Senado aprova e envia reforma tributária de volta à Câmara. Qual será o impacto para o Brasil?

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Há 30 anos em discussão no Brasil e considerado o principal desafio da agenda econômica do primeiro ano do governo Lula, a reforma tributária (PEC 45/2019) venceu mais uma etapa nesta quarta-feira (8). O Plenário do Senado aprovou a proposta em dois turnos de votação, com 53 votos favoráveis e 24 contrários e nenhuma abstenção. Eram necessários 49 votos favoráveis (3/5 da composição da Casa). A matéria segue para a Câmara dos Deputados, de onde o texto original veio, porque foi modificada no Senado.

A proposta apresentada pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP) ganhou novos contornos nas mãos do relator no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), que incorporou uma série de mudanças.  A essência da PEC está na simplificação de tributos e do modelo em funcionamento no país. O texto prevê a substituição de cinco tributos (ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins) por três: Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e Imposto Seletivo (IS). A proposta também prevê isenção de produtos da cesta básica e uma série de outras medidas.

O relator destacou que a proposta não vai representar aumento de carga tributária. O texto prevê uma “trava” para a cobrança dos impostos sobre o consumo, ou seja, um limite que não poderá ser ultrapassado. 

— O contribuinte não pode continuar a sustentar o peso do estado. Se o receio é que aprovação da PEC acarrete aumento de carga tributária, temos a convicção de que o modelo garante que isso não ocorrerá — disse Braga.

Ao todo, o texto recebeu cerca de 830 emendas durante a discussão no Senado. Braga acatou parte das sugestões de mudanças propostas no Plenário. Durante a votação em segundo turno, senadores rejeitaram destaques apresentados por senadores da oposição para limitar a soma das alíquotas dos tributos. Uma das emendas previa o teto de 20%; outra estabelecia um limite de 25%.

Um acordo garantiu a aprovação de uma emenda que prevê a criação de um fundo de desenvolvimento para os estados da Região Norte. O fundo será criado por lei complementar.

O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), afirmou que a aprovação da PEC é “histórica” e que vai garantir uma redução de tributos para a população mais pobre. Ele ressaltou que o texto prevê alíquota zero para arroz e feijão e outros itens da cesta básica. Rebateu críticas da oposição afirmando que governos anteriores apoiavam a reforma tributária, mas mudaram de lado:

— É isto que nós estamos votando: a redução dos tributos. Agora, eu também entendo porque a oposição hoje não quer que a alíquota da carne da cesta básica seja reduzida a 0%. Eles estão incomodados porque o brasileiro, depois do governo do presidente Lula, voltou a comer picanha. De uma taxa de tributação hoje com peso de 34%, nós, com a instituição do IVA, passaremos a ter uma tributação de 22% a 27,5% — disse Randolfe.

Quando usou a sigla IVA, o senador se referiu ao Imposto sobre Valor Agregado, que é como esse tipo de tributo sobre o consumo foi nomeado ao longo dos anos durante sucessivas discussões.

A principal crítica dos senadores da oposição recaiu sobre o excesso de setores e produtos que ficarão em regimes diferenciados da regra geral do futuro IVA. O líder da oposição, senador Rogerio Marinho (PL-RN), afirmou que a reforma vai na prática aumentar a carga tributária para a maior parte da população. Segundo o senador, a proposta foi “desconfigurada” e está longe de simplificar o atual modelo. 

— Quem teve mais condição de gritar, de brigar, de fazer o lobby funcionar está contemplado com inserções dentro do projeto em tela. Aqueles que não tiveram essa força ou esse cuidado vão ser obrigados a suportar uma carga tributária — pasmem, senhores — que vai ser a maior do mundo. Nós estamos falando de um assunto muito sério, em que não há nenhum estudo de impacto. O que nós temos, na verdade, é uma perspectiva de um IVA maior do que os 27,5% — disse Marinho.

Entre os setores que terão regimes diferenciados segundo o texto estão transportes, combustíveis, saneamento, planos de saúde, setor imobiliário, jogos de prognósticos, loterias, instituições financeiras, incluindo bancos. Ao rejeitar emendas para retirar setores dessa lista, o relator reforçou que eles já possuem regimes diferenciados e pagam carga tributária inferior à média nacional. 

Para o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), que apresentou um substitutivo rejeitado durante a votação em Plenário, o sistema tributário vai ficar ainda mais complexo durante o período de transição, porque os atuais tributos vão coexistir com os novos. Ele ainda alertou sobre os riscos da reforma para o equilíbrio federativo. Segundo ele, os estados e os municípios perderão arrecadação.

— O que é que nós vamos ter? Governadores de pires na mão, que não têm mais capacidade de receber seu próprio tributo e que ficam na mão de um comitê gestor ou conselho federal. O que nós vamos ter? Prefeitos com pires na mão, que não podem mais ter o seu ISS – criticou Oriovisto.

IVA

A CBS (federal) e o IBS (estadual e municipal), que tributam o consumo, são formas de Imposto sobre Valor Agregado. Esse tipo de tributo incide somente sobre o que foi agregado em cada etapa da produção de um bem ou serviço, excluindo valores pagos em etapas anteriores. O IVA já é adotado em mais de 170 países. A ideia é acabar com a incidência de tributação em “cascata”.

Alíquotas e isenções

Haverá uma alíquota-padrão e outra diferenciada para atender setores beneficiados com isenções como educação e saúde. O texto também prevê isenção de IBS e CBS para uma cesta básica nacional de produtos a serem definidos em lei complementar. A ideia é que produtos como arroz, feijão, entre outros fiquem isentos de tributação.

Cashback

Com o objetivo de reduzir as desigualdades de renda, o texto também prevê a devolução de parte do imposto pago pelos consumidores, o chamado “cashback”. A medida vale para famílias de baixa renda e inclui o consumo de gás, de energia elétrica e outros produtos.

Trava

A fim de impedir o aumento da carga, o texto prevê uma “trava” para a cobrança de impostos sobre o consumo, ou seja, um limite que não poderá ser ultrapassado. De acordo com o texto apresentado pelo senador, o limite para a carga tributária será a média de 2012 a 2021, na proporção com o Produto Interno Bruto (PIB), representada pelas receitas com PIS/PASEP, COFINS, IPI, ISS e ICMS.

Guerra Fiscal

Com a reforma, a cobrança de impostos deixará de ser feita na origem (local de produção) e passará a ser feita no destino (local de consumo). A mudança visa dar fim à chamada guerra fiscal — a concessão de benefícios tributários por estados com o objetivo de atrair investimentos.

“Imposto do Pecado”

Diferentemente do IBS, o Imposto Seletivo (IS), também conhecido como “imposto do pecado”, funcionará como uma espécie de “taxa extra” sobre bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. É o caso de cigarros e de bebidas alcoólicas.

Compensação

O Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) é um dos instrumentos incluídos na PEC para reduzir discrepâncias entre os estados brasileiros. Os recursos do fundo serão aportados anualmente pelo governo federal. De R$ 8 bilhões em 2029, os valores devem chegar a R$ 60 bilhões em 2043. Do total, 30% serão distribuídos para os estados por critério populacional e 70% com base em um coeficiente de sua participação no Fundo de Participação dos Estados (FPE).

Agência Senado de Notícias 09/11/2023


Qual será o impacto da reforma tributária para o Brasil? Veja o que dizem empresários e executivos

Para a maioria, a aprovação das regras não é ideal, mas será suficiente para reduzir as complexidades do sistema atual

Apesar das críticas em relação ao volume de exceções, empresários e executivos de grandes companhias no Brasil comemoraram a aprovação da reforma tributária, no plenário do Senado, hoje, 8. Nas palavras do cofundador da Natura, Pedro Passos, a aprovação das novas regras é um “feito histórico” no País. Para o presidente do Conselho de Administração do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi, é o retrato de uma “democracia em pleno funcionamento”.

Os executivos fazem questão de destacar que a reforma aprovada não é a ideal, mas é suficiente para reduzir a complexidade do sistema atual, considerado caótico. “A reforma tributária busca simplificar esse sistema, reduzindo a quantidade de impostos e tornando as regras mais claras e previsíveis”, diz Gustavo Ambar, General Manager do Brasil e vice-presidente para América Latina da Whirlpool.

Confira abaixo a opinião de alguns executivos:

Pedro Passos, cofundador da Natura

“A aprovação da reforma tributária é um feito histórico para o Brasil. Depois de décadas, finalmente vamos virar a página de um sistema tributário complexo e pouco transparente para uma tributação mais justa, simples e moderna. Mesmo com as exceções que foram incluídas no texto, o sistema tributário aprovado pelo Congresso é muito melhor do que o que temos hoje. Em termos de impactos da reforma, podemos esperar um novo ciclo de crescimento econômico e investimentos no país, maior competitividade, produtividade e redução de desigualdades.”

Luiz Carlos Trabuco Cappi, presidente do Conselho de Administração do Bradesco

“A aprovação da reforma tributária é um avanço decisivo na trajetória de mudança do sistema de impostos do País. A construção desse novo modelo tributário é resultado de negociação, diálogo e engajamento dos Poderes Executivo e Legislativo com a sociedade. Em clima sereno e maduro, vivenciamos a democracia em pleno funcionamento. Os debates tiveram ampla representatividade, com participação direta de todos os setores econômicos, que deram suas contribuições, opiniões e sugestões, sem preconceito ou idiossincrasia. Portanto, entendo que o resultado alcançado foi bastante satisfatório, com destaque para o equilíbrio e desprendimento de todos na construção do texto final. A conclusão da etapa decisiva, agora na Câmara dos Deputados, vai permitir ao País uma base sólida para iniciar 2024 em um ambiente econômico renovado, com regras mais claras e eficientes, no qual se abrem mais perspectivas positivas de crescimento.”

Gustavo Ambar, General Manager do Brasil e vice-presidente para América Latina da Whirlpool

“Em comparação a outros países desenvolvidos, temos atualmente, no Brasil, um dos sistemas tributários mais complexos. A reforma tributária busca simplificar esse sistema, reduzindo a quantidade de impostos e tornando as regras mais claras, previsíveis e compreensíveis para os contribuintes, além de construir um ambiente amigável para os investidores, com segurança jurídica, incentivando o crescimento econômico, a sustentabilidade dos negócios e reduzindo as barreiras fiscais para fomentar investimentos e inovação no País. Temos um caminho construído, mas o período de transição para isso precisa ser simplificado”.

Ricardo Lacerda, CEO da BR Partners

“Política é a arte do possível. Essa reforma está longe de ser ideal, mas é o que temos. Agora cabe ao governo trabalhar as contas públicas com as novas regras. Como qualquer empresa ou pessoa, o governo precisa equilibrar seu orçamento.”

Márcio de Lima Leite, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea)

“A reforma é uma grande força para a indústria. O que mais lamentamos nos últimos anos é o acúmulo de créditos tributários de resíduos de exportações, que representa uma perda de competitividade para o setor, e a reforma ajuda bastante nesse tema. Entre a reforma desejável e possível, ela é boa, precisava acontecer, do contrário o Brasil continuaria a perder competitividade. A Anfavea apoia e se sente parte da discussão desse projeto. A reforma é boa, mas, claro, vai depender também da definição da alíquota do IVA, que ainda não sabemos qual será.”

Marco Stefanini, fundador e CEO do grupo Stefanini

“Foi criado um consenso no meio empresarial, principalmente, via indústrias, que a reforma tributária tem efeito bastante positivo. O setor de serviços vê de forma diferente. Não tem certo e errado. O sistema tributário brasileiro é complexo e precisa ser simplificado, e a carga é muito alta. Mas o setor de serviços entende que não houve debate suficiente, por que o IVA brasileiro vai ser o mais alto do mundo, e no momento de se contabilizar o crédito e o débito o setor de serviço não terá muito retorno. As nossas empresas gastam muito com gente e não teremos direito a abater crédito. Para a indústria pagar menos, alguém vai pagar mais.”

Luis Henrique Guimarães, CEO da Cosan

“O nosso sistema precisa mudar. Ele é caótico. Traz um custo e uma complexidade gigantesca. A incerteza é enorme. Sabemos que a reforma tem de ser a possível. Mas, como tudo na vida, não adianta fazer alguma coisa que não vá trazer melhorias. Uma boa parte da reforma vai ser definida em lei complementar. E aí pode acontecer muita coisa. Existe um conceito na reforma, e ele é muito positivo, mas como ele vai acontecer? É preciso haver um esforço grande para simplificar o sistema.”

Horácio Lafer Piva, acionista da gigante de papel e celulose Klabin

“É fundamental. É uma mudança importante, mas como sempre, aquém do que deveria e poderia ser. Deixaram grupos de interesse obter vantagens injustificadas. Resta agora criar os prazos de revisões das alíquotas e aguentar firme os 27,5% que deveriam ser 21%. Há desculpas de todos, que querem provar o improvável. Pena. Mas a nova estrutura tributaria é um avanço a comemorar muito.”

Gilson Finkelsztain, presidente da B3

“A reforma tributária é uma necessidade urgente para o Brasil, que tem um dos sistemas mais complexos e burocráticos do mundo. A simplificação e a racionalização dos impostos podem trazer benefícios para a economia e para a sociedade, como maior eficiência, mais transparência, melhora no ambiente de negócios e mais oportunidades para atrair investimentos.”

Alexandre Baldy, chairman da BYDI

“Creio que a reforma tributária é importante demais ao Brasil e demorou muito para se tornar uma realidade. Ajudará a atrair investimentos para o País, descomplicando o dia-a-dia tributário das empresas, reduzindo a carga tributária ao cidadão no longo prazo, e permitindo que voltemos a imaginar que a indústria brasileira possa novamente ser competitiva.”

Cesar Bocchi, diretor presidente do Sicredi

“Mesmo com as concessões que foram sendo acrescentadas na tramitação da proposta, avaliamos como positivo o texto da reforma tributária, pois gera evoluções em relação ao modelo anteriormente praticado. Elementos como a simplificação da tributação, aumento da neutralidade fiscal e redução da insegurança jurídica tendem a aumentar o nível de atratividade e investimento no País.”

Crédito: Redação de O Estado de São Paulo – @ disponível na internet 09/11/2023

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