“Poeta, músico, escritor, o mineirinho que o Rio imortalizou.”
Assim foi apresentado Cândido José de Araújo Viana (1793-1875), o Marquês de Sapucaí, no samba-enredo que o homenageou, levado à passarela pela escola Beija-Flor de Nilópolis em 2016.
Desde 1984, Marquês de Sapucaí é sinônimo de Carnaval no Brasil. Naquele ano foi inaugurado, na avenida com este nome, o sambódromo do Rio. Que, oficialmente, se chamava Passarela Professor Darcy Ribeiro.
Mas, de forma geral, todo mundo se refere como Sambódromo da Marquês de Sapucaí. Ou, simplesmente, “lá na Sapucaí”.
Viana, o famoso marquês, teve uma trajetória intelectual muito próxima à monarquia do século 19.
Também arriscou ele próprio algumas composições musicais — embora, é claro, o fato de ter se tornado o endereço do samba carioca não passe de coincidência.
“[A avenida] é uma homenagem a um antigo professor do dom Pedro 2º”, conta à BBC News Brasil o pesquisador e escritor Paulo Rezzutti, biógrafo da família imperial brasileira.
“Ele foi uma pessoa de destaque no meio jurídico e nomeado pela Regência para ser professor do dom Pedro, principalmente de português e literatura.”
Na história brasileira, o período da Regência foi aquele entre 1831 e 1840, quando dom Pedro 1º retornou à Portugal e deixou seu filho ainda menor de idade no Brasil.
Como o príncipe tinha apenas 5 anos de idade, o governo foi liderado por três representantes, que também eram responsáveis por gerir a educação do futuro imperador.
Décadas mais tarde, quando chegou a hora do próprio Pedro 2º providenciar a educação de suas filhas Isabel e Leopoldina, ele recorreu ao mesmo professor.
“Sinal de que era bom. Dom Pedro 2º não ia colocar qualquer um para dar aula de português e literatura para suas filhas”, pontua Rezzutti.
A proximidade era tanta que coube a ele assinar como testemunha na certidão de casamento de Leopoldina.
De Minas para a corte
Nascido na antiga Congonhas do Sabará, hoje Nova Lima, em Minas Gerais, Viana era de família importante e teve o privilégio do acesso à educação em uma época em que isso não era nada simples.
Formou-se em direito na Universidade de Coimbra, em Portugal, em 1821. Na temporada portuguesa, chegou a assistir a algumas aulas de ciências médicas.
Retornando ao Brasil, passou a atuar na esfera pública. Em 1823, foi deputado constituinte.
Nos anos 1920, presidiu as então províncias de Alagoas e do Maranhão. Foi ministro da Fazenda durante a Regência e, mais tarde, deputado e senador.
Tinha o papel de conselheiro de Estado durante boa parte do período monárquico brasileiro.
Foi também procurador da coroa, fiscal do tesouro e ministro do Supremo Tribunal de Justiça.
“Ele teve uma vida toda voltada para os serviços da nobreza luso-brasileira”, comenta à BBC News Brasil o historiador Victor Missiato, pesquisador do Instituto Mackenzie.
“Foi um homem da monarquia.”
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“E teve uma trajetória importante no mundo das letras, desde a sua formação”, conta o historiador.
“Participou de várias áreas, assumiu cargos provinciais e, depois, recebeu uma atenção especial de dom Pedro 2º no que diz respeito à organização educacional e formação cultural em algumas regiões do Brasil.”
Missiato destaca que o fato de ele ter sido designado pelo imperador para a educação das filhas denotava um prestígio acima da média.
“Ele foi escolhido por dom Pedro. E dom Pedro escolhia, ele próprio, os professores, porque era muito preocupado em formar essas duas filhas para a monarquia brasileira”, afirma.
“Uma educação muito diferente da educação formal. Uma educação muito próxima daquela que o próprio dom Pedro 2º teve, ou seja, com política, administração, bagagem intelectual e voltada mesmo para uma visão de Estado.”
Na esfera pública, era o encarregado do imperador para examinar os candidatos à diplomacia, entre outras funções.
Ao longo de 30 anos, presidiu o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, instituição que conserva vários dos seus discursos.
Músico e conhecedor das artes
Referência na fonte de informações da história musical do país, o Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira dedica um verbete a Viana.
Ali, é apresentada uma faceta pouco conhecida do marquês: a de compositor.
“Sabe-se que, apesar da intensa vida pública, cultivou a música, compondo canções famosas à época”, destaca o sucinto texto do dicionário.
“Entre as de que se tem notícia estão as modinhas Mandei um eterno suspiro e Já que a sorte destinara e a quadrilha Primeiro amor.”
Rezzutti destaca, contudo, que Viana “não ficou conhecido pelas músicas que fez”, mas pela sua ligação com o poder da época.
Se não ficou famoso pela música, não foi pela falta de qualidade ou talento.
Em conversa com a BBC News Brasil, o músico Alberto Tsuyoshi Ikeda, professor na Universidade de São Paulo (USP) e consultor da cátedra Kaapora: da Diversidade Cultural e Étnica na Sociedade Brasileira, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), comenta que as composições deixadas por Viana denotam bons conhecimentos da arte.
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Ikeda diz que pelo menos duas músicas dele conhecidas são a modinha Mandei um eterno suspiro e o schottisch Candinho. Schottisch é uma espécie de polca europeia.
“São composições de muito boa qualidade. Essa Mandei um eterno suspiro é muito bem-feita. Assim como o schottisch”, avalia.
“Se são de fato [composições] dele, se foi ele quem escreveu, nota-se que era alguém que sabia tocar piano. A peça [‘Candinho’] é bem escrita para o instrumento, com os recursos que normalmente alguém que não é pianista não saberia.”
O professor comenta, contudo, que “ainda não existem estudos suficientes para tecermos mais comentários sobre ele como compositor.”
Títulos de nobreza
Viana ganhou seus títulos de nobreza como reconhecimento do próprio imperador.
Em 1854, tornou-se visconde. Em 1872, já aposentado, foi reconhecido como marquês. Não se sabe o motivo da escolha do nome Sapucaí.
“Dom Pedro 2º geralmente pegava algo voltado para as coisas do Brasil”, comenta Rezzutti.
Em tupi, “sapucaí” significa “rio das sapucaias” — árvore brasileira comum na região de Mata Atlântica. Há um rio com esse nome no sudeste brasileiro e, pelo menos, duas cidades, uma em Minas Gerais (Sapucaia do Norte) e outra no Rio Grande do Sul (Sapucaia do Sul), também ostentam o nome.
A titulação, de qualquer forma, significava um apreço especial. “São títulos dados por causa dos serviços realizado para a monarquia. Era uma forma de alinhamento da nobreza brasileira”, diz Missiato.
“Traziam consigo uma perspectiva de atuação burocrática muito importante. Não era apenas um título, mas uma posição burocrática no Estado brasileiro do século 19.”
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Missiato lembra que Viana dedicou-se “à formação das letras no Brasil em um momento em que a monarquia se estabelecia em meio a uma região toda voltada para pequenas repúblicas que se formavam ao redor [do Brasil]”.
“Nesse sentido, o desafio da consolidação de uma unidade nacional partia também pelo esforço de intelectuais na criação de uma unidade nacional”, analisa o historiador.
“Ele era um desses homens escolhidos pelo monarca no sentido de estabelecer pontes, elos, de uma unidade, de uma educação, da construção de bibliotecas e do enriquecimento cultural dessas bibliotecas. Foi um homem de Estado.”
No último 23 de janeiro, fez 150 anos que Cândido José de Araújo Viana, o Marquês de Sapucaí, morreu.
Crédito: Edison Veiga / De Bled (Eslovênia) para a BBC News Brasil – @ disponível na internet 1/3/2025