Vigilância de Mercado: o pilar que retroalimenta a Infraestrutura da Qualidade

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@reprodução linkedin alexandre soratto
Um dos aspectos fundamentais para o bom funcionamento do mercado é a confiança. Na hora de realizar uma compra, seja um consumidor ou uma empresa, é preciso uma certa dose de confiança no que se está comprando. Se desconfiamos do produto, é possível que não compremos ou que recorramos a mecanismos para garantir a qualidade da aquisição.

Da mesma forma, uma empresa ao comprar um determinado produto, pode optar em montar uma estrutura de recebimento, que pode incluir um laboratório de ensaios, para ter segurança. Toda esta estrutura tem custos.

Outro aspecto negativo da desconfiança é que, diante da incerteza, o consumidor pode optar pelo produto mais barato, como forma de minimizar seu custo em caso de não funcionamento. Esta atitude desestimula as melhores empresas a competir no mercado.

Neste contexto, a Vigilância de Mercado surge como importante pilar da infraestrutura nacional da qualidade, pois contribui para que produtos, processos e serviços cheguem até o comprador final atendendo determinados requisitos de desempenho e segurança.

A vigilância de mercado

A infraestrutura da qualidade é uma das ferramentas para minimizar os custos relativos à qualidade. Além da metrologia, envolve atividades relacionadas a normalização, a certificação e a vigilância de mercado. É sobre este último componente que trataremos neste artigo.

Há uma crença que o selo de conformidade que vemos em muitos produtos garante, por si só, que aqueles produtos atendem às normas em vigor. Infelizmente não é bem assim. O que o selo garante é que a empresa é capaz de produzir aquele produto em conformidade. No entanto, dificilmente haverá o controle total de sua produção por uma terceira parte independente, para garantir que ela de fato esteja seguindo as regras que ela comprovou ser capaz de seguir. Por uma decisão interna, ela pode mudar algum parâmetro no processo produtivo para baratear seus cursos, não comunicar o Organismo Certificador, comprometendo a qualidade de seu produto. Neste caso, teríamos um produto que ostenta o selo de conformidade, mas que não está conforme. Existem empresas de má fé que fazem uso indevido do selo de conformidade, colocando no mercado produtos inseguros e concorrendo de forma desleal.

Por isso é tão importante a vigilância de mercado. É preciso verificar se de fato o produto que está chegando no comércio, mesmo com o selo, está realmente conforme. É neste ponto que se fecha toda uma cadeia de qualidade no mercado.

A importância da vigilância de mercado

O leitor percebe como a vigilância de mercado é tão importante para a Infraestrutura da Qualidade de um país?

Ela é a última instância para assegurar que bens, serviços e processos alcancem o seu propósito com a devida conformidade metrológica e de segurança. Desta forma, a vigilância de mercado preserva a credibilidade dos demais atores e processos que compõem a Infraestrutura da Qualidade, sejam eles do campo da metrologia, da normalização, da acreditação ou da avaliação da conformidade.

De nada adianta criar norma técnica e regulamento para um produto, acreditar certificadores e laboratórios para os ensaios, apor um selo de conformidade, se ao final de todo o processo, o produto chega ao mercado sem preservar todas as características de quando foi certificado.

Por isso é tão importante a vigilância e o acompanhamento desta conformidade no mercado. Sem elaa vigilância de mercado, os demais elementos de uma iInfraestrutura da Qualidade  podem não alcançar seu propósito, ou pior, podem validar verdadeiras fraudes contra o consumidor e o mercado.

No Brasil, o selo de conformidade mais conhecido é o do Inmetro – Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia. Por meio de seus regulamentos nas áreas da metrologia legal e de avaliação da conformidade, o Instituto estabelece a governança sobre o uso de sua marca. Como resultado, traz confiança ao mercado em diversos instrumentos de medição, como balanças e bombas medidoras de combustíveis e em produtos como artigos infantis, eletrodomésticos, peças automotivas, dentre muitos outros itens. É uma marca reconhecida inclusive mundialmente, pois em muitos países é aceita como comprovação de conformidade, evitando a necessidade de uma nova certificação para exportação.

O Papel do Inmetro e dos IPEMs

Para capilarizar a vigilância de mercado em todo o país nas áreas da metrologia legal e de segurança de bens, serviços e processos, e para fiscalizar o uso de sua  marca, o Inmetro delega a institutos estaduais de metrologia a atividade de polícia administrativa relativa a seus regulamentos. Assim, como exemplos de institutos delegados do Inmetro para a vVigilância de mMercado temos, em São Paulo, o IPEM-SP e em Santa Catarina, o IMETRO-SC. Desta forma, especialistas destes institutos percorrem os mercados paulista e catarinense verificando o uso do selo. Além disso, verifica sua ausência nos casos em que é obrigatória, e recolhe amostras para realizar a fiscalização técnica.

Este trabalho de Vigilância de Mercado, bem como dos demais órgãos delegados do Inmetro, traz uma importante contribuição para a Infraestrutura da Qualidade do Brasil. Ele funciona como uma espécie de retroalimentador para análise crítica e melhoria dos demais componentes da Infraestrutura da Qualidade. Por exemplo, ao vigiar se as empresas e seus produtos estão cumprindo os requisitos regulamentares, o órgão fiscalizador pode identificar lacunas ou falhas cuja origem pode estar em um processo de medição, de certificação ou da acreditação, ou em um regulamento da avaliação da conformidade, ou até mesmo em uma norma técnica. Ao identificar e reportar estas falhas ao Inmetro, retroalimenta-se o processo em que foi identificada a falha, gerando análise crítica e uma oportunidade de melhoria.

Isto porque a Vigilância de Mercado verifica, não somente  os aspectos formais relativos ao uso do selo, mas também os aspectos técnicos, aqueles mesmos que foram observados durante o processo de certificação. Neste contexto, é preciso entender que a vVigilância de mMercado não é sinônimo de fiscalização. Ela é mais ampla, sendo a fiscalização uma das suas partes. É importante esta distinção, porque enquanto a fiscalização é uma prerrogativa do estado, a vigilância pode ser realizada por diversos atores, como as próprias certificadoras, as associações que representam setores, as empresas, os consumidores, etc.

O caso dos fios e cabos elétricos

A Vigilância de Mercado existe em todo mundo e é o pilar da infraestrutura da qualidade mais próxima dos consumidores. É quem garante que a confiança construída em todas as fases da certificação, por exemplo, tenha a eficácia pretendida. Sem ela, uma marca de conformidade poderia perder sua credibilidade, o que comprometeria todo este sistema, que tantos benefícios traz para o mercado. Uma Infraestrutura da Qualidade com uma Vigilância de Mercado precária ou inexistente corre sério risco de possibilitar que produtos não conformes, mas com o selo de conformidade, circulem livremente no mercado. Neste caso, o selo de conformidade torna-se irrelevante como critério de distinção entre produtos bons e ruins, além de chancelar fraudes. Consequentemente, colocam em risco a segurança dos consumidores, prejudicam o comércio justo e impedem a concorrência leal.

O caso dos fios e cabos elétricos no Brasil ilustra claramente a importância da Vigilância de Mercado. Em 2023, o Inmetro reprovou 12 marcas de fios e cabos elétricos durante uma operação de fiscalização. Assim sendo, as inspeções revelaram que muitas dessas marcas estavam utilizando menos cobre do que o necessário ou mesclando cobre com outros metais menos nobres. Essas práticas comprometem a capacidade de condução elétrica dos fios, aumentando o risco de curtos-circuitos, desperdício de energia e incêndios.

Produtos não conformes, como os fios e cabos com menor quantidade de cobre, aumentam significativamente o risco de acidentes elétricos, incluindo curtos-circuitos e incêndios.  Além disso, produtos de baixa qualidade podem falhar prematuramente, resultando em custos adicionais para os consumidores e possíveis danos à propriedade.

Garantindo um mercado confiável e seguro

Marcos Guerson – Superintendente IPEM/SP e ex Presidente do Inmetro ( 2020 a 2022).

A presença de produtos não conformes no mercado representa uma fraude ao consumidor, que paga por um produto que não entrega o desempenho prometido. Por isso, é preciso garantir a transparência e a veracidade das informações fornecidas pelos fabricantes.

Empresas que seguem as normas e investem na qualidade de seus produtos são prejudicadas pela concorrência desleal de fabricantes que reduzem custos usando materiais inferiores. Com o tempo, estas empresas podem deixar o mercado, que passa a ser dominado pelos fabricantes com baixa qualidade, trazendo prejuízos e risco para os consumidores. Produtos de baixa qualidade podem levar a

Presidente do Instituto de Metrologia de Santa Catariana (IMETRO/SC), Pesquisador do Inmetro, Doutor em engenharia e gestão do conhecimento

custos elevados de manutenção e substituição.

Além de levarem risco para os consumidores e provocarem um aumento do consumo de energia, estas fraudes colocam em xeque o trabalho de vários atores da Infraestrutura da Qualidade no Brasil como, por exemplo, o próprio Inmetro, que é o Órgão regulador da segurança de fios e cabos elétricos, os organismos certificadores, os laboratórios de ensaios, e nós mesmos, os Órgãos de Vigilância de Mercado. Por isso a importância de se priorizar o combate às fraudes contra a metrologia legal e a avaliação da conformidade de produtos.

A vigilância de mercado é essencial para manter a integridade da infraestrutura da qualidade de uma nação. Ela é o pilar que sustenta a credibilidade e retroalimenta todo o sistema. O exemplo dos fios e cabos elétricos não conformes no Brasil destaca a importância de inspeções rigorosas e regulares para garantir que os produtos vendidos no mercado sejam seguros e de alta qualidade. Sem essa vigilância, consumidores e empresas seriam expostos a riscos desnecessários e prejuízos econômicos, minando a confiança no sistema de certificação e na qualidade dos produtos disponíveis no mercado.

Crédito: Eng. Marcos GuersonEng. Alexandre Soratto / disponível no Linkedin de Alexandre Soratto 14/9/2024

5 Comentários

  1. Parabéns pela explicação e valorização do serviço do Instituto. Tenho uma pergunta específica : caso o Inmetro vire uma carrera de Estado poderá ainda delegar a atividade de fiscalização a entes estaduais? Ressalto não ser uma crítica apenas uma dúvida mesmo!

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