Por que indústria brasileira perdeu competitividade e ficou para trás

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Foto: Pexels

O “perde-e-ganha” que tem marcado o desempenho da indústria brasileira nos últimos anos, com pequenas oscilações positivas que se alternam com períodos de queda, é o retrato da decadência de um setor que recuou para os níveis mais baixos de participação no Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil em sete décadas.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a contribuição da indústria de transformação (que reúne todo o setor manufatureiro) para o PIB do país era de pouco mais de 11% em 2020, o percentual mais baixo em 70 anos. A participação da indústria geral – que inclui a indústria extrativa, construção civil e atividades de energia e saneamento – estava em cerca de 20%, também uma mínima histórica.

Atingida por uma “tempestade perfeita”, formada por elevada carga tributária, problemas de infraestrutura, burocracia, alto custo de energia, dificuldade de acesso a insumos durante a fase mais crítica da pandemia e falta de investimento, a indústria nacional produz pouco e não consegue competir no cenário global. Estagnado, o setor vem “andando de lado” e não deslancha, cada vez mais dependente de recursos do governo para sobreviver.

De acordo com um levantamento da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), seria necessário um investimento anual de R$ 456 bilhões na indústria de transformação, por um período de sete a 10 anos, para que fosse alcançado o mesmo patamar de produtividade registrado nos anos 1970.

Pires na mão

A inércia do setor industrial fez o governo se mexer. Em julho, o ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, anunciou um programa que prevê investimentos da ordem de R$ 106 bilhões, nos próximos quatro anos, para a renovação da indústria brasileira – o que o vice-presidente da República tem chamado de “neoindustrialização”. A maior parte dos recursos (R$ 65 bilhões) virá do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com foco no financiamento de projetos de inovação e digitalização e na produção de bens nacionais voltados à exportação. Segundo Alckmin, o programa do governo federal prevê juro nominal de 4% para a inovação na indústria, “o menor da história”.

Uma outra proposta defendida pelos industriais é a criação de uma espécie de “Plano Safra da indústria”. O programa foi instituído em 2003 pelo Ministério da Agricultura para fomentar a produção rural brasileira.

“Para a indústria operar na fronteira tecnológica, ela precisa de crédito para comprar uma máquina. Se você tem de pagar uma taxa de juros para o crédito de 25% ao ano, só para começar, é evidente que não vai comprar essa máquina. Por que o agronegócio consegue avançar tecnologicamente e é mais produtivo? Porque eles conseguem comprar as máquinas. O agronegócio não paga 25%, paga menos. É claro que vão conseguir avançar mais”, afirma o economista-chefe da Fiesp, Igor Rocha.

O parque industrial brasileiro opera com obsolescência de 15 anos. Em um mundo cada vez mais globalizado e competitivo, operar com uma máquina 15 anos atrasada é fatal para a competitividade.”

Mário Sérgio Telles, gerente-executivo de Economia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), avalia que o maior problema enfrentado pelo setor é a taxa de juros, atualmente em 12,75% ao ano. “Os juros elevados reduzem a demanda, principalmente dos setores mais dependentes de crédito. Esses segmentos sofrem bastante neste momento”, afirma.

“Também há um problema estrutural da economia brasileira. Temos um sistema tributário que penaliza muito a produção. Retira a nossa capacidade de exportar e beneficia os importados na competição com a produção nacional. Esse é outro fator determinante para a falta de competitividade”, diz Telles.

Em relatório divulgado na quarta-feira (11/10), a CNI projetou uma queda de 0,5% da indústria de transformação do Brasil em 2023. Segundo o IBGE, a produção industrial do país teve um avanço mensal tímido em agosto, de 0,4%, último dado disponível. Em julho, o setor havia caído 0,6%. No acumulado do ano, as perdas são de 0,3%. Desempenho tão fraco se reflete na confiança dos empresários do setor industrial, que recuou, em setembro, para o patamar mais baixo em mais de três anos, desde julho de 2020.

No fim de setembro, uma das gigantes da indústria brasileira, a Gerdau, maior produtora de aço do país, anunciou que está na “iminência” de promover uma onda de demissões. Os cortes seriam resultado da ociosidade em plantas industriais da empresa.

“Nos últimos anos, a economia brasileira passou a conviver com uma inflação mais alta e a taxa de juros foi subindo, o que dificultou a demanda, que se reduziu”, analisa Stéfano Pacini, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) e responsável pela Sondagem da Indústria da FGV.

“A indústria vem em um perde-e-ganha desde meados de 2021, ficando mais ou menos no zero a zero, com leve tendência de queda. Ela está andando de lado porque vem tentando segurar a onda da conjuntura macroeconômica, de taxa de juros alta e demanda fraca.”

Pouca competição e muita dependência

Um dos grandes dramas da indústria brasileira é a falta de capacidade de competir em um mundo no qual o desenvolvimento tecnológico determina quais são os “players” mais importantes. “A questão da competitividade está fortemente associada à baixa produtividade da indústria. O setor tem uma produtividade que é apenas 80% daquela alcançada em 1980. Em contrapartida, o que se vê no mundo todo é um aumento da produtividade da indústria, embora o setor perca participação no PIB”, afirma Claudio Considera, coordenador de Contas Nacionais do FGV Ibre.

“A indústria brasileira é incapaz de produzir mais com menos pessoal. Ela produz menos. Essa é a principal razão para o seu fracasso.”

Segundo Considera, a falta de investimento em tecnologia é o maior problema. “Isso tem muito a ver com a proteção que, historicamente, foi dada para a nossa indústria, de modo que ela não precisasse competir com o resto do mundo. Ela é favorecida pela proteção tarifária que tem”, afirma. “Mesmo hoje em dia, com redução de tarifas de importação, a indústria não é muito exposta à competição. Ela não precisa fazer isso e, não fazendo isso, vai ficando cada vez mais para trás.”

De acordo com os especialistas ouvidos pela reportagem, outro fator que explica o atraso industrial no país, sobretudo nos últimos anos, é a extrema dependência dos insumos produzidos no exterior (como matérias-primas, componentes farmacêuticos e semicondutores), principalmente em países da Ásia.

“Na pandemia, a indústria enfrentou um problema sério na cadeia de produção global. Não havia insumo para produzir. Tínhamos demanda, mas não havia oferta. Quando há um problema de oferta, a tendência é a de que os preços aumentem. A dificuldade de importar insumos foi muito grande. O Brasil teve uma enorme dificuldade de importar componentes eletrônicos”, recorda Pacini.

Claudio Considera, por sua vez, pondera que a perda de espaço da indústria na economia não é exclusividade do Brasil, mas uma tendência global. “As pessoas não querem mais ficar vendo televisão dentro de casa. Querem sair, ir ao cinema, jantar fora. Isso aumenta a demanda pelo setor de serviços e diminui a da indústria”, explica. “Foi o que aconteceu no mundo inteiro. No passado, o setor mais importante era a agropecuária, depois passou a ser a indústria e, hoje, os serviços tomaram conta.”

Crédito: Fábio Matos / Metrópoles – @ disponível na internet 13/10/2023 

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