Nem sacerdote nem super-herói: sobre o Dia do Professor
“Professor por amor”, “a profissão formadora das outras” e “super-heróis”: no próximo domingo, 15 de outubro, será comemorado o Dia do Professor, e as redes sociais estarão repletas de mensagens pautadas nas frases anteriores.
Já fiz parte do time que as compartilhava e levei uns puxões de orelha dos professores que conheço.
Portanto, para esta coluna, em homenagem ao Dia do Professor, não irei supor o que gostariam de ouvir: falei com 27 profissionais da rede pública, um de cada estado do país.
É curioso que, nos discursos, são os mais importantes profissionais, mas, na prática, os menos valorizados. Meu papel aqui será apenas mediar suas vozes. Eles têm, sim, muito a dizer.
A primeira pergunta que fiz foi que tipo de homenagem já estão cansados de receber. Paula Regina, professora no Rio Grande do Norte, explica: “Teoricamente as homenagens aos professores são muito bonitas e emocionantes, porém demagógicas porque em muitos casos são palavras dissociadas de ações práticas, seja por parte do poder público, seja por parte da própria sociedade”.
Além disso, elas maquiam outro problema: “Não me sinto confortável com essa abordagem de sofrimento. Como se estivéssemos num celibato para podermos ir para o céu e que a atuação fizesse parte de uma missão.
Em vida, pelo menos, ainda não vemos nada real em termos de política pública de valorização. Toda profissão tem retornos em salários, gratificações e demais políticas, mas nós não”, diz Thailisse Maressa, professora no Distrito Federal.
José Aparecido, professor em Alagoas, aponta um outro problema: “A ideia messiânica do professor como salvador do mundo já se tornou um marasmo sem fim.
Esse pensamento carrega resquícios de uma luta solitária. O que não deveria ser verdade. Uma engrenagem educativa deve ser constituída por docentes, discentes, pais, gestões, governos e políticas públicas. Podemos lembrar a profissão e seus profissionais, mas sem jogar sobre seus ombros tamanho fardo de ‘salvação'”.
Acredito que tenha ficado claro o incômodo por trás das rasas homenagens e clichês, mas, afinal, o que querem ouvir, então? Ou melhor, o que querem dizer?
Geiza Oliveira, professora na rede pública fluminense, diz: “Amamos o que fazemos, mas exercemos uma profissão e não um sacerdócio. Necessitamos de parceria dos familiares, a escola sozinha está longe de conseguir resolver questões sociais complexas de um país que se formou a partir de tantas tragédias coloniais.
Ao longo do dia somos expostos a diferentes emoções e situações e nos sentimos também muito vulneráveis. Eu adoraria, de verdade, poder me dedicar apenas a pensar em como ensinar da melhor forma os conteúdos da minha disciplina, mas isso está muito longe da realidade”.
Sobre isso, Thailisse desabafa: “Trabalhamos muito. Muito mais fora da sala de aula do que nela. Costumo dizer que a sala de aula é meu descanso, pois é quando eu faço as coisas acontecerem.
Me sinto muitos dias no meu limite, e somos cobrados de todos os lados. A ansiedade é uma realidade na vida de quase todos nós. Agora somos, mais do que nunca, observados, filmados e julgados. As burocracias acabam sendo mais importantes do que o pedagógico. Lidamos com a apatia dos estudantes e ao mesmo tempo com a violência. Se revidamos, somos tidos como desequilibrados.
Precisamos dar a nossa melhor versão para o filho dos outros, sempre. Sobra pouco para sermos a nossa melhor versão em casa e para os nossos próprios filhos”.
Rosymary Neves, professora no Pará, entende que a valorização não se pauta apenas na questão salarial: “Precisamos de melhores condições de trabalho. Aqui na Região Norte, neste clima quente e úmido, temos várias escolas que não possuem ar condicionado. Trabalhamos numa sauna.
As escolas não possuem computadores, equipamentos de som, de imagem e projetores. Não temos xerox: o professor prepara o texto, passa para os alunos em pdf, mas nem todos têm celular. As provas são impressas pelos professores, que as ‘vendem’ para seus alunos. Isso destrói o meu encanto pela profissão”.
Corroborando o ponto da professora paraense, Kathianne Carneiro, professora em Tocantins, pede “remuneração adequada, desenvolvimento do plano de carreira, garantia de condições adequadas de trabalho, reconhecimento social da profissão, incentivo à pesquisa e à extensão – desde a educação básica, formação de qualidade. Na educação superior tudo isso é mais visível, diferentemente da educação básica”.
Por fim, no universo do que gostariam de dizer, um ponto em comum surge: “Nós não somos responsáveis por ensinar educação familiar na escola ou por fazer o papel dos pais. Não nos isentamos de dar afeto aos alunos, mas também temos nossas limitações psicológicas e físicas”, diz Márcia Gomes, professora amazonense.
Em respeito às demandas dos professores ouvidos: pais, por favor, participem da vida escolar de seus filhos. Entendam a responsabilidade que têm nesse processo e não coloquem todo o peso nos professores. Além disso, por favor, sejam aliados desses profissionais e não inimigos. Vocês querem o mesmo que eles: o melhor para seus filhos.
Concluo este texto com a fala da professora Paula: “A docência é um ofício fundamental para o desenvolvimento de toda e qualquer nação, e a prova disso é que países desenvolvidos, como Finlândia, Noruega e Japão, ocuparam esse status depois de muito investir em educação.
A máxima de que toda profissão passa por um professor ou professora é verdadeira, e, quando líderes políticos tiram esse discurso do plano teórico para o plano prático, toda a sociedade ganha e é transformada. Portanto, mais do que palavras bonitas em nossa homenagem, nós professores e professoras, gostaríamos de ver práticas de valorização de nossa profissão.
Concluo pedindo por homenagens menos demagógicas e mais ações práticas que demonstrem respeito, dignidade e justiça para nós, professores e professoras, e, consequentemente, para a sociedade como um todo”.
Gostaria de agradecer todo o carinho e confiança dos 27 docentes que, gentilmente, compartilharam suas vozes e experiência com esta coluna. São eles:
Adriana Carvalho da Silva, da Bahia;
Alexandre Souza da Costa, de Roraima;
Aline Maria Pereira Batistela, do Maranhão;
Bethânia Pimentel de Sousa, de Goiás;
Clécia de Souza Gondim Moura, do Acre;
Débora Klippel Fofano, do Ceará;
Eliane Bissoli, do Espírito Santo;
Elisangela Costa Cardoso, do Amapá;
Fábio Medeiros Nunes, do Piauí;
Geiza Oliveira de Carvalho, do Rio de Janeiro;
José Aparecido de Oliveira Lima, de Alagoas;
Jozecarmen Specorte Brunet, do Mato Grosso do Sul;
Kathianne Carneiro Borges Carvalho, de Tocantins;
Latife Coutinho Marangoni, de São Paulo;
Luciene De Sá Ribeiro Siqueira, de Pernambuco;
Maria Jozelma Cabral da Silva Maroja, da Paraíba;
Márcia de Castro Gomes, do Amazonas;
Maquézia Suzane Furtado dos Santos, de Rondônia;
Marlene Salete Koch Lins, do Paraná;
Milena Martins Longaray Garcia, do Rio Grande do Sul;
Paula Regina da Silva Duarte, do Rio Grande do Norte;
Raquel Batista dos Santos, de Minas Gerais;
Rosymary Neves Teixeira, do Pará;
Serislei Guimarães de Sousa, do Mato Grosso;
Thailise Maressa, do Distrito Federal;
Viviane Tempel, de Santa Catarina;
Zildenê Pereira Pires, de Sergipe.