Supervalorização de títulos educacionais e conhecimentos teóricos deve ceder espaço à avaliação de habilidades
Está em discussão no Senado o Projeto de Lei Nacional de Modernização dos Concursos Públicos (PL 2.258/2022), que busca contribuir para o aprimoramento seguro da seleção de servidores. O governo federal sinalizou apoio ao projeto.
Dada a repercussão do tema, propomos um resgate da origem e dos objetivos do PL, em discussão no Congresso há mais de 20 anos. A versão atual tem origem em proposta de 2022 apresentada pelo deputado Eduardo Cury (PSDB-SP), relator do tema na Câmara. A proposta foi elaborada com apoio do Núcleo de Inovação da Função Pública, da Sociedade Brasileira de Direito Público, sob a liderança do professor Carlos Ari Sundfeld.
O texto foi construído a partir de pesquisas acadêmicas e, sobretudo, muito diálogo com gestores públicos, parlamentares, controladores, sindicatos, academia e sociedade em geral. A proposta se valeu ainda de reflexões amadurecidas no âmbito da sociedade civil organizada, com destaque para o Movimento Pessoas à Frente.
O Brasil nunca teve uma lei nacional geral para concursos públicos. O PL fixa regras mínimas básicas para seleção em todos os níveis federativos (federal, estadual, distrital e municipal), preservando as experiências de sucesso em andamento. ]
Faz isso para garantir que haja planejamento em todos os concursos, que sua execução siga certo rito e que os modos de avaliação estejam previamente autorizados em lei. As comissões de avaliação agradecerão por ter segurança para conduzir a seleção. Suas soluções inovadoras, como o concurso digital, dependem de regulamentação pelos entes federativos, caso queiram adotá-lo.
Que objetivos inspiram o PL 2.258?
O primeiro é promover a diversidade no setor público. De conhecimentos, habilidades, competências e, portanto, de pessoas.
A porta de entrada do serviço público não pode estar aberta só para o concurseiro, enquanto muitos vocacionados não entram porque precisam trabalhar e não podem pagar um cursinho preparatório. As carreiras têm de aproximar o servidor e a população.
Outro objetivo é dar maior segurança jurídica, tanto à administração quanto aos candidatos. A ideia é possibilitar uma melhor gestão dos concursos, a partir de regras de organização que assegurem a competência do gestor para desenhar a seleção do modo mais eficiente, promovendo, ao mesmo tempo, a necessária previsibilidade aos candidatos.
O projeto fixa o passo a passo do concurso e atribui à comissão organizadora a competência para o melhor desenho, tendo em vista as competências necessárias ao exercício dos postos a prover, os tipos de prova e os critérios de avaliação mais adequados.
Isso não é banal num país que dificilmente consegue incluir prova didática na contratação de professores da rede pública. A supervalorização de títulos educacionais e conhecimentos teóricos deve ceder espaço à avaliação de habilidades e competências necessárias ao trabalho.
Por fim, o PL pretende reduzir a litigiosidade, com a incorporação na lei das preocupações que nossos tribunais têm apresentado em suas decisões relativas a concursos. Busca também melhor estruturação e justificativa dos métodos de seleção e avaliação.
O consenso em torno da necessidade de modernizarmos nossos concursos, bem como quanto à capacidade de o PL 2.258 fazê-lo, ficou patente na votação do projeto no plenário da Câmara, que o aprovou por unanimidade, em votação simbólica, em agosto de 2022.
Agora que o projeto está em fase final de tramitação no Senado, é fundamental que a sociedade se aproprie do tema e se engaje nessa importante pauta de modernização do serviço público.
Crédito: Conrado Tristão# e Vera Monteiro/ O Globo – @ disponível na internet 10/07/2023
# Conrado Tristão é mestre pela FGV Direito SP e coordenador do Núcleo de Inovação da Função Pública da Sociedade Brasileira de Direito Público, e Vera Monteiro é professora na FGV Direito SP e conselheira do República.org