Três razões para o aumento de investimento externo na América Latina – e por que Brasil lidera o ranking

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Em 2022, na contramão do que ocorreu no resto do mundo, o investimento estrangeiro direto na América Latina e no Caribe cresceu e atingiu um recorde histórico: US$ 224,579 bilhões (R$ 1,06 trilhão), 55,2% a mais que no ano anterior, segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).

O montante surpreende também porque vai contra o chamado “flight to quality”, um fenômeno que ocorre, por exemplo, quando o banco central americano aumenta as taxas de juros e os fluxos de capitais saem da América Latina e de outros países emergentes e “voam para destinos mais seguros”, como os EUA.

Ou seja, de países com risco para outros com menos.

Mas, desta vez, os economistas foram surpreendidos por uma entrada inusitada de recursos nas principais economias latino-americanas, contrariando a tendência mundial

O peso desses fluxos no PIB regional também aumentou, chegando a 4%, ainda segundo a Cepal.

O Brasil foi o país que mais se beneficiou, com 41% do total de investimentos estrangeiros que vieram para a América Latina, seguido por México, Colômbia e Chile.

A Argentina também foi contemplada, apesar de sua economia ser uma das mais vulneráveis ​​do continente.

Entenda, a seguir, os motivos de tudo isso.

Um trabalhador de capacete passa por uma tela
Chile, Colômbia e Argentina se beneficiaram da corrida entre Oriente e Ocidente para garantir sua segurança energética @getty images

1. Distância da guerra na Ucrânia

Os US$ 224,579 bilhões que entraram na América Latina e no Caribe em 2022 equivalem ao PIB do Peru, a sexta maior economia da região.

Para Jimena Blanco, analista-chefe de risco global da consultoria estratégica Verisk Maplecroft, a volatilidade global gerada pela invasão russa da Ucrânia beneficiou a América Latina em geral.

“A região está distante do conflito – tanto geograficamente quanto diplomaticamente – e, ao mesmo tempo, oferece alternativas para cadeias de abastecimento que foram interrompidas ou quebradas como resultado da guerra.”

A analista destaca os investimentos no setor de energia e na indústria agroalimentar, tanto na produção de grãos quanto de fertilizantes.

“Chile, Colômbia e Argentina são três das economias regionais que também se beneficiaram da corrida entre o Oriente e o Ocidente para garantir sua segurança energética, tanto agora como no futuro”, diz Blanco.

“Os recursos de petróleo e gás, a mineração (especialmente para a transição energética) e o potencial de geração de energia por meio de fontes renováveis ​​levaram ao aumento dos fluxos nos três casos”, acrescenta.

Nesse ponto, ele concorda com Marco Llinás, diretor da divisão de desenvolvimento produtivo e empresarial da Cepal, que destaca o papel da energia limpa e seu poder de atração de investimentos estrangeiros.

“A transição energética representa uma grande oportunidade para a América Latina em termos de desenvolvimento produtivo”, afirma.

Praia em Cancún, México
O turismo na região sempre gera investimentos @getty images

2. Atratividade mantida

No final de 2021 e início de 2022, a América Latina teve uma normalização da atividade econômica após a fase mais aguda da pandemia de covid-19.

Economistas têm repetido que muitos países da região se anteciparam à alta de juros nos Estados Unidos e chegaram a esse momento com suas economias em boas condições para enfrentar o choque que ela sempre acarreta.

O aperto das condições financeiras na primeira economia do mundo provoca, normalmente, uma valorização do dólar e uma depreciação das moedas locais dos países de onde sai o capital.

Mas “desta vez esse fenômeno não foi tão intenso como em outras ocasiões, porque antes de o Fed começar a aumentar as taxas de juros, os bancos centrais da América Latina já começaram a fazê-lo para controlar a inflação”, explicou à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC, Juan Carlos Martinez Lázaro, economista e professor da IE Business School de Madri.

“E até hoje eles mantêm taxas de juros notavelmente mais altas que as do Fed, o que em países como Brasil e México desacelera a saída de capitais e mantém o real e, principalmente, o peso mexicano forte em relação ao dólar.”

Nota de 200 reais
O Brasil atraiu 41% do total de investimentos estrangeiros que vieram para a América Latina @getty images

“Além disso, o mercado prevê que o Fed poderia começar a baixar as taxas de juros no próximo ano, por isso muitos países da região mantêm sua atratividade para atrair investimentos estrangeiros, já que as expectativas de negócios neles permanecem intactas”, acrescenta Martinez Lázaro.

Os setores que mantêm sua atratividade estão relacionados aos serviços -especialmente o financeiro – que manteve sua liderança.

“Também vale mencionar que foram reativadas as entradas nos setores relacionados a recursos naturais e manufaturados”, disse o especialista da Cepal.

3. Os benefícios ficaram em casa

Por várias razões, os lucros de muitas empresas estrangeiras não saíram da América Latina, em uma tendência observada em 2022 para “maximizar o capital”.

As subsidiárias de grandes empresas estrangeiras sediadas na região retinham os lucros em vez de repassá-los à matriz.

“O choque da economia durante o pior momento da pandemia em 2020 fez com que muitas empresas retivessem seus lucros naquele ano, que foram investidos posteriormente em 2021, mas em maior proporção em 2022”, diz Blanco.

Algumas vantagens dessa prática são que se paga menos impostos sobre os lucros gerados e, ao mesmo tempo, se permite o acesso ao crédito de forma mais eficaz às subsidiárias que, de outra forma, teriam de acessá-lo a um preço consideravelmente mais elevado no mercado.

Trabalhadores em uma refinaria da Pemex
O México ainda mantém as taxas de juros altas @getty images

O exemplo mais claro dessa prática é a Argentina. Devido a restrições de capital, as subsidiárias no país reinvestem os lucros em vez de repassá-los para a controladora.

“Neste contexto, não é surpreendente que os EUA e a UE continuem sendo a fonte do maior investimento estrangeiro direto na América Latina e no Caribe. Mas também há um impacto das tensões geopolíticas e dos planos de estímulo de Washington para incentivar o ‘nearshoring’ na região”, acrescenta o analista da Verisk Maplecroft.

Com “nearshoring”, o especialista se refere à transferência de parte da produção que é feita na China para a América Latina.

“Na verdade, tanto o México quanto a Colômbia se beneficiaram dessa tendência, embora em proporções diferentes.”

“No primeiro caso, o USMCA (acordo comercial entre México, Estados Unidos e Canadá) e os elos das cadeias de valor integradas na sub-região desempenham um papel muito importante. No caso da Colômbia, o primeiro governo de esquerda do país não gerou uma ruptura dos fortes laços comerciais entre os setores privados de ambos os países.”

Uma mesa de massagem na praia de Copacabana
O real brasileiro continua forte em relação ao dólar @getty images

País a país

Brasil

Marco Llinás, diretor da divisão de desenvolvimento produtivo e empresarial da Cepal acredita que “devemos tomar nota do crescimento extraordinário que ocorreu em particular no investimento estrangeiro direto no Brasil, que representa 41% do total de investimento estrangeiro direto na região” .

O Brasil teve um aumento de 97% em sua receita de investimento estrangeiro direto, que foi principalmente para o setor de serviços, seguido por manufatura e recursos naturais.

México

Na indústria automotiva mexicana, foi importante o anúncio da Tesla de que construirá uma megafábrica em Nuevo León.

O movimento confirma a liderança do país como maior fabricante de veículos elétricos das Américas, atraindo até US$ 5 bilhões.

“Sempre insisto que a chegada desse investimento não foi repentina. Em Nuevo León está sendo trabalhada uma iniciativa de cluster no setor automotivo, que hoje é inclusive uma referência mundial. Há um trabalho articulado entre os setores público, privado e acadêmico, trabalhando para melhorar a produtividade e a competitividade desse setor”, diz Llinás.

Tesla
Fábrica da Tesla no México será a primeira da empresa na América Latina @getty images

Chile e Colômbia

Nos casos do Chile e da Colômbia, Jimena Blanco acredita que os processos eleitorais no final de 2021 e início de 2022 também afetaram negativamente os fluxos de investimento estrangeiro direto em 2021.

“Resolvidas as disputas eleitorais, os investidores têm maior clareza sobre as políticas a serem implementadas por cada governo, o que facilita a tomada de decisões e permite a retomada dos fluxos”, destaca.

Argentina

“No caso da Argentina, a volatilidade inerente a uma crise econômica sustentada significa que os ativos argentinos estão com um preço muito baixo para investidores dispostos a enfrentar o alto risco macroeconômico do país”, acrescenta a analista.

O investimento estrangeiro cresceu muito em 2022 devido aos empréstimos entre empresas e ao reinvestimento dos lucros, devido a rígidos controles tributários que colocam muitos obstáculos à saída de capitais.

Este investimento destinou-se fundamentalmente ao setor do lítio, hidrocarbonetos não convencionais e ao setor das tecnologias de informação.

Este fechamento extraordinário de 2022 não parece que se repetirá este ano, mas a Cepal acredita que existem oportunidades muito novas para a América Latina em uma era de reconfiguração das cadeias globais de valor e relocalização geográfica da produção.

Tudo como consequência de uma globalização em mudança.

Crédito: Cristina J. Orgaz / BBC News Mundo – @ disponível na internet 29/07/2023

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