Na última quarta-feira, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que visa substituir a atual escala de seis dias de trabalho por um de descanso atingiu o número necessário de assinaturas para ser protocolada na Câmara dos Deputados.
Popularmente conhecida como “PEC 6×1”, a proposta, de autoria da deputada Erika Hilton (PSOL-SP), propõe a implementação de uma escala 4×3. Nesse modelo, os trabalhadores teriam quatro dias de trabalho seguidos por três de folga, com garantia de manutenção dos salários nos níveis atuais.
De acordo com a advogada trabalhista do escritório Bento Muniz Advocacia, Rebecca Paranaguá Fraga, a escala 6×1 não está regulamentada de forma expressa na CLT. Ela é extraída a partir de uma interpretação conjunta do art. 58 da CLT, que determina a duração do trabalho em até 8 horas diárias; do art. 67, também da CLT, que assegura a todo empregado um descanso semanal de 24 horas consecutivas; e do art. 7º, XIII, da Constituição Federal, que estabelece uma jornada de trabalho de até 44 horas semanais.
“Na Constituição Federal, no art. 7º, XIII, possibilita a flexibilização da jornada de trabalho por meio de compensação de horas e redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho e traz a possibilidade de criação de banco de horas.
É permitido também o uso de escalas alternativas, como 12×36, além de modalidades de trabalho com jornadas parciais e intermitentes, o que pode flexibilizar a escala de trabalho. Tudo isso, desde que respeitado o descanso semanal mínimo de 24 horas, e a jornada semanal de 44 horas”, complementa a especialista.
A proposta original apresentada pela deputada em 1º de maio vai além de abolir a escala 6×1. Ela também sugere reduzir a carga horária semanal máxima de 44 para 36 horas, sem diminuição salarial, com o objetivo de preservar o poder de compra e garantir a estabilidade econômica dos trabalhadores, fatores essenciais para seu sustento e para a dinamização da economia.
Segundo Hilton, a meta de 36 horas semanais é uma base para fomentar o debate sobre o tema. O texto defende que a redução da jornada de trabalho traria benefícios como a melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores, ganhos de produtividade e a criação de mais empregos.
Agora que a PEC alcançou o número necessário de assinaturas para ser protocolada na Câmara dos Deputados, ela será submetida à análise de admissibilidade pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) para avaliar se os princípios da constituição estão sendo seguidos. Caso aprovada pela CCJ, a proposta será encaminhada para uma Comissão Especial, que poderá sugerir alterações ao texto original.
Após essa etapa, a PEC seguirá para o plenário da Câmara, onde precisará obter, pelo menos, 308 votos favoráveis em dois turnos de votação. Se aprovada, a proposta será enviada ao Senado, onde também deverá passar por votação e precisará do apoio mínimo de 49 senadores para ser aprovada.
Riscos e oportunidades
Embora a redução da jornada de trabalho possa trazer benefícios à qualidade de vida dos empregados, ela também apresenta riscos que podem impactar negativamente o mercado brasileiro. Segundo Rebecca Paranaguá Fraga, “o primeiro ponto a ser destacado são os custos que as empresas terão. Ao inviabilizar a jornada 6×1, será necessário contratar mais empregados e realizar mais pagamentos de horas extras. Essa mudança na jornada terá um impacto financeiro significativo nos setores afetados, o que inevitavelmente refletirá no preço de produtos ou serviços, transferindo esses custos para o consumidor”.
A advogada também ressalta que a alteração geraria complicações nas negociações entre empregados, empregadores, sindicatos e empresas. “Isso exigiria a revisão de convenções coletivas e contratos previamente firmados, interferindo no princípio da livre negociação e na liberdade contratual entre empregado e empregador. Assim, as peculiaridades de cada atividade poderiam ser desconsideradas, complicando ainda mais o cenário”, conclui.
Além disso, a diminuição das horas trabalhadas pode limitar a capacidade produtiva em determinados setores, dependendo de como as empresas se adaptarão. A medida também pode fomentar a informalidade, incentivando a contratação de autônomos e profissionais como Pessoa Jurídica (PJ). “É importante considerar que os países que adotaram essa política possuem alta produtividade e economias estabilizadas, um contexto bastante diferente do mercado brasileiro”, ressalta Rebecca. “Para determinados setores a escala 6×1, acaba sendo o ideal, mas a discussão é válida”, completa.
Escala 4×3 pelo mundo
A redução da jornada de trabalho vem se tornando uma tendência ao redor do globo. Países como Alemanha, Bélgica, Escócia, Islândia, Suécia e Nova Zelândia já fizeram testes sobre jornadas reduzidas
Entre junho e dezembro de 2022, uma pesquisa realizada pelo instituto Autonomy na Inglaterra avaliou o impacto da redução da jornada de trabalho para quatro dias semanais em 61 empresas de diversos setores. Os resultados mostraram que, mesmo com um dia adicional de folga, a produtividade não foi prejudicada, contrariando o senso comum sobre o tema. A iniciativa agradou tanto funcionários quanto empregadores, e 92% das empresas decidiram adotar permanentemente o modelo após o estudo.
Crédito: Maria Eduarda Lavocat / Correio Braziliense – @ disponível na internet 22/11/2024