Experiência internacional mostra que regras tendem a reduzir o ‘leilão’ das empresas de apostas por espaço publicitário no esporte. Na Europa, restrições buscam combater conflito de interesses e influência sobre jovens
A experiência de outros países com a regulamentação de bets, que têm irrigado os cofres dos principais clubes do futebol brasileiro, deve alterar a forma como essas plataformas de apostas esportivas on-line investem por aqui e colocar um certo freio nas cifras generosas que marcaram a disputa delas por espaço publicitário nas últimas temporadas.
Um levantamento do site Bolavip Brasil, de maio deste ano, mostrou que as bets já correspondiam a quatro em cada cinco patrocínios a times da primeira divisão do Brasileirão. Parte delas ocupa o posto máster, aquele de maior destaque no peito dos uniformes dos atletas.
Um exemplo do que foi essa dinâmica até agora começou a se desenhar em 2022, quando a Pixbet fez uma proposta financeira mais vantajosa e tomou o lugar da Galera.bet como patrocinadora do futebol masculino do Corinthians.
Já neste ano, a empresa apresentou uma oferta para renovar o contrato e manter sua marca estampada na frente da camisa alvinegra. O clube, porém, havia recebido uma proposta melhor da Vai de Bet, no valor recorde de R$ 360 milhões, por três temporadas. O contrato foi encerrado em junho, por decisão da bet, após o uso do dinheiro pelo clube virar alvo de uma investigação policial.
O Brasil ainda está na fase “rouba-monte” dos investimentos das bets, destacam representantes e analistas do setor ouvidos pelo GLOBO, mas a regulamentação deve baixar a poeira da disputa. Em busca da superexposição proporcionada pelos times, essas empresas estavam até agora dispostas a empenhar montantes elevados para conquistar apostadores.
A regulação traz exigências como o pagamento de outorga pela licença para operar por cinco anos e deve afastar as empresas menos sólidas, reduzindo o número de bets competindo por espaço publicitário no futebol, dizem analistas.
— Qualquer mercado regulado passa a ter custos, impostos e deveres. Isso tende a fazer com que a derrama de dinheiro que acontece agora termine. Estava meio rouba-monte. Nos últimos seis meses, isso já diminuiu. Ao mesmo tempo, a regulamentação tende a atrair outros players — diz Ivan Martinho, professor de marketing esportivo do Ibmec.
MAIS SOBRE APOSTAS
Marcos Sabiá, CEO da Galera.bet, concorda que ter a logo exposta na camisa dos times continua sendo um investimento importante para marcas que ainda buscam ser reconhecidas pelos consumidores. Ele aponta, entretanto, que o próximo passo das bets é investir na construção de marca junto aos apostadores, o que deve levá-las a distribuir melhor seus recursos para marketing além do futebol.
— A regulamentação exclui as empresas menos preparadas, sem estrutura de marketing robustas, que não fazem processo de branding (gestão de marca) pensando em longo prazo — afirma Sabiá. — A Galera.bet recentemente passou a diversificar seus investimentos, patrocinando o circuito sertanejo, o Allianz Parque (arena multiúso do Palmeiras) e o carnaval de São Paulo.
Autorregulação
A migração de recursos para outros segmentos, sobretudo o do entretenimento, investindo em shows e eventos culturais, funciona como uma forma de reafirmar que apostas seriam, na verdade, um lazer.
A regulamentação normalmente acompanha a legalização, mostra a experiência internacional. É nesse momento que a publicidade das casas de apostas passa a ser permitida, o que naturalmente leva ao aumento nos patrocínios. O Brasil deve ver o contrário, segundo especialistas: com a regulação, empresas que atualmente patrocinam clubes podem sair do mercado, reduzindo a competição.
— A regulamentação tende a afastar muitas empresas, por conta de uma série de exigências e do valor da outorga. Quando o mercado ficar menor, a tendência é que o dinheiro a ser colocado em publicidade seja reduzido. Os clubes, atletas, mídias, todos devem se preparar para isso. Desde meados do ano passado, já se conversa sobre isso — analisa Rodrigo Capelo, colunista do GLOBO e especialista em negócios do esporte.
Na Europa, mais avançada na regulação das apostas, o futebol já vive outra etapa na relação publicitária com as bets. Entre os mercados que abrigam as cinco grandes ligas do Velho Continente, três vetaram ou colocaram restrições aos patrocínios de marcas de aposta: Reino Unido, Espanha e Itália. França e Alemanha ainda permitem apoio de empresas do setor, mas discutem uma revisão dessas regras.
‘Fair play’
O movimento mais recente se deu na Inglaterra. Em abril do ano passado, os clubes da Premier League proibiram a exibição de marcas de bets na parte da frente das camisas a partir da temporada 2026/27, uma autorregulação que afetou oito das 20 equipes da primeira divisão.
Na Itália, o movimento partiu do governo, em 2019, assim como na Espanha, no ano seguinte. A regulação passou a proibir marcas do setor nos uniformes. Os espanhóis ainda vetaram a venda de naming rights, o direito de dar nome a estádios, às plataformas de apostas.
Por trás desses movimentos estão a preocupação com a lisura do jogo e o esforço para afastar crianças e adolescentes, consumidores intensos de futebol, do mundo das bets, que exige autocontrole e responsabilidade pessoal com o dinheiro.
Os ingleses tratam com especial rigor qualquer movimento que possa ferir a integridade no esporte. Um dos principais jogadores da seleção brasileira, o meio-campista Lucas Paquetá, enfrenta uma investigação que pode bani-lo do esporte. Ele é suspeito de ter agido para receber cartões amarelos em quatro partidas do West Ham para favorecer apostas de parentes e amigos em bets no Brasil.
Transparência
As mudanças levaram empresas e clubes da Europa a se adaptar. No início de julho, a italiana Inter de Milão assinou um acordo com o grupo Betsson, operador de apostas, no valor de € 30 milhões (R$ 183 milhões) por temporada. O conglomerado investe também em plataformas on-line de conteúdo esportivo, informação e entretenimento. Pelas regras italianas, marcas destas atividades podem aparecer nas camisas dos times.
Já na Alemanha, a regulação do mercado — sem veto da liga — proporcionou um ambiente mais transparente e seguro, incentivando parcerias. Clubes como Borussia Dortmund colaboram com grandes operadores de apostas com branding no estádio e campanhas de marketing integradas.
Nos EUA, gigantes do setor possuem direitos para usar as marcas da NFL, a liga de futebol americano, em suas promoções e integrar conteúdos de apostas nas propriedades de mídia da liga, como o site NFL.com e o aplicativo da NFL. Franquias como o New York Jets também têm acordos individuais com bets.
— Essas parcerias não apenas fornecem receitas para os clubes, mas ajudam as empresas de apostas a alcançar um público mais engajado. A regulamentação garante que as parcerias sejam conduzidas de maneira responsável, protegendo consumidores e mantendo a integridade do esporte — detalha Ricardo Bianco Rosada, fundador da consultoria brmkt.co, que atua nas áreas de Estratégia, Branding, Marketing e Desenvolvimento de Negócios.
Crédito: Ana Flávia Pilar , Vitor Seta e João Sorima Neto / O Globo – @ disponível na internet 22/7/2024