De acordo com a Casa Civil (Brasil, 2022), “regulação é uma forma contemporânea de ação do Estado e se refere, em sentido geral, aos instrumentos jurídico-normativos (leis, decretos, regulamentos e outras normas) de que dispõe o governo para estabelecer obrigações que devem ser cumpridas pelo setor privado, pelos cidadãos e pelo próprio governo”.
Quando existe algum problema relativo à segurança de um produto, o Estado, através da regulação, interage com diversas entidades da sociedade (representantes da indústria, representantes de consumidores, laboratórios etc.) e intervém na economia, para que o mercado esteja sob controle, com segurança e sem concorrência desleal em prol da sociedade como um todo.
Segundo NOHARA (2012), captura regulatória é “a submissão do regulador aos interesses mais imediatos de empresas de setores regulados que, por concentrarem informações privilegiadas, exercem pressão e acabam determinando o conteúdo da regulação que sofrerão em detrimento de interesses coletivos”.
Carpenter e Moss (2014) definem a captura regulatória como o resultado ou processo pelo qual a regulamentação, na lei ou na aplicação, é consistentemente ou repetidamente desviado do interesse público e direcionado para os interesses da indústria regulamentada, pela intenção e ação da própria indústria.
A partir do momento que as regras podem ser definidas na realidade por um pequeno grupo de grandes empresas que detém a informação e a tecnologia, a captura regulatória anula o efeito benéfico da regulação, que deveria ser em prol de todos. De acordo com Silvestre (2016), a captura regulatória infringe, dentre outros, os mandamentos de moralidade e eficiência da regulação.
Não pode ser esquecido que o papel de regulador, além da regulamentação, também abrange a fiscalização para que o ato normativo atinja os resultados pretendidos. Nesse ponto, cabe ressaltar que a fiscalização também corre o risco de ser capturada por meio de denúncias imprecisas ou segmentadas, sem fundamentação clara, mediante influência política e/ou pressões de entidades para fiscalização de concorrentes.
Na busca de lançar luz sobre um especial tipo de risco, semelhante ao que pode ocorrer no processo de regulação, e não encontrando expressão na literatura até o momento, arriscamos o neologismo da captura fiscalizatória.
A fiscalização, fundamental pilar da infraestrutura da qualidade no mercado, atua ostensivamente em campo (no comércio em geral ou em fornecedores) e também com base em informações de histórico de irregularidades cometidas, reclamações de usuários de produtos regulamentados e acidentes de consumo, denúncias qualificadas de setores públicos e privados.
Sob o ponto de vista da regulamentação, como forma de evitar ou mitigar os efeitos da captura regulatória é importante o desenvolvimento das análises de impacto regulatório, preservando os princípios da moralidade, impessoalidade e eficiência para alcançar os resultados fazendo o melhor uso dos recursos disponíveis.
Sob o ponto de vista da fiscalização, a exigência de fundamentação das denúncias é imprescindível, assim como a formalização dos processos, decisões por escrito e também a completa postura de imparcialidade dos servidores. A fiscalização é um processo isento e uma competência de poder de polícia que não pode ser delegada a entidades privadas.
A fiscalização se destina a todos os fornecedores e produtos abrangidos pelo regulamento. O que faz uma empresa ser mais ou menos fiscalizada é seu próprio histórico de irregularidades. Esta atividade fortalecida, traz benefícios para toda a sociedade, com produtos atendendo aos requisitos de segurança, entregando mais qualidade para o cidadão.
Quando um setor resolve fazer parceria com o regulamentador ele não pode esperar que seja beneficiado em relação às demais empresas. Nem deve querer escolher quem será fiscalizado ou não.
Uma ameaça que pode ser considerada como desmembramento da captura fiscalizatória é o uso econômico de determinados segmentos para vasculhar sistematicamente indícios de irregularidades de concorrentes. Apesar das vantagens de se obter informação sobre infrações no mercado, a instrumentalização da fiscalização conduzida para determinado fornecedor ou grupo de empresas pode desvirtuar o princípio da isonomia no monitoramento dos entes regulados.
Neste caso, como soluções que podem minimizar a captura das equipes de fiscalização sugere-se:
- Desenvolvimento de recursos humanos altamente especializados nos processos de captação e tratamento de informação, em direito administrativo, capacitados no escopo dos regulamentos, em metodologias de ensaio e requisitos indispensáveis de cumprimento obrigatório;
- Implantação de sistemas informatizados integrados contendo relatórios detalhados de histórico de irregularidades para melhor tomada de decisão;
- Convênios, parcerias ou acordos de cooperação formalizados e com escopo definido, sobretudo no desenvolvimento de infraestrutura técnica capaz de ampliar a autonomia dos agentes públicos na detecção de infrações;
- Planejamento sistemático das ações fiscais de forma a abranger o máximo de entes regulados possíveis no monitoramento;
- Comunicação integrada entre todos os órgãos que atuam na atividade e, principalmente;
- Fortalecimento estratégico da infraestrutura administrativa, tecnológica e regimental no âmbito federal, estadual e municipal para melhor capacidade de coordenação, investigação, atestação, processamento, análise e decisão.
Os mecanismos propostos não se esgotam nas sugestões acima mas podem mitigar o risco de uma possível captura fiscalizatória, com a execução de uma supervisão isenta, eficaz e capaz de obter maior proteção à saúde, segurança humana e ao meio ambiente, em um mercado justo e competitivo.
Bibliografia:
BRASIL, CASA CIVIL. Diretrizes Gerais e Guia Orientativo para Elaboração de Análise de Impacto Regulatório – AIR. Disponível em: < https://www.gov.br/casacivil/pt-br/assuntos/governanca/comite-interministerial-de-governanca/arquivos/diretrizes-gerais-e-guia-orientativo-para-elaboracao-de-analise-de-impacto-regulatorio-pdf >. Acesso em: 03juL 2024.
CARPENTER, Daniel; MOSS, David A.Preventing Regulatory Capture Special Interest Influence and How to Limit It. New York, NY: Cambridge University Press, 2014.
Disponível em: https://tobinproject.org/sites/default/files/assets/Introduction%20from%20Preventing%20Regulatory%20Capture.pdf. Acesso em: 04 jul.2024
LIMA, lana Alves e Fonseca; MASSARD, Elize da. Captura ou não captura? Perspectivas analíticas no estudo de políticas regulatórias. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro 55(3): 625-643, maio – jun. 2021. Disponível em: < https://periodicos.fgv.br/rap/article/view/83615/79288 >. Acesso em: 04 jul.2024
NOHARA, Irene Patrícia. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2012.
SILVESTRE, Matheus Meott. Constituição e metarregulação: mitigando os efeitos da captura regulatória. Dissertação (Mestrado em Direito Constitucional) – Faculdade de Direito, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2016. Disponível em: https://app.uff.br/riuff/handle/1/32542>. Acesso em: 04jul.2024.
Crédito: Ruth Epsztejn, Karine Murad e Sidney Aride – 9/7/2024