Essa jornada implica a transformação de modelos econômicos e afeta, principalmente, as pessoas, desde a mudança de hábitos até o seu emprego e salário
O mundo todo está discutindo o processo de transição energética com o foco principal na descarbonização das matrizes energéticas. Essa foi uma das pautas relevantes da COP-27, o evento mais importante já realizado sobre o tema das mudanças climáticas, em novembro de 2022, no Egito. O termo Net Zero (neutralidade de carbono) foi aprovado por mais de 100 países na COP 26, em Glasgow, e é cada vez mais usado para descrever um compromisso amplo e abrangente com a descarbonização e a ação climática. O relatório Transição Net Zero, elaborado pela consultoria americana McKinsey em 2022, aponta que o custo global para realizar a transição para uma matriz energética limpa até 2050 é de US$ 275 trilhões ou US$ 9,2 trilhões anuais.
Antes de mais nada, é preciso colocar todos na mesma página, trazendo os conceitos, mostrando os objetivos e os impactos para a sociedade. Transição é uma jornada que tem o tempo como referencial. É um processo de adaptação que impacta a vida das pessoas. A transição energética envolve uma transformação de modelos de produção e consumo da energia. É uma mudança que trata da redução das emissões de gases de efeito estufa, que envolve o manejo do carbono, buscando a emissão zero.
Essa jornada implica a transformação de modelos econômicos e afeta, principalmente, as pessoas, desde a mudança de hábitos até o seu emprego e salário. Portanto, a transição energética precisa ter foco nas pessoas e não somente nos processos. Um conceito defendido por instituições financeiras públicas e movimentos ambientais de descarbonizar as atividades econômicas dá a entender que é preciso acabar com os combustíveis fósseis, o que acaba virando um preconceito contra essas fontes.
Os combustíveis fósseis não geram apenas energia, mas milhares de produtos utilizados na agricultura, na indústria química, alimentícia, farmacêutica etc. Pesquisas estão sendo desenvolvidas para a utilização das cinzas do carvão na produção de fertilizantes. No Japão, a gaseificação do carvão australiano é usada na produção de hidrogênio azul, um dos combustíveis do futuro. Existem muitos equipamentos como colheitadeiras, caminhões, máquinas de processamento que utilizam combustíveis fósseis e cuja substituição abrupta pode esbarrar em custos elevados e no aumento do custo de vida.
Ora, não se acaba com as notícias ruins matando o mensageiro. Como o objetivo é diminuir as emissões de gases de efeito estufa, então devemos desenvolver tecnologia para reduzir as emissões dos combustíveis fósseis. Assim, o conceito correto para a palavra descarbonizar é reduzir as emissões das fontes fósseis sem acabar com elas.
Outro conceito frequente é sobre a descarbonização ser feita exclusivamente com o uso de fontes renováveis. A geração por fontes renováveis eólica e solar não emite gases de efeito estufa, mas entre a fabricação desses equipamentos até seu descarte também ocorrem emissões. Por exemplo, para a produção de um megawatt de geração eólica, é necessário cerca de 10 vezes mais aço que um megawatt de uma usina a carvão. Esse processo deve considerar ainda, junto com o incremento das fontes de geração renováveis, o uso dos fósseis com captura de carbono e a energia nuclear que não emite CO2.
Em resumo, a transição justa representa a mudança de modelo econômico de um mundo de alto carbono para um mundo de baixo carbono, reduzindo as emissões de gases de efeito estufa sem destruir valor econômico e social. Recente relatório da IEA (Agência Internacional de Energia) demonstra que será impossível eliminar totalmente as fontes geradoras térmicas. Essas fontes são importantes para manter a estabilidade do sistema elétrico e energético mundial, reforçando o raciocínio de que o foco deve ser a redução de suas emissões. Existe uma forte recomendação de vários organismos e instituições internacionais para que os programas de descarbonização sejam feitos sobre a matriz elétrica. Isso é válido e necessário para a América do Norte, Europa e Ásia.
O Brasil tem uma base de geração de energia elétrica sustentável e diversificada com espaço para todas as fontes. É o que nos dá uma grande vantagem competitiva, econômica e ambiental em relação a outros países, garantindo nossa segurança energética. Cerca de 80% de nossa matriz de geração elétrica é feita por fontes renováveis. Entender os conceitos que tratam da descarbonização é fundamental para saber o que devemos fazer.
Infelizmente, a falta dessa compreensão pode acabar por fazer com que todos paguem o preço dessa mistura de conceitos ou preconceitos.
Crédito: Enio Fonseca e Fernando Luiz Zancanengen / Correio Braziliense – @ disponível na internet 28/06/2023