Auditores do Tribunal de Contas da União (TCU) consideraram irregular o pagamento de um novo penduricalho de adicional por tempo de serviço (ATS) pela Justiça Federal e propuseram a suspensão do benefício. Os técnicos do TCU também sugeriram à Corte que seja cobrada a devolução dos valores distribuídos até o momento a juízes e desembargadores federais, sob o risco de “dano irreversível ao erário”. A criação da regalia e seu respectivo custo aos cofres públicos foram revelados pelo Estadão.
Como mostrou o jornal, o chamado ATS havia sido extinto por lei há 17 anos, mas voltou a ser pago no início de 2023 após decisão Conselho da Justiça Federal (CJF), que acabou chancelada pelo corregedor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Luis Felipe Salomão. O penduricalho permite aos magistrados mais antigos do Poder Judiciário receber até R$ 2 milhões cada, referentes ao pagamento retroativo do benefício extinto em 2006.
A área técnica do TCU produziu dois pareceres sobre o pagamento do ATS após o deputado federal Kim Kataguiri (União Brasil-SP) apresentar representação cobrando o fim imediato da regalia. No primeiro documento produzido no último dia 21 de março, o auditor de Governança e Inovação da Corte de Contas, Adauto Felix da Hora, argumenta que a reintrodução do penduricalho pelo CJF “não têm previsão legal”, portanto deve ser suspenso e os valores pagos até o momento devolvidos à administração dos tribunais.
No documento, o auditor afirma que a autorização do CJF para pagamento do penduricalho viola resolução do CNJ e jurisprudências do Supremo Tribunal Federal (STF) e do TCU. Felix da Hora aponta no parecer que já teriam sido pagos R$ 157 milhões e há um saldo ainda a ser creditado na conta de magistrados de R$ 715 milhões, que totalizam R$ 872 milhões, podendo chegar ao custo de R$ 1 bilhão, conforme revelou o Estadão.
O despacho do auditor na fase de instrução do processo foi encaminhado à chefia da área de Governança e Inovação, que sugeriu a suspensão cautelar do pagamento do benefício, assim como a instauração de um novo processo para apurar as “consequências e responsabilidades inerentes ao processo decisório que culminou na utilização de recursos públicos para pagamento de ATS sem fundamentação em parâmetros constitucionais, legais e jurisprudenciais”.
“Ante a fragilidade jurídica em que se fincou, a recorrência mensal dos pagamentos, o impacto nas finanças públicas e o risco de o dano se mostrar irreversível ao erário, entende-se que estes autos exigem tratamento tempestivo, oportuno e mais assertivo deste tribunal”, diz o parecer assinado pelo auditor-chefe Wesley Vaz e pelo auditor adjunto do TCU Angerico Alves Barroso Filho.
Os chefes da área de Governança e Inovação do TCU deram prazo de 15 dias para que o CJF apresente seus argumentos para a recriação do penduricalho, assim como “eventuais soluções alternativas” ao custo causado pela medida. No documento, os auditores ainda determinaram prazo de dois meses para que o Conselho devolva todas as verbas distribuídas a juízes e desembargadores federais por meio do ATS.
“O pagamento do ATS aos magistrados federais, autorizado em decisão administrativa por parte da maioria dos conselheiros do CJF, suplantou regras constitucionais e legais, interpretações jurídicas do STF e do TCU, e colocou sob risco a destinação de vultosos recursos públicos”, argumentaram os auditores do TCU.
“Por sua vez, os prejuízos aos cofres da União são significativos e vultosos, além de uma eventual decisão de reposição ao erário ser medida de difícil implementação, em razão de obstáculos administrativos e jurídicos a decisões dessa espécie”, prosseguiram os técnicos da Corte de Contas.
O corregedor Luiz Felipe Salomão, por sua vez, argumenta que, apesar de ter recebido reclamação formal da presidente do CJF sobre os riscos da medida, nada poderia fazer pois o órgão tem autonomia. Segundo a Corregedoria do CNJ, a chancela dada ao pagamento do pendericalho, na verdade, “apenas reconheceu a competência constitucional do CJF para tratar a matéria” e “não autorizou nem avaliou valores”.
Judiciário autoriza pagamento de penduricalho de R$ 1 bilhão a juízes federais
Juízes federais vão receber um penduricalho salarial que pode custar até R$ 1 bilhão aos cofres públicos. A cifra foi estimada por técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU) e equivale ao pagamento retroativo do chamado adicional por tempo de serviço (ATS). Extinta havia 17 anos, a regalia voltará a ser paga e, por decisão monocrática do corregedor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Luis Felipe Salomão, de forma retroativa. Assim, magistrados mais antigos irão receber até R$ 2 milhões cada, referentes ao alegado pagamento atrasado.
A decisão beneficia todos os magistrados federais que ingressaram na carreira até 2006. A cada cinco anos de trabalho, eles tiveram o salário turbinado em 5%. Um juiz que ingressou na magistratura na década de 1990, por exemplo, teve o contracheque inflado em 30%. Ou seja, passou a ter direito a receber a mais cerca de R$ 10 mil todo mês por causa do benefício. Hoje, um juiz federal tem salário-base de R$ 33,6 mil, sem considerar os penduricalhos.
Além disso, em razão da decisão da Corregedoria Nacional do CNJ, o pagamento será equivalente a todo o período entre 2006 e 2022 em que o adicional ficou suspenso. O TCU acaba de calcular o montante bilionário para cobrir os retroativos.
O benefício é alvo de processo na Corte de contas, que apura se a liberação do pagamento retroativo fere os princípios da moralidade e da legalidade ao criar um mecanismo que pode levar a enriquecimento na magistratura. O bônus deve beneficiar parte dos 2 mil magistrados federais em atuação no País – juízes de primeira instância e desembargadores dos Tribunais Regionais Federais (TRFs). Em São Paulo, pelo menos 200 juízes iniciaram a carreira antes de 2006. No Distrito Federal, outros 200 estão na mesma condição.
Legalidade
O procurador Lucas Furtado, do Ministério Público junto ao TCU, que investiga a concessão desse extra aos juízes, afirmou que o objetivo do processo é avaliar se o benefício fere a legalidade ao distribuir cifras milionárias a magistrados do País. “No serviço público, uma pessoa pode trabalhar a vida inteira e nunca chegar a receber R$ 1 milhão, por exemplo. O objetivo, portanto, é verificar se o pagamento atende aos princípios da razoabilidade e da legalidade”, disse Furtado.
Conforme revelou o Estadão, o Conselho da Justiça Federal (CJF) aprovou a volta do ATS no final de 2022. É esse penduricalho, também conhecido como quinquênio, que prevê o aumento automático e acumulativo de 5% nos vencimentos a cada cinco anos.
Quando restituiu a medida, o CJF não soube estimar o impacto financeiro da decisão no orçamento. Agora, estimativas feitas pelo TCU apontam que a Justiça Federal já gastou cerca de R$ 130 milhões com os pagamentos retroativos e reconheceu outros R$ 750 milhões de benefícios atrasados que serão pagos mediante disponibilidade orçamentária.
Voto vencido
A presidente do CJF, ministra Maria Thereza de Assis Moura, que também preside o Superior Tribunal de Justiça(STJ), foi contra a recriação do adicional na época, mas acabou vencida pela maioria do colegiado. A magistrada, então, recorreu à Corregedoria Nacional de Justiça, pertencente à estrutura do CNJ, para que o órgão dissesse se havia ou não impedimento formal para o início do pagamento aos juízes.
O corregedor Luis Felipe Salomão não barrou a medida e, em despacho monocrático, liberou o pagamento retroativo. Ele alegou que só poderia ir contra o pagamento se houvesse uma ilegalidade no benefício. “Havendo manifestação oriunda do Conselho da Justiça Federal, no exercício de suas competências constitucionais, não é atribuição da Corregedoria Nacional exercer controle de legitimidade sobre suas decisões, ressalvada a hipótese de flagrante ilegalidade”, escreveu Salomão.
Após a publicação da reportagem, a Corregedoria do CNJ enviou nota ao jornal alegando que o pagamento do ATS não foi autorizado por ela, mas por decisão do Conselho da Justiça Federal em novembro de 2022. “O pagamento do benefício em questão foi restabelecido pelo Conselho da Justiça Federal, em decisão de novembro de 2022. O CJF é um órgão autônomo do Poder Judiciário e tem função de supervisão administrativa e orçamentária, com poderes correcionais, da Justiça Federal. A decisão da Corregedoria Nacional apenas reconheceu a competência constitucional do CJF para tratar a matéria, não autorizou nem avaliou valores”, diz a nota da Corregedoria.
Também após a publicação da reportagem, a Associação dos Juízes Federais (Ajufe) encaminhou nota ao Estadãona qual argumenta que a adoção do adcional por tempo de serviço “respeitou todo o regramento legal e constitucional da matéria, reconhecendo, inclusive, o direito adquirido à verba debatida com base em precedente do Supremo Tribunal Federal”. Assim como a Corregedoria do CNJ, a associação argumenta que a medida tomada pelo ministro Salomão “apenas reconheceu a competência constitucional do CJF” para decidir sobre o tema.
“Assim, reitera-se que a decisão do Conselho da Justiça Federal (CJF) respeitou todos os requisitos orçamentários, legais e constitucionais, não havendo qualquer dúvida da sua adequação ao ordenamento jurídico nacional”, afirma a Ajufe na nota.
Cascata
A decisão individual de Salomão gerou efeito cascata em tribunais de todo o País, inclusive estaduais, que desde o ano passado deflagraram movimentos para reinserir o ATS em suas folhas de pagamento. A volta do benefício segue roteiro semelhante em vários Estados brasileiros.
As associações apresentam requerimentos de implementação do adicional e a direção dos TJs locais acata os pedidos que privilegiam a própria categoria. Foi assim, por exemplo, no Tribunal de Justiça do Maranhão (TJ-MA), onde o presidente Paulo Sérgio Velten Pereira atendeu à demanda apresentada pela Associação de Magistrados do Maranhão (AMMA), sob o argumento de “reconhecer o direito adquirido à incorporação do ATS no subsídio” dos juízes.
No despacho, Pereira cita que a Coordenadoria de Pagamentos da Corte apresentou estimativa inicial de R$ 90 milhões para cobrir o retroativo referente ao período até 2022. O desembargador explica na decisão que a liberação dos recursos está fora da programação normal do orçamento de 2023 e só deve ocorrer por meio de suplementação ou sobras orçamentárias. O tribunal possui atualmente R$ 6 milhões em sobras, que, segundo Pereira, podem “ser utilizados para amortizar parte do passivo” com os magistrados.
O mesmo trâmite ocorreu no Tribunal de Justiça do Pará (TJ-PA), que, por unanimidade, aceitou o requerimento da Associação de Magistrados do Estado (Amepa) mediante a “existência de disponibilidade orçamentária e financeira em estrita observância às normas que regem a inafastável responsabilidade fiscal”.
‘Conquista’
Na capital do País, a Associação dos Magistrados do Distrito Federal e dos Territórios (Amagis) também apresentou pedidos para que os juízes recebessem as verbas retroativas.
Após a conquista, a entidade de classe emitiu um comunicado aos seus associados “a par de agradecer a lucidez, celeridade e disponibilidade da presidência do TJDFT (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios) e do Trabalho Pleno no encaminhamento de mais essa importante demanda associativa”.
No texto, a Amagis ainda afirma “que seguirá no acompanhamento diário do assunto, na busca pela implantação em folha de pagamento da parcela mensal, bem assim da quitação dos valores pretéritos”.
Segundo apurou o Estadão, a concessão do retroativo se espalhou por pelo menos outros quatro Tribunais de Justiça nos Estados de Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Roraima. A retomada do penduricalho também está em discussão no TJ de Santa Catarina.
Vaivém do adicional por tempo de serviço
Volta do pagamento é aprovada pelo CJF
O Conselho da Justiça Federal (CJF) aprovou a volta do adicional por tempo de serviço no final do ano passado, 17 anos depois de sua extinção. À época, o órgão afirmou não ter a estimativa dos custos do penduricalho.
Quinquênio
Também conhecido como quinquênio, esse bônus estabelece o aumento de 5% nos vencimentos de magistrados a cada cinco anos.
Voto vencido
A presidente do CJF, ministra Maria Thereza de Assis Moura, que também comanda o Superior Tribunal de Justiça (STJ), foi contra a medida, mas foi vencida pelo colegiado e recorreu à Corregedoria Nacional de Justiça, órgão pertencente ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Retroativo
Ao seguir os moldes da antiga regra, a regalia será paga de forma retroativa e magistrados mais antigos da Justiça Federal irão receber até R$ 2 milhões cada.
Corregedoria
O corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, não barrou o penduricalho e, em despacho monocrático, liberou o pagamento retroativo do benefício.
Processo
O pagamento retroativo é alvo de processo no Tribunal de Contas da União (TCU), que apura se o penduricalho fere os princípios da moralidade e legalidade. De acordo com estimativa dos técnicos da Corte de contas, o impacto dos atrasados pode chegar a R$ 1 bilhão.
Crédito: Weslley Galzo / O Estado de São Paulo – @ disponível na internet 18/04/2023