Pela lei atual, apenas pessoa física pode ser considerada criadora de obras intelectuais, artísticas e científicas
A autoria de textos produzidos pelo ChatGPT foi uma das questões que norteou debate na Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados, nesta terça-feira (11), sobre os impactos da inteligência artificial (IA) na propriedade intelectual. O debate foi pedido pelo deputado Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), que questiona, por exemplo, quem é o autor de um poema feito por um sistema de inteligência artificial.
Desenvolvido pela empresa americana OpenIA, o ChatGPT é capaz de responder perguntas de forma elaborada, produzir conteúdos, escrever sistemas em linguagens de programação, gerar relatórios e resolver questões matemáticas. Os resultados são obtidos a partir do processamento do imenso volume de dados disponíveis na internet.
Na audiência, advogados e professores especialistas em inteligência artificial explicaram que, de acordo com a legislação brasileira, são obras intelectuais protegidas as criações de espírito, expressas por qualquer meio e fixadas em qualquer suporte conhecido ou que se torne conhecido no futuro. Pela legislação de direitos autorais, é considerado autor a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica.
O advogado Raul Murad, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), ressaltou que hoje não é possível proteger com direitos autorais os produtos gerados pelo sistema de inteligência artificial, já que o criador deve ser pessoa física. Hoje esses produtos estão em domínio público.
Autor da obra
A advogada Yuri Nabeshima, do escritório VBD advogados, também destacou que, pelas definições legais, o ChatGPT não pode ser considerado autor de qualquer obra e nem o usuário da plataforma pode ser considerado autor. Na avaliação da advogada, uma nova legislação precisa ser criada para tratar do tema.
“Hoje não há um arcabouço regulatório referente à propriedade intelectual que estabeleça claramente diretrizes e normas sobre direitos autorais decorrentes de obras produzidas por ato autônomo de inteligência artificial. Deste modo, defendemos a criação de uma previsão específica desta nova realidade, que não encontra respaldo na atual legislação”, disse.
Projeto em tramitação
Hoje tramita na Câmara o Projeto de Lei 1473/23, do deputado Aureo Ribeiro, que obriga empresas que operam sistemas de inteligência artificial a disponibilizar ferramentas para que autores de conteúdo na internet possam restringir o uso de seus materiais pelos algoritmos de inteligência artificial, com o objetivo de preservar os direitos autorais.
Na avaliação da advogada Yuri Nabeshima, há dúvidas sobre a viabilidade técnica de implementar essa ferramenta, já que a IA pode ter acesso à obra intelectual por meio de outras fontes, como internet e base de dados. Segundo ela, é difícil rastrear a real origem de um determinado conteúdo quando uma quantidade grande de informação é utilizada.
A professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Dora Kaufman, pós-doutora em Impactos sociais da Inteligência Artificial, tem avaliação semelhante e lembra que o ChatGPT não indica fontes: “Remunerar os artistas cujas obras foram base da produção e criação dessas soluções de inteligência artificial não é possível. Ela esbarra frontalmente com essa característica da própria funcionalidade do ChatGPT e outras soluções congêneres.”
Cenário internacional
Dora Kaufman avalia que a discussão no Brasil não deve ser apressada, já que é tudo muito novo. De acordo com a professora, não existe ainda no mundo ainda uma lei regulamentando a inteligência artificial, dado à dificuldade em torno do assunto. Ela informou que a Comissão Europeia começou a discutir a regulação em 2018, e ainda não formulou um projeto de lei em torno do tema.
Já nos Estados Unidos, em 15 de março deste ano o Escritório de Direitos Autorais emitiu nova orientação sobre o assunto, afirmando que a proteção da propriedade intelectual depende se as contribuições são resultado de reprodução mecânica ou se refletem a própria contribuição mental do autor. Pela orientação, a proteção dos direitos autorais depende ainda de como o sistema opera, de como foi usado para criar o trabalho final e da quantidade de criatividade humana envolvida, e se os usuários do ChatGPT não exercem o controle criativo final sobre os materiais gerados pelo sistema. Conforme ela, há um grau de subjetividade muito grande nessa avaliação.
Remuneração de autores
Na audiência, o representante da Motion Picture Association (MPA) Brasil – entidade que representa a Disney, Paramount, Universal e Netflix -, Ygor Valério, defendeu a remuneração dos criadores intelectuais cujas obras são usadas para instruir inteligências artificiais.
Ele destacou a importância da Lei de Direitos Autorais para a segurança jurídica dos investimentos do setor e defendeu que valha “o princípio de que a utilização da obra sem a autorização do titular de direitos é violação de direitos autorais”.
Já o presidente da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual (ABPI), Peter Siemsen, defendeu que seja estudada a possibilidade de sistemas de inteligências artificiais serem considerados autores de obras, e não apenas pessoas físicas. “De repente, a autoria é do sistema, e titularidade é de quem alimentou o sistema para que ele produzisse o conteúdo. Aí poderia ser a pessoa física ou a pessoa jurídica à qual pessoa física tivesse vínculo de trabalho para produzir esse tipo de inovação tecnológica”, sugeriu.
Ele elogiou o texto apresentado no Senado Federal pela comissão de juristas encarregada de elaborar uma proposta de regulação da inteligência artificial no Brasil. Após 240 dias de trabalho, a comissão apresentou e aprovou uma proposta em dezembro do ano passado.
O deputado Mario Frias (PL-SP), por sua vez, avalia que as manifestações do espírito humano devem prevalecer sobre as criadas por inteligência artificial, já que as pessoas sobrevivem das suas obras e muitos artistas vivem dos direitos autorais.
Projeto aprovado
Em dezembro de 2021, já foi aprovado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 21/20, de autoria do deputado Eduardo Bismarck (PDT-CE), que estabelece fundamentos e princípios para o desenvolvimento e a aplicação da inteligência artificial no Brasil, listando diretrizes para o fomento e a atuação do poder público no tema. A matéria está em análise no Senado e prevê que caberá privativamente à União legislar e editar normas sobre a matéria.
Agência Câmara de Notícias 12/04/2023