfred Binet, há mais de cem anos, inventou um índice para medir a inteligência —o QI, quociente de inteligência — os neurocientistas cognitivos não param de se indagar qual a base cerebral dessa notável capacidade humana. Depois de um século de discussões acirradas, outro psicólogo, o americano Howard Gardner, propôs subtipos de inteligência: musical, corporal, linguística, lógico-matemática, e por aí vai. Ao mesmo tempo, uma alternativa de “terceira via” foi proposta pelo inglês Raymond Cattell: apenas duas modalidades de inteligência seriam suficientes para explicar o que somos capazes de fazer com a cuca. Um tipo de inteligência nos capacita a lidar criativamente com o novo, ligando os pontos que o ambiente nos oferece a todo momento. É a inteligência fluida. Outro tipo faz uso do imenso acervo de dados que o nosso cérebro acumula para tirar conclusões. É a inteligência cristalizada.

Noves fora as polêmicas relacionadas a extrapolações preconceituosas, o fato é que o QI sobreviveu como métrica para avaliar as capacidades cognitivas das pessoas. O QI das inteligências de Gardner parece dar conta da diversidade de competências naturais e educacionais que os seres humanos desenvolvem. E o QI de Cattell considera as diferenças etárias: a inteligência fluida é típica da vivacidade dos jovens, e a inteligência cristalizada faz uso da experiência dos mais velhos. A diferença pressupõe que os jovens ainda não acumularam vivências para desenvolver sua inteligência cristalizada, e que os velhos perderam pontos na sua inteligência fluida. Será verdade?

Os cientistas parecem confirmar essa conclusão, e não param de produzir trabalhos que nos fornecem detalhes das redes cerebrais envolvidas com cada uma dessas várias inteligências. O último artigo que li a respeito foi publicado há dois meses, e avalia o declínio da inteligência fluida com a idade, além de alguns fatores ambientais que podem modificar esse percurso. Um grupo de pesquisadores ingleses recrutou um numeroso grupo de voluntários entre 20 e 90 anos, e aplicou testes desenvolvidos por Cattell para avaliar quantitativamente o QI do tipo fluido. Assim: se você visualizar 4 desenhos abstratos lado a lado, sendo 3 parecidos e um diferente, será capaz de identificar o diferente. Mas… depende da diferença.
 
Nada a ver diretamente com a sua cultura ou nível educacional. O teste pode ser ultra fácil (3 retângulos inclinados e um círculo, por exemplo), ou gradativamente mais difícil (os 3 retângulos iguais e um outro ligeiramente menor). Naturalmente, os testes são cuidadosamente validados, e o tempo que o voluntário leva para encontrar a solução é medido. Foi isso que fizeram os autores, só que aplicaram os testes com os voluntários dentro da máquina de ressonância magnética.
 

Os resultados foram cruéis. Entre os 20 e os 90 anos, houve uma perda de 7 pontos de QI por década. Além disso, a ativação da rede cerebral que processa esse tipo de raciocínio característico da inteligência fluida declina em paralelo com a perda de QI. A rede cerebral avaliada chama-se, bem a propósito, rede de múltiplas demandas, e inclui regiões situadas na frente e ao lado do cérebro, em torno dos olhos. O mais interessante e animador, no entanto, foi a constatação que os pesquisadores fizeram (e mediram) de que a atividade física impacta positivamente esse fenômeno: o declínio do QI e da atividade cerebral correspondente é menor. E mais: a variedade das atividades físicas é que faz a diferença, não tanto a sua frequência ou intensidade.

Não parece haver mais dúvida, portanto, de que a inteligência fluida declina com a idade, e que o fenômeno é acompanhado pela redução da atividade das regiões cerebrais envolvidas. E a nova sugestão que aparece em cena para mitigar esse declínio é realizar atividades físicas variadas: correr, nadar, dançar, caminhar. Tudo junto e misturado…

Crédito: Roberto Lent / A Hora da Ciência de O Globo – @ disponível na internet 24/03/2023

3 Comentários

  1. No que pese minha modesta opinião, achei interessante e útil a referida publicação haja vista eu ter interesse no assunto em tela e compreender, ou pelo menos tentar entender a influência ou a interferência da atual tecnologia disponível, sobretudo com o advento da Internet, na capacidade cognitiva dos Humanos que podemos perceber entre gerações anteriores e atual. Me corrija se eu estiver errado. Obrigado

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