Um padrão, segundo o dicionário Houaiss, é uma “base de comparação consagrada como modelo por consenso geral ou por determinado órgão oficial”. Na metrologia, o termo padrão (no caso, padrão de medição) é definido como sendo a “realização da definição duma dada grandeza, com um valor determinado e uma incerteza de medição associada, utilizada como referência”, podendo este ser nacional ou internacional; nesse último caso, quando este padrão é reconhecido pelos signatários dum acordo internacional, tendo como propósito a sua utilização mundial.
Quando falamos em um padrão, portanto, estamos falando de algo que serve para ser usado como referência de comparação. Comparar é uma forma de compreender e julgar as características daquilo que está sendo analisado e assim tomar decisões de forma mais justa possível, o que torna imprescindível a existência de um padrão a ser usado nessa comparação. Não ter ou não seguir padrões impossibilita comparação e julgamento; nesse caso, cada modo de fazer e analisar algo (ou alguém) é totalmente diferente do outro.
Em termos de acreditação, cada elemento que compõe essa atividade precisa ser definido, enquanto a atividade per se obrigatoriamente precisa ser executada seguindo de forma padronizada. Assim, a definição para a atividade de acreditação foi estabelecida e adotada internacionalmente, o que significa que todo e qualquer país deve ter o mesmo entendimento sobre essa atividade. Do mesmo modo, a forma pela qual a atividade técnica de acreditação (sim, a atividade de acreditação é de viés técnico!) é realizada deve ser essencialmente a mesma, tanto internacionalmente, quanto internamente no país. Em todos os casos, há um padrão a ser seguido na atividade de acreditação!
Quais são os padrões em acreditação, estabelecido internacionalmente para esta atividade?
O primeiro padrão internacional para esta atividade é a norma técnica ISO/IEC 17011 (no Brasil, traduzida e publicada pela ABNT como ABNT NBR ISO/IEC 17011 – Avaliação da Conformidade – Requisitos para os organismos de acreditação que acreditam organismos de avaliação da conformidade). Em síntese, essa norma traz requisitos para os organismos de acreditação (empresas que realizam a atividade de acreditação, doravante OA) que se referem ao seu funcionamento, de maneira que esses organismos de acreditação atuem com competência técnica, operação consistente e imparcialidade. Essa norma é base para o reconhecimento internacional da atividade de acreditação, da qual deriva-se o reconhecimento internacional da atividade dos organismos de avaliação da conformidade (doravante OAC).
O reconhecimento internacional do OA é pré-requisito para o reconhecimento internacional das atividades do OAC (certificação, inspeção, ensaio, calibração, etc.). Ao se estruturarem e funcionarem segundo a ISO/IEC 17011, os OA localizados em cada país passam a atuar de modo equivalente. A verificação da conformidade aos requisitos da ISO/IEC 17011 dá-se por meio de uma sistemática conhecido como “avaliação de pares” (peer evaluation), que em suma é avaliação precisa e rigorosa das suas operações, realizada por equipes de profissionais competentes que atuam em seus OA em outros países. A equipe de avaliação de pares é responsável por assegurar que o OA solicitante atenda completamente às normas internacionais e documentos de aplicação relevantes estabelecidos pelos foros internacionais de acreditação (IAF e ILAC).
Note que se um OA trabalha de modo competente e equivalente aos demais OA de outros países isso significa que ele trabalha de modo aderente a ISO/IEC 17011. Não é possível assegurar competência e equivalência de um OA se ele não é aderente a essa norma. E se não é possível assegurar o atendimento cabal a essa norma, então não é possível confiar (a confiança é a base de todo esse sistema) que as acreditações de OAC que esse OA fez se constituem, de fato, em acreditações de OAC competentes e imparciais. Logo, o valor da acreditação (que é a possibilidade dos produtos e serviços nacionais que um OAC acreditado num determinado país avaliou e atestou poderem ser comercializados noutro país sem terem que passar novamente por novas avaliações e atestações) perde-se totalmente. Não é preciso muito esforço lógico para entender que OAs que não são aderentes a ISO/IEC 17011 prejudicam o acesso a mercados internacionais dos produtos e serviços de seus respectivos países.
Segundo a norma ISO/IEC 17011, um OA deve desenvolver ou adotar esquemas de acreditação. Define-se esquema de acreditação como sendo “as regras e processos relativos à acreditação de organismos de avaliação da conformidade aos quais os mesmos requisitos são aplicáveis”. Esses requisitos incluem, mas não se limitam, às normas ISO/IEC 17020, ISO/IEC 17021, ISO/IEC 17025, ISO/IEC 17024, ISO 17034, ISO/IEC 17043, ISO/IEC 17065, ISO 15189 e ISO 14065. Esses esquemas determinam como a competência técnica e a imparcialidade de um OAC será verificada e atestada, se constituindo assim em um padrão pelo qual os OAC devam se estruturarem e funcionarem. Se um OAC deseja ser acreditado, esse OAC será avaliado pelo OA segundo os requisitos técnicosestabelecidos no respectivo esquema de acreditação.
Acreditação pressupõe uma avaliação técnica. Quem pensa que acreditação é carimbar papel e emitir certificado, ainda não entendeu patavina sobre o que é acreditação.
Esses esquemas de acreditação, como dantes explicado, incluem diversas normas técnicas que e desenvolvidas com o objetivo de promover a confiança na operação dos OAC, trazendo uma série de requisitos gerais, de modo a permitir que eles demonstrem que operam competentemente, imparcialmente e de forma consistente. Além dessas normas, a ISO/IEC 17011 determina que o OA estabeleça procedimentos documentados para avaliar a competência de um organismo de avaliação da conformidade. Há, por exemplo, procedimentos documentados para descrever as técnicas de avaliação utilizadas, as circunstâncias nas quais elas são utilizadas e as regras para determinação da duração da avaliação.
Esses procedimentos levam em consideração, dentre outros, as normas técnicas internacionais que compõem os esquemas de acreditação. A título de exemplo, um OA que faz a acreditação de organismos de inspeção (um OAC que faz a atividade de inspeção), o faz segundo a norma ABNT NBR ISO/IEC 17020 e um procedimento específico que trata da forma pela qual o OA irá fazer a avaliação desses organismos de inspeção (“procedimento X”); pode também ter um procedimento (“procedimento Y”) que estabeleça requisitos para a calibração e verificação de linhas de inspeção (aplicável, por exemplo, na área de inspeções de veículos automotores). O conjunto composto pela norma ABNT NBR ISO/IEC 17020 e os procedimentos X e Y é o que chama-se esquema de acreditação.
Sem um esquema de acreditação que estabeleça a forma pela qual um OAC deva ter sua competência, imparcialidade e operação avaliada, a acreditação não pode ser feita.
Agora, note algo importante: esses procedimentos se constituem, de forma sintética, na maneira pela qual um OA atende o requisito da norma ISO/IEC 17011. Além disso, se constituem na forma pela qual o OA padroniza seus processos e sistemáticas para a avaliação de um OAC, assegurando que todos os OAC sejam avaliados de modo imparcial, passando, inevitavelmente, pela maneira pela qual um requisito é interpretado. Voltando ao exemplo da acreditação de organismos de inspeção, a norma ABNT NBR ISO/IEC 17020 determina que “quando apropriado, equipamentos de medição que tenham influência significativa nos resultados da inspeção devem ser calibrados antes de serem colocados em serviço e, depois disso, calibrados de acordo com um programa estabelecido”. Uma linha de inspeção deve ser calibrada e verificada, pois tem influência significativa nos resultados da inspeção de veículos automotores. Qual seria a periodicidade dessas calibrações? Deve haver alguma verificação? Se sim, com qual periodicidade? Nesse caso, o OA estabelece em seu procedimento a periodicidade das verificações a calibrações dessas linhas. Com isso, a avaliação de cada organismo de inspeção que fazem inspeção na área veicular (vamos chama-los genericamente de OIV) avaliam se esses organismos atendem esse procedimento também. Isso faz com que todos os OIV sejam avaliados da mesma maneira, assegurando-se assim a isonomia da atividade de acreditação.
Isonomia, imparcialidade e competência técnica são, assim, possíveis ao OA se, e somente se, este OA baseia sua forma de trabalho nos padrões estabelecidos: na norma ISO/IEC 17011 e nas normas normas e procedimentos que compõem o esquema de acreditação. A adoção desses padrões assegura o reconhecimento internacional da atividade, derivando-se a superação de obstáculos técnicos ao comércio e o consequente acesso a mercados por parte de produtos e serviços nacionais. Traz, em última palavra, confiança e previsibilidade ao sistema de avaliação da conformidade de um determinado país.
Até o próximo artigo!
Vamos em frente!
Crédito: Ricardo Fermam / Linkedin – @ disponível no linkedin pessoal do autor 30/1/2025
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