Incêndios em baterias de bicicletas elétricas se multiplicam

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@Amir Hanja/The New York Times

Incêndios em baterias de bicicletas elétricas se multiplicam em Nova York

Episódios, muitas vezes com mortos, abrem discussão sobre baixa regulamentação de veículos com dispositivos de lítio

A namorada de Alfonso Villa Muñoz tinha dito para ele não comprar o patinete elétrico, mas ele ficou curioso. Trabalhava numa adega no Brooklyn em agosto quando um entregador disse que conhecia alguém que vendia um por US$ 700 (R$ 3.351). Muñoz disse que sim.

A scooter era vermelho-cereja, com o número 7 na frente. Sob o assento havia uma bateria de íons de lítio extra grande. Quando precisava ser carregada, Muñoz a removia e carregava até o apartamento do casal no terceiro andar em College Point, Queens.

Um mês depois, a bateria explodiu na sala, desencadeando chamas que tomaram conta do apartamento. Muñoz gritou por sua filha Stephanie, 8, que dormia. Ele não conseguiu atravessar a parede de fumaça preta para chegar até ela. Stephanie morreu por inalação de fumaça.

“É como se você trouxesse morte e destruição para sua casa, e não apenas para você, mas para todos ao seu redor”, disse Muñoz, 36, tirando os óculos para enxugar as lágrimas. “Você pode perder tudo.”

Bicicletas scooters elétricas inundaram as ruas da cidade de Nova York adotadas por entregadores e passageiros como uma nova maneira econômica e eficiente de se locomover. Apesar de os dispositivos terem se tornado quase onipresentes, suas baterias transformaram Nova York no epicentro de um novo tipo de incêndio feroz e rápido.

Esses incêndios são perigosos, alerta Laura Kavanagh, comissária de bombeiros da cidade. Com pouco ou nenhum aviso, as baterias podem pegar fogo, deixando segundos para as pessoas escaparem. Em apenas três anos, os incêndios com baterias de lítio igualaram os elétricos e superaram os iniciados por cozinhar e fumar como principais causas de incêndios fatais na cidade.

As razões para o aumento desses acidentes são inúmeras. Incluem falta de regulamentação e testes de segurança para dispositivos de propriedade individual, práticas perigosas de carregamento (como o uso de equipamentos incompatíveis ou sobrecarga) e falta de áreas de carregamento seguras numa cidade densamente povoada, com inúmeros prédios residenciais, onde começa a maioria dos incêndios.

Para os que dependem de bicicletas elétricas e outros dispositivos movidos a bateria para fazer entregas ou ganhar a vida, os incêndios forçaram uma escolha entre estabilidade financeira e segurança pessoal.

Em todos os EUA, mais de 200 casos de incêndio ou superaquecimento de micromobilidade foram relatados em 39 estados, resultando em pelo menos 19 mortes, segundo a Comissão de Segurança de Produtos de Consumo. Mas a organização enfatizou que o problema é especialmente grave em áreas densamente povoadas como Nova York. Em Londres, incêndios em baterias de lítio são o risco de incêndio que mais cresce, com 57 casos em bicicletas elétricas e 13 em patinetes elétricos este ano, de acordo com o Corpo de Bombeiros local.

Em Nova York, incêndios em baterias de lítio mataram 13 pessoas este ano —quatro num episódio que começou numa loja de bicicletas em Chinatown. No total, 23 pessoas morreram em incêndios de baterias desde 2021. Neste ano, foram 108 incêndios, ante 98 no mesmo período do ano passado.

ESSES DISPOSITIVOS ESTÃO AQUI AGORA, E SÃO MUITOS   

Durante a pandemia de Covid, quando o transporte público foi reduzido e a demanda por entrega de alimentos disparou, houve uma oferta imediata de bicicletas elétricas e patinetes eletrônicos baratos de qualidade questionável em toda a cidade. Aqueles em busca de bons negócios atacaram.

Com muitos vivendo em locais apertados, eles carregavam suas baterias nos próprios apartamentos.

Mas quando uma bateria de lítio superaquece ou apresenta mau funcionamento, a velocidade e o impacto dos incêndios as tornam particularmente perigosas, sobretudo quando muitas pessoas moram em locais pequenos.

Isso levou cada vez mais senhorios a proibir bicicletas elétricas e outros dispositivos de mobilidade elétrica, enquanto os políticos de Nova York trabalham para evitar os incêndios em várias frentes.

Em setembro, a cidade se tornará a primeira do país a proibir a venda de bicicletas elétricas e outros dispositivos de mobilidade elétrica que não atendam aos padrões de segurança aprovados.

Autoridades e bombeiros também pressionaram por maior supervisão estadual e federal dos dispositivos, fecharam estações ilegais de carregamento de baterias, trabalharam com aplicativos de entrega de comida para educar os trabalhadores e mostraram mensagens de serviço público com baterias explodindo.

“Tenho preocupações muito sérias em curto prazo”, diz Kavanagh. “Esses dispositivos estão aqui agora, e há muitos deles.”

UM ‘MINI-INFERNO’ NO CITI BIKE PRENUNCIA UMA CRISE   

Em março de 2019, o Citi Bike, popular programa de compartilhamento de bicicletas, estava carregando suas bicicletas elétricas com pedal em seu depósito no Brooklyn quando houve um incêndio.

Começou com um estrondo alto. Então vieram chamas com faíscas cromadas voando e uma onda de calor. “Em um instante, as baterias começaram a explodir em chamas uma a uma, como em efeito dominó, indo da direita para a esquerda”, relatou uma testemunha no relatório dos bombeiros. “Em dez segundos, toda a linha superior se tornou um mini-inferno.”

Embora os incêndios em bicicletas elétricas estivessem se tornando um problema, os bombeiros já estavam cientes dos perigos das baterias de lítio há anos. Inicialmente, eles se concentraram nas baterias altamente reguladas em sistemas de armazenamento de energia, que estocam eletricidade de emergência para edifícios.

Após o caso Citi Bike, a segurança da bateria tornou-se prioridade para o programa de compartilhamento de bicicletas. Ele utiliza apenas baterias certificadas de acordo com as normas de segurança e com sensores integrados que as monitoram em tempo real, bem como um interruptor de desligamento. No armazém, cada bateria é inspecionada e carregada em um rack com divisórias de concreto à prova de fogo. Não houve um grande incêndio de bateria no Citi Bike desde que esses protocolos foram adotados.

Bombeiros também revisaram o código de incêndio da cidade, que agora exige que os edifícios forneçam medidas de segurança, como uma sala de carregamento dedicada com sprinkler quando mais de cinco estiverem carregando.

Mas o código de incêndio não cobre o uso individual de bicicletas elétricas, e os inspetores de incêndios não entram em residências particulares para verificar violações de segurança sem um mandado.

ESTAMOS TENTANDO ESPREMER MUITA ENERGIA DESSAS BATERIAS   

As baterias de lítio, usadas comercialmente desde 1991, têm histórico de provocar incêndios em notebooks Dell, smartphones Samsung e hoverboards, levando a grandes recalls.

Depois de anos de pesquisa para eliminar o perigo, porém, as baterias de lítio geralmente se tornaram mais seguras, diz Adam Barowy, engenheiro de proteção contra incêndios especializado em baterias de lítio para o Instituto de Pesquisa de Segurança contra Incêndios, nos Institutos de Pesquisa UL.

Dentro de uma bateria de lítio, várias pequenas células são agrupadas. Quando a bateria é usada, os íons de lítio se movem entre os eletrodos dentro de cada célula, gerando uma corrente elétrica.

O perigo ocorre quando uma célula entra em “descontrole térmico”, uma reação em cadeia na qual o calor se desenvolve com extrema rapidez, criando uma ameaça de incêndio e, às vezes, explosão. Uma célula pode entrar em descontrole térmico por sobrecarga, defeito de fabricação ou mesmo pelo calor de uma célula adjacente na bateria.

Mas há pressão do mercado sobre os fabricantes para adicionar mais energia às baterias, o que pode ultrapassar os limites de segurança. As baterias das bicicletas elétricas contêm muito mais energia do que as dos celulares e, assim, são mais destrutivas em caso de incêndio.

“O problema é que estamos tentando espremer muita energia dessas baterias, e isso as torna mais perigosas”, diz Nikhil Gupta, professor de engenharia mecânica e aeroespacial da Escola de Engenharia Tandon da Universidade de Nova York.

REGULAMENTAÇÃO SIGNIFICA TESTES CAROS, MAS DISPOSITIVOS MAIS SEGUROS 

Baterias mais potentes são apenas parte do motivo pelo qual tantos veículos elétricos estão pegando fogo. Os carros elétricos e os sistemas de armazenamento de energia, que estão sendo cada vez mais adotados para combater as mudanças climáticas, exigem muito mais energia e, no entanto, provocam menos incêndios.

A diferença, de acordo com especialistas em baterias e segurança contra incêndios, é que essas indústrias são rigorosamente regulamentadas e precisam passar por várias etapas de testes para provar que seus produtos são seguros. Até recentemente, bicicletas elétricas não recebiam um escrutínio semelhante.

A Comissão de Segurança de Produtos de Consumo aumentou a supervisão de dispositivos de mobilidade elétrica, instando as empresas a “cumprir os padrões de segurança voluntários estabelecidos ou enfrentar possíveis ações de fiscalização”.

E os legisladores de Nova York propuseram um padrão de segurança federal para baterias de lítio usadas nesses dispositivos.

Ash Lovell, diretora de política e campanha de bicicletas elétricas da PeopleForBikes, a associação nacional de fabricantes de bicicletas, que pediu mais regulamentos de segurança, disse que as baterias de baixa qualidade não refletem a indústria de bicicletas elétricas como um todo. A maioria de seus membros também vende bicicletas elétricas na Europa e já atende a regulamentos de segurança robustos lá, afirmou

(https://www.nytimes.com/2023/06/21/nyregion/e-bike-lithium-battery-fires-nyc.html)

Credito : Winnie Hu do New York Times / Folha de São Paulo – @ disponível na internet 05/07/2023 

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