Como o dentista pode salvar sua vida? Problemas de saúde podem produzir sinais na boca
Mais de 100 problemas de saúde podem produzir sinais na boca e, por isso, esse profissional pode suspeitar de desajustes em outras partes do corpo; confira alguns deles
“Abra bem”. Esta é nossa principal tarefa quando nos sentamos na cadeira do dentista. E talvez imaginemos que o dentista também tem só uma tarefa: avaliar a condição dos nossos dentes.
Mas procurar cáries, placas bacterianas e doenças gengivais é apenas uma parte do processo. Os dentistas têm um ponto de vista privilegiado para ser a primeira linha de defesa na identificação de problemas em todo o corpo. Mais de 100 problemas de saúde podem produzir sinais na boca, de acordo com a Associação Americana do Coração, e a formação em odontologia possibilita que esses profissionais identifiquem pistas reveladoras nos dentes, gengivas, língua, palato, lábios, mandíbula, face e pescoço.
“As pessoas precisam ver os dentistas como uma parte indispensável da equipe de saúde”, diz Christine Riedy, professora associada de saúde pública bucal e epidemiologia na Harvard School of Dental Medicine. “Algumas pessoas descrevem a boca como a porta de entrada para o corpo, e a saúde bucal como o canário na mina de carvão. E é isso mesmo. Os dentistas conseguem enxergar coisas que indicam outras coisas que estão acontecendo no corpo”.
Quais problemas os dentistas conseguem detectar e quais sinais eles procuram? Confira alguns a seguir.
Câncer bucal
Manchas ásperas, caroços, inchaços ou sangramento inexplicável na boca podem sinalizar cânceres de cabeça e pescoço, assim como irregularidades na face, lábios, mandíbula ou pescoço.
Embora as neoplasias malignas de cabeça e pescoço representem apenas cerca de 4% de todos os cânceres nos Estados Unidos (no Brasil, fala-se em 3%), elas são mais prevalentes em adultos mais velhos. “Manchas de mucosa mais vermelhadas ou esbranquiçadas, bem como caroços ou feridas, são algumas das coisas que os dentistas considerariam suspeitas”, diz Christine. “Consultar seu dentista regularmente é muito importante para detectar essas alterações”.
Cerca de 9% dos americanos foram diagnosticados com diabetes, mas se estima que 23% dos adultos que têm a doença não sabem disso, de acordo com o Institutos Nacionais de Saúde (no Brasil, a estimativa é de que 20 milhões de pessoas convivam com a doença).
Quando os níveis de açúcar no sangue estão elevados, eles também se elevam na saliva.
As bactérias da placa dentária se alimentam dessa saliva, causando inflamação e sangramento nas gengivas. O diabetes também pode causar boca seca e infecções que demoram mais para cicatrizar. “Alguns dentistas acrescentaram os testes de HbA1c [que medem os níveis médios de açúcar no sangue nos últimos três meses] a seu kit de ferramentas de triagem para entender melhor se um paciente tem diabetes”, informa Christine.
Acredita-se que mais de um quarto dos adultos americanos tenha apneia do sono – um padrão de lapsos frequentes na respiração durante o sono, geralmente acompanhado de ronco intenso. Se não for tratado, esse problema aumenta o risco de doenças graves, como doenças cardíacas, diabetes e derrame.
Os dentistas suspeitam de apneia do sono quando observam aumento das amígdalas, da língua ou dos músculos da mandíbula, além de garganta vermelha ou sinais de ranger de dentes. “Como as pessoas com apneia do sono dormem com a boca aberta, elas podem ficar com a boca seca, o que também cria um ambiente propício para doenças bucais”, ensina Christine.
Osteoporose
Quatro vezes mais comum em mulheres do que em homens, a perda progressiva da densidade óssea que caracteriza a osteoporose pode aparecer em radiografias dos dentes e da mandíbula.
Perda de dentes ou dentes soltos também podem ser um indício. “Com a perda de densidade óssea, o osso da mandíbula fica mais fraco e os dentes perdem a estabilidade”, justifica a especialista.
Refluxo ácido
O esmalte corroído nos dentes de trás é um indício importante de que alguém tem refluxo ácido. “As pessoas podem ter azia e não perceber que o ácido gástrico chegou à boca”, observa ela. “Elas acham que o problema está concentrado apenas no peito”.
Distúrbios alimentares
Surpreendentemente, comenta Christine, os dentistas costumam ser os primeiros profissionais de saúde a identificar os sinais de distúrbios alimentares, principalmente entre as pessoas que forçam vômito depois de comer.
Muitas pessoas com distúrbios alimentares – que afetam meninas e mulheres duas vezes mais do que meninos e homens – entram em ciclos de compulsão alimentar e vômito que não afetam substancialmente seu peso ou aparência. “Olhando de fora, talvez não pareça que elas tenham qualquer distúrbio alimentar, mas os dentistas conseguem ver a deterioração dos dentes posteriores e a erosão do esmalte devido ao ácido”, diz ela.
Os dentistas só vão acabar com nossos problemas de saúde – seja na boca ou em qualquer outro lugar – se marcarmos uma consulta. Mas, embora devamos ir ao dentista a cada seis meses, muitas pessoas acham que essa recomendação é opcional. Apenas dois terços dos adultos americanos visitaram o dentista no ano passado, de acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças. (Um estudo realizado pela Associação Brasileira da Indústria de Dispositivos Médicos, com apoio do Conselho Federal de Odontologia e executado pela consultoria italiana Key-Stone, revelou que 32% dos brasileiros não foram ao dentista no último ano)
Por que essa frequência tão baixa? Em grande parte, é o medo, afirma Christine. Estima-se que 15% das pessoas em todo o mundo relatem ansiedade odontológica – mulheres com mais frequência do que homens, de acordo com um estudo de abril de 2023 na Health Affairs.
Seja por dor, agulhas ou perda de controle, vários aspectos do atendimento odontológico podem contribuir para a relutância em ir ao dentista – além de uma consulta desagradável no passado ou um constrangimento em relação à saúde bucal. Algumas pessoas não gostam quando o dentista ou higienista chegam perto de seu rosto. Outras se preocupam com seu hálito.
Mas há maneiras de recuperar um estado de espírito mais calmo na cadeira do dentista. Christine sugere essas estratégias:
- Distração: Ouça música ou um podcast com fones de ouvido. Alguns dentistas também oferecem músicas ou vídeos que ajudam a desviar sua atenção. “Tente se concentrar em algo que não seja o que está acontecendo na sua boca”, orienta a especialista.
- Técnicas de relaxamento: A meditação pode reduzir os níveis de estresse, e “a respiração profunda diminui a frequência cardíaca e ajuda você a ter mais controle”, diz Christine.
- Sedação: Pergunte ao dentista se ele pode administrar medicamentos que acalmam e relaxam durante o tratamento, como óxido nitroso (gás hilariante). Alguns dentistas fornecem receita para um sedativo oral que você pode tomar em casa antes da consulta, desde que tenha alguém para levar você ao consultório.
- Leve uma companhia: “Ter alguém em quem você confia para ir à consulta pode ajudar a reduzir um pouco da ansiedade”, nota Christine.
Tirando o máximo de seus check-ups odontológicos
Se seu dentista perceber sinais de outro problema de saúde, ele provavelmente vai encaminhar você a seu médico de atenção primária ou a um especialista. Mas você também pode facilitar a coleta do maior número possível de informações úteis durante os check-ups odontológicos.
“Pode parecer básico, mas muitas vezes seu dentista vai perguntar se você tem alguma queixa de saúde”, avisa Christine. “Compartilhar seu histórico de saúde e quaisquer atualizações pode ser muito importante, e fazer perguntas é fundamental”.
Também é essencial expressar qualquer preocupação com a saúde ao seu dentista, assim como você faria com seu médico de cuidados primários. Você pode achar que um problema com outro aspecto da saúde não tem nada a ver com sua saúde bucal, mas não é bem assim. “Assuma a responsabilidade por seus próprios cuidados”, diz ela.
ATENÇÃO/Isenção de responsabilidade: este conteúdo, independentemente da data, não deve ser usado como substituto da orientação médica direta de seu médico ou de outro profissional qualificado. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
Crédito: Maureen Salamon (Harvard Health Publishing) com a tradução de Renato Prelorentzou / O Estado de São Paulo – @ disponível na internet 27/1/2025