Reforma Administrativa: Um Contraponto à Visão da CNC sobre a Dívida Pública

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A Confederação Nacional do Comércio (CNC) defende que a reforma administrativa é crucial para conter o avanço da dívida pública e, por conseguinte, proteger o setor empresarial e a economia nacional. No entanto, essa visão simplifica questões estruturais complexas e pode desconsiderar os reais impactos de tais reformas sobre o serviço público, o crescimento econômico e a sociedade como um todo.

A Reforma Administrativa e a Eficiência do Estado

A CNC argumenta que a reforma administrativa geraria uma economia de R$ 330 bilhões em 10 anos, alegando que a falta de controle sobre os gastos públicos é a principal causa do aumento da dívida. No entanto, esse raciocínio ignora outros fatores fundamentais que também pressionam a dívida pública, como as elevadas taxas de juros e a falta de uma reforma tributária progressiva. Reduzir o gasto público sem considerar a qualidade dos serviços prestados pode comprometer setores essenciais, como saúde, educação e segurança, que são pilares para o desenvolvimento de uma economia próspera e competitiva.

A eficiência do setor público não se trata apenas de cortar custos, mas de aprimorar a gestão, garantir transparência e fortalecer a capacidade do Estado de fornecer serviços de qualidade. A reforma administrativa proposta pelo governo, muitas vezes apoiada por entidades como a CNC, prioriza cortes de pessoal e redução de salários, o que pode enfraquecer ainda mais áreas já precarizadas do serviço público, sem necessariamente resolver os problemas de gestão e planejamento orçamentário.

O Peso da Dívida Pública: Causas e Soluções

O argumento de que a dívida pública brasileira está fora de controle devido aos gastos públicos também merece ser questionado. Grande parte da dívida pública é influenciada pelo elevado custo do serviço da dívida, ou seja, os juros pagos aos detentores dos títulos públicos. Esse custo, em grande parte, é resultado de uma política monetária que, ao longo de décadas, priorizou a manutenção de altas taxas de juros para conter a inflação, o que beneficia o setor financeiro, mas prejudica o crescimento econômico e a capacidade de investimento do Estado. Portanto, reduzir a dívida pública requer, além de ajustes fiscais, uma reforma profunda no sistema financeiro e na política monetária.

A CNC também menciona que a dívida pública limita os investimentos em infraestrutura, saúde e educação, áreas fundamentais para a competitividade empresarial. Contudo, ao focar na redução de gastos sem considerar a importância estratégica desses setores, a CNC desconsidera que investimentos públicos robustos em áreas como educação de qualidade e infraestrutura são precisamente o que garante uma base sólida para o crescimento do setor privado e o desenvolvimento sustentável da economia.

A Falsa Correlação entre Carga Tributária e Competitividade

A CNC critica a carga tributária brasileira, considerando-a alta em comparação com padrões internacionais. No entanto, é importante destacar que países com cargas tributárias elevadas, como os países nórdicos, também apresentam altos índices de competitividade e desenvolvimento humano. A questão não é apenas o nível de tributação, mas como os recursos arrecadados são utilizados. Uma reforma tributária que aumente a progressividade dos impostos e reduza a carga sobre os mais pobres e a classe média poderia melhorar a distribuição de renda e promover um crescimento econômico mais equilibrado.

A reforma administrativa, por si só, não resolverá os problemas de competitividade do Brasil se não for acompanhada por uma reforma tributária justa, que alivie o peso fiscal sobre os trabalhadores e pequenos empresários e aumente a contribuição dos setores mais ricos da sociedade.

Sérgio Ballerini é Mestre em Sistema de Gestão; Analista Executivo em Metrologia e Qualidade; Servidor público federal aposentado. Presidente do ASMETRO-SI
O Impacto da Reforma Administrativa no Setor Empresarial

A CNC sugere que, sem a reforma, o empresariado será o mais prejudicado pela deterioração econômica. No entanto, é importante ponderar que a degradação dos serviços públicos essenciais pode também afetar diretamente o setor empresarial.

Empresas dependem de infraestrutura pública, uma força de trabalho educada e saudável, além de um ambiente de negócios estável e eficiente. Reduzir investimentos nesses setores em nome de ajustes fiscais pode ter um efeito contrário ao desejado, prejudicando a capacidade das empresas de inovar e competir no mercado global.

A visão da CNC de que a reforma administrativa é uma solução indispensável para conter a dívida pública e promover o crescimento econômico ignora nuances importantes da questão fiscal e econômica do Brasil.

O verdadeiro desafio está em buscar uma gestão pública mais eficiente, sem sacrificar os direitos dos servidores públicos ou comprometer os serviços essenciais que sustentam a economia e a sociedade.

Além disso, é imperativo considerar que a sustentabilidade econômica exige também uma reforma tributária progressiva e a revisão da política de juros, para que o Brasil possa equilibrar suas contas públicas sem comprometer seu desenvolvimento.

Sérgio Ballerini 3/10/2024


A reforma administrativa é a bola da vez.  asmetro.org.br/portalsn/2024/10/02/a-reforma-administrativa-e-a-bola-da-vez/

3 Comentários

  1. Reconheço e compartilho a preocupação em defender o serviço público na discussão sobre a reforma administrativa. No entanto, acredito que a análise poderia se aprofundar mais nas instituições que, mesmo enfrentando desafios de recursos e estrutura, continuam a entregar serviços essenciais com eficiência e qualidade. O SUS, a ANVISA e o Inmetro são exemplos claros disso. Mesmo com orçamentos limitados, essas entidades mantêm um padrão de excelência no atendimento à população, protegendo a sociedade, inclusive os setores representados pela CNC. Parabenizo o Ballerini por destacar a importância das instituições do executivo federal, que são fundamentais para a segurança, saúde e qualidade de vida da nossa sociedade.

  2. Parabéns, Ballerini, pela brilhante defesa dos servidores públicos na questão da reforma administrativa. Sua clareza ao expor os contrapontos foi essencial para destacar as preocupações legítimas sobre os impactos dessa reforma, especialmente no que tange à preservação dos direitos dos servidores e à garantia de um serviço público de qualidade para a sociedade. Uma bela defesa em um momento tão importante para o futuro da administração pública.

    Edson

  3. Muito bom.o artigo Ballerini. Desmistifica o mantra defendido por setores da economia de que o problema se resume aos gastos no serviço público. Sua abordagem sobre a dívida pública deixa bem claro qual é o verdadeiro pro lema. No fundo o que eles defendem vai na contramao do que o Ministério da Gestão está propondo. No fundo querem.um estado mínimo e que o mercado de as cartas.

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