ASSIBGE-SN: Carta à sociedade brasileira e à comunidade científica

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Decisões recentes da atual Direção do IBGE estão colocando em risco a soberania geoestatística brasileira. A criação de uma fundação de direito privado para gerir a “inovação tecnológica” dentro do órgão, feita sem consulta aos quadros técnicos, à comunidade científica e à sociedade, abre um flanco perigoso e sem precedentes para a interferência de interesses privados no sistema geoestatístico nacional.

O Sindicato Nacional dos Trabalhadores do IBGE (ASSIBGE-SN) alerta e convoca a comunidade científica e a sociedade em geral a defender o IBGE, cobrando da atual gestão a abertura ao diálogo e a interrupção do projeto da fundação de direito privado.

Defendemos a previsão constitucional da produção de informações geocientíficas e estatísticas oficiais como atividades típicas de Estado e o fortalecimento do IBGE como órgão estratégico na defesa da democracia e da soberania nacional brasileira.

A produção de estatísticas e informações geocientíficas oficiais é um elemento indispensável ao funcionamento do sistema democrático.

Estatísticas públicas construídas com qualidade técnica, isenção política, métodos consolidados e processos transparentes são fundamentais para orientar a ação dos governos, empresas, pesquisadores e população em geral, bem como para possibilitar a avaliação do desempenho dos governantes pelos cidadãos.

Por estes motivos, historicamente na maioria dos países, as estatísticas oficiais constituem atividade típica de Estado, ou seja, não podem e não devem ser delegadas à iniciativa privada, sob o risco de comprometer o direito dos cidadãos à informação pública, gratuita e de qualidade, além de limitar a autonomia e a capacidade do interesse público em desenvolver as estatísticas nacionais.

Na etapa atual do desenvolvimento histórico da humanidade, vivemos uma transição para uma economia com grande relevância da produção digital, em que dados e informações se tornam estratégicos para o desenvolvimento nacional e para disputas no cenário geopolítico. Apesar de abrirem importantes possibilidades para o aprimoramento da vida humana em diversas áreas, os fenômenos da digitalização e dataficação, entretanto, têm envolvido um perigoso avanço de grandes corporações privadas transnacionais de tecnologia (Big Techs) sobre dados de interesse público.

Transformados em mercadorias, dados que poderiam contribuir para a prosperidade de todos, tendem a ampliar processos de exclusão econômica e social. Além disso, amplia-se a assimetria entre os países do Norte e Sul Global à medida que dados estratégicos são extraídos e controlados pelas Big Techs sediadas em países estrangeiros.

Neste contexto de riscos à soberania nacional, o papel de instituições nacionais de estatística, a exemplo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), enquanto guardiões de dados públicos de interesse da coletividade e da nação, ganha ainda mais relevância. A criação da fundação de direito privado intitulada de IBGE+ pela gestão Pochmann pegou todo o corpo técnico do IBGE de surpresa.

Não houve discussão prévia sobre o assunto com os trabalhadores da casa. O fato torna-se ainda mais grave em face da promoção pela atual gestão de duas grandes etapas de “diálogos” com os trabalhadores da casa (em agosto de 2023 e maio 2024) e de uma conferência com os usuários externos das informações do IBGE (em agosto de 2024), em que se discutiu o fortalecimento do sistema estatístico e geocientífico nacional. Nas ocasiões não houve menção a este projeto, que vinha sendo trabalhado paralelamente e em segredo desde pelo menos Janeiro de 2024, conforme demonstram ofícios entre a presidência e a procuradoria do IBGE.

 A utilização posterior destes eventos para respaldar a fundação IBGE+ é um ato de desrespeito à participação bem-intencionada dos servidores e usuários do IBGE, o que compromete a credibilidade da instituição.

Com o objetivo de debater a criação da Fundação Pública de Direito Privado IBGE+ e seus impactos para produção de dados geoestatísticos, a Comissão de Legislação Participativa da Câmara de Deputados Federais, convocou uma Audiência Pública no dia 10/12/2024. Participaram da Audiência a Diretoria Executiva da ASSIBGE, a representação dos servidores no Conselho Curador da Fundação IBGE+; a Presidente da Associação de Auditoria de Controle Externo do TCU; e o Procurador Federal Especializado junto ao IBGE. A exceção do Procurador do IBGE, um dos mentores na criação da Fundação, todos os presentes, incluindo Parlamentares, foram enfáticos em ressaltar os riscos que a fundação trará para o sistema geoestatístico nacional. Entre os riscos apontados estão:

✔ Risco de captura da produção de informações estatísticas e geocientíficas por interesses privados, na medida em que a Fundação poderá atuar vendendo pesquisas e levantamentos ao setor privado.

✔ Risco jurídico, já que a criação contrariou o entendimento jurídico predominante, segundo o qual a criação de uma fundação pública de direito privado demanda autorização em lei específica.

✔ Risco à autonomia do IBGE, na medida em que a Fundação permite a contratação ilimitada de pessoas externas em cargos de livre nomeação.

 ✔ Risco à credibilidade do IBGE, já que o IBGE+, composto por pessoas externas ao verdadeiro IBGE, poderá produzir pesquisas e levantamentos sem os padrões de qualidade e independência do IBGE.

Assim, em virtude das consequências da Fundação IBGE+ para o IBGE de verdade e para o país, ASSIBGE-SN convoca toda a sociedade, em especial a Comunidade Científica, para debater os impactos da privatização das estatísticas nacionais e lutar por um IBGE que produza informações públicas, gratuitas e de qualidade.

 Executiva Nacional da ASSIBGE- Sindicato Nacional

14/1/2024

Carta_a_sociedade_brasileira_e_a_comunidade_cientifica.pdf

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