Justiça suspende multa de pedágio free flow: onde modelo será usado e o que deve mudar?
A decisão da Justiça Federal de suspender as multas por evasão de pedágio no free flow, sistema de cobrança automática, em um trecho da Rodovia Rio-Santos, reacendeu a discussão sobre a adoção do modelo no Brasil. A preocupação do setor e do poder público é evitar novas contestações judiciais que inviabilizem a expansão do sistema, previsto em várias concessões do sistema rodoviário pelo País, a exemplo dos planos para a Mogi-Bertioga, Raposo Tavares e o Rodoanel Norte.
A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) afirma que a tecnologia está em fase experimental e passará por ajustes até ser expandida para toda a malha viária sob concessão no País. Já a estatal federal Infra S.A. abriu consulta e avalia sugestões para aprimorar, entre outros pontos, o sistema de cobrança e pagamento do free flow.
No Rio Grande do Sul, um aditivo ao contrato prevê multa à concessionária de R$ 950 reais a cada notificação errada que enviar ao usuário. Essa penalização também está prevista para os novos contratos de concessão em São Paulo.
O sistema free flow, utilizado há anos nos Estados Unidos e em países da Europa e da Ásia, já funciona no Chile chegou recentemente ao Brasil, onde ainda está em fase de avaliação. Além do Rio, o pedágio sem cancelas opera em rodovias do Rio Grande do Sul e será adotado em breve São Paulo e Minas Gerais. Goiás e Espírito Santo têm estudos para implementar esse modelo..
No free flow, os veículos passam por pórticos sem reduzir a velocidade e sensores e câmeras registram as placas, emitindo a cobrança da tarifa. Se o dono do veículo não pagar em 15 dias, recebe multa de R$ 195,23 por evasão do pedágio, infração grave prevista no Código de Trânsito Brasileiro. O motorista recebe ainda cinco pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH).
O pedágio sem cancelas é uma das principais inovações dos novos modelos de concessões rodoviárias. No Brasil, o sistema foi autorizado pela Lei 14.157, de 2021. Os pórticos da CCR RioSP foram os primeiros a entrar em operação no País, em um trecho da rodovia Rio-Santos (BR-116). Assim que a cobrança foi iniciada, após um período de testes, começaram também queixas de usuários que se diziam prejudicados. As reclamações foram parar na Justiça.
Motoristas fazem queixas de multas indevidas
A ação foi movida pelo Ministério Público Federal (MPF) e pelas defensorias públicas da União e do Estado do Rio, sob a alegação de que a concessionária não criou os mecanismos necessários para facilitar o pagamento do pedágio durante o período experimental.
“O consumidor não tem apenas o dever de pagar por um serviço a ele prestado, tem também o direito de pagar de modo fácil, sem esforço desnecessário e sem perda de tempo”, diz a petição apresentada ao juízo.
De 30 de janeiro a 30 de março de 2023, o sistema funcionou sem gerar multas, que foram aplicadas a partir de 31 de março. Segundo o MPF, centenas de reclamações oficializadas por ações judiciais ou registros em canais de atendimento apontam multas aplicadas a veículos que usam tag (adesivo no parabrisa para pagamento automático) e pagaram o pedágio regularmente.
Também há casos de multas em duplicidade, aplicadas em número maior que os registros de passagens e, sobretudo, falta de comunicação e sinalização sobre as formas de pagamento.
A ação civil pública foi proposta em 15 de abril, após a abertura de inquérito civil público contra a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), a União, representada pela Advocacia Geral da União (AGU), e a concessionária CCR RioSP, que opera os pedágios.
A decisão da 26ª Vara Federal do Rio proibiu também novas multas até que seja comprovada a eficiência do sistema. Estima-se que tenham sido aplicadas 32 mil multas.
Ao Estadão, o MPF do Rio diz que não é contrário à tecnologia, mas quer preservar o motorista. “O MPF e as Defensorias entenderam que as falhas precisam ser resolvidas. Os consumidores não podem ser punidos por um serviço que está em fase de experimento e é prestado de forma ineficiente, sem receber informações claras sobre quanto deve, porque deve e como pagar”, afirma.
- O sistema está na Rio-Santos (BR-116) entre o km 380, no bairro de Campo Grande, zona oeste do Rio, e a divisa com São Paulo, entre Paraty e Ubatuba. No total, são 144 quilômetros.
- A tarifa básica (carros) é de R$ 4,60 das 6h de segunda-feira às 18h de sexta e, nos feriados e fins de semana, entre as 18h de sexta e 6h de segunda, de R$ 7,60. Para veículos comerciais, a tarifa é multiplicada pelo número de eixos e há isenção para motos, ambulâncias, veículos oficiais e do corpo diplomático.
Conforme a CCR RioSP, o sistema já registrou mais de 13 milhões de transações. O pagamento automático (tag) representa 67% das transações dos clientes da concessionária. E afirma que, considerando o universo dos usuários, 98,6% das transações estão disponíveis para pagamento em até 4 horas após a passagem pelos pórticos e 99,9% em até 12 horas.
Além do pagamento automático pela tag, a CCR RioSP têm outras modalidades de pagamento, como o aplicativo da CCR Rodovias, o WhatsApp e a rede credenciada e os totens de autoatendimento. O autopagamento permite consultas apenas pelas placas e, ao usuário cadastrado no app, o sistema envia notificações e avisos de alerta.
Sobre a decisão judicial, a CCR informa que adota todas as providências para prestar os esclarecimentos necessários à Justiça e diz investir continuamente no aperfeiçoamento da tecnologia.
Ainda segundo a empresa, o sistema segue operando e a liminar não desobriga quem trafega pela via do pedágio. “A concessionária continuará a cumprir com suas obrigações contratuais de comunicar o órgão autuador sobre as passagens de pedágio que não forem eventualmente quitadas dentro do prazo estabelecido pela legislação”, diz.
Novos contratos preveem multa por notificação errada
No Rio Grande do Sul, um aditivo no contrato prevê multa de R$ 950 para cada notificação errada que a concessionária enviar ao usuário que acabe resultando em autuação. Segundo o secretário estadual de Parcerias e Concessões, Pedro Capeluppi, como o sistema gaúcho começou a operar depois daquele da CCR, foi possível estudar o modelo fluminense e introduzir algumas mudanças como a da multa.
“Isso fez com que a concessionária criasse sistemas de barreiras e checagens para evitar autuação indevida. Vimos que no Rio a queixa maior era a dificuldade de contato com a concessionária, por isso foram criados canais extras de comunicação. As bases de suporte ao usuário foram instaladas nos dois lados das rodovias”, afirma.
Embora o sistema gaúcho opere com o free flow, a cobrança ainda é por trecho percorrido e não por quilômetros rodado. “Estamos em um período de transição para a cobrança por km, o que deve acontecer em dois anos. Nas novas concessões, o modelo já prevê isso.”
Conforme o gestor, a inadimplência no sistema está próxima de 10%, mas no pórtico mais antigo é de 5%. Segundo Capeluppi, não tem havido reclamações sobre a cobrança, mas surgiram queixas pontuais sobre a falta de isenção para moradores de áreas próximas aos pórticos.
- No Rio Grande do Sul, o pedágio free flow começou em 15 de dezembro de 2023 na ERS-122, entre Antonio Prado e Flores da Cunha. Outros pórticos foram instalados em seguida e operam desde 30 de março nas rodovias ERS-240 e ERS-446, entre a Serra Gaúcha e o Vale do Caí, totalizando 271,5 km.
- Como no Rio, o motorista tem até 15 dias para pagar. Usuários com tag têm desconto básico de 5% e para quem faz uso frequente da via o desconto pode chegar a 20% (a partir de 20 passagens por mês).
Segundo o secretário, a liminar que suspendeu as multas no Rio não afeta os planos de expansão em seu Estado, mas preocupa. “Nosso sistema tem operado de forma satisfatória e somos o primeiro Estado a contar com a tecnologia em toda uma concessão. No momento, estamos realizando a modelagem das concessões do Bloco 1 e 2, que também deverão ter o free flow. Preocupa porque esse é o futuro das concessões de rodovias. Não podemos deixar isso dar errado.”
A Caminho das Serras Gaúchas (CSG), que tem a concessão das rodovias com free flow no Rio Grande do Sul, disse que não conhece o teor da ação judicial envolvendo a CCR Rio SP, mas diz trabalhar na expansão do número de pórticos de free flow para descentralizar a cobrança nos seis pórticos atuais que substituíram as praças de pedágio convencionais. Informa ainda que estuda a viabilidade para expandir seu trecho de atuação pela BR-470, entre Nova Prata e Bento Gonçalves.
Conforme a Agência de Transporte do Estado (Artesp), as novas concessões preveem penalidades para cobrança indevida, a exemplo do que é feito no Rio Grande do Sul. O valor é multiplicado por cada passagem com cobrança indevida. Os valores, não informados, variam para cada lote da concessão.
Rodovia Ayrton Senna teve testes
Ainda em 2021, a concessionária Ecorodovias instalou um pórtico de free flow na Rodovia Ayrton Senna (SP-070), mas apenas como projeto piloto, sem cobrança de tarifa ou aplicação de multa. “À época, a EcoRodovias já entendia que o free flow seria tendência de modernização das viagens a ser adotada também no País e buscou antecipar os testes para aprendizado e aperfeiçoamento, o que nos permite hoje ter um modelo robusto”, disse. Ainda não há data definida para início da operação.
- O free flow ainda está em fase de testes na MG-459, em Monte Sião. A EPR Sul de Minas, responsável por administrar oito rodovias no sul do Estado, faz campanhas informativas sobre o novo sistema. A previsão é de que os pórticos comecem a operar este semestre.
- No Espírito Santo, há estudos para o pedágio automático em um trecho de 67,5 km da ES-060, conhecida como Rodovia do Sol, e na Terceira Ponte, que liga Vitória a Vila Velha.
- No Paraná, os contratos de concessão das rodovias dos lotes arrematados em janeiro pelas empresas Via Araucária e EPR Litoral Pioneiro para administrar mais de mil quilômetros de estradas estaduais e federais já preveem a implementação gradativa do free flow, mas ainda não há prazos definidos, segundo o governo estadual.
Para a Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), a ampliação do free flow é uma tendência. “O funcionamento do sistema na CCR RioSP, por exemplo, confirmou a viabilidade técnica dos equipamentos e meios de aferição de passagem dos veículos, superando as expectativas relacionadas ao comportamento dos usuários e à taxa de adimplemento das tarifas”, disse a entidade.
A Infra S.A., empresa pública federal que desenvolveu estudos para viabilizar o free flow no País, abriu edital de chamamento e recebeu propostas visando, entre outras melhorias, a simplificar as formas de cobrança e pagamento.
A estatal detalhou que, recebeu sugestões do mercado para aprimorar o free flow, focando na resolução de problemas ligados a pagamentos, oferta de canais de quitação, prazos e multas. “As propostas recebidas serão avaliadas pela equipe técnica da Infra e submetidas à agência ANTT para possível inclusão em novos testes”, disse.
O Estadão apurou que, entre as medidas propostas, estão aumentar o desconto para usuários frequentes e veículos com tags. Outras sugestões são no sentido de que o governo e as concessionárias ampliem a divulgação sobre o sistema para que seja mais conhecido e aceito pela população.
Presidente da Associação Brasileira das Empresas de Pagamento Automático para Mobilidade (Abepam), André Turquetto, defendeu maior diferenciação tarifária para incentivar a adesão ao pagamento automático por meio de tags, o que reduziria a evasão. “Os descontos vigentes não são suficientes para incentivar o uso, principalmente por usuários não frequentes.” Hoje, o desconto para quem usa tag é de 5% e o de usuário frequente, embora maior, não é adotado de forma ampla e apenas para veículos leves.
Segundo ele, há mais de 60 milhões de veículos leves no Brasil e cerca de 12 milhões de tags instaladas, média de 20% do segmento. “Com a expansão do modelo de concessões e, consequentemente, do free flow, cerca de 20 milhões de veículos poderão contar com os benefícios das tags nos próximos dois ou três anos, o que representa percentual de aumento de mais de 66% no período”, estimou.
Conforme Turquetto, o uso da tag ajuda o motorista, que não precisa se preocupar em esperar a cobrança para fazer o pagamento. E também é bom para a concessionária, que recebe de forma automática.
A ANTT informa que se pronunciará judicialmente sobre a decisão judicial quando acionada. “No entanto, é importante destacar que, para a cobrança de pedágio, foi feito um aditivo contratual que seguiu todos os ritos processuais legais para seu funcionamento em plena forma. O free flow é uma iniciativa introduzida no âmbito do Sandbox Regulatório, iniciado em março do ano passado, com duração prevista de dois anos.”
Conforme a estatal, este ambiente experimental serve para análise da melhor modelagem antes de aplicar em todas as rodovias concedidas. “Qualquer eventualidade pode ser ajustada durante o período de realização do Sandbox Regulatório (testes de uma inovação a ser regulada)”. Além disso, prossegue, “em casos de problemas e dúvidas, os usuários da rodovia podem entrar em contato com a concessionária por meio dos canais oficiais de comunicação para esclarecimentos”.
Crédito: José Maria Tomazela / O Estado de São Paulo – @ disponível na internet 30/4/2024
O radar não leu a tag do sem parar e em seguida me notificou com multa.
Sai do serviço pois trabalho a noite .
O site não dá condições de solicitar o cancelamento
Estou com sentimentos de impotência para resolver
…
Passei pela rodovia em abril e não me atentei quanto a forma de pagamento e acabei me esquecendo de pagar. Quando fui ver estava com duas multas no meu veículo . Gostaria muito de poder efetuar o pagamento do pedágio e o cancelamento da multa.