
Durante a pandemia, o home office foi uma exigência situacional, sem outras alternativas viáveis.
Agora, com o retorno das atividades presenciais, o trabalho remoto tem sido alvo de discussões. Enquanto alguns empresários defendem que a presença física melhora a produtividade, muitos funcionários preferem o teletrabalho pelo conforto e praticidade. Diante desse cenário, surge a dúvida: os empregadores podem obrigar seus funcionários a retornarem ao trabalho presencial?
O advogado trabalhista Sérgio Pelcerman, sócio do Almeida Prado e Hoffmann Advogados, explica que, conforme a Lei nº 14.442/2022, o empregador pode determinar o retorno ao escritório, desde que respeite os requisitos legais ou quando a natureza da atividade exigir a presença física. “É fundamental conceder um prazo mínimo de transição de 15 dias e formalizar a mudança por meio de um aditivo contratual”, destaca.
Segundo a advogada e professora de direito previdenciário e do trabalho, Thais Riedel, o regime de teletrabalho está previsto na CLT desde 2011 e ganhou maior relevância após a pandemia. Em 2022, a legislação foi atualizada para reforçar as garantias jurídicas desse modelo. “Agora, a CLT exige que a modalidade esteja expressamente prevista no contrato individual de trabalho. A mudança de regime, do presencial para o teletrabalho, deve ser acordada entre as partes”, destaca.
Sérgio Pelcerman alerta que, caso um empregado se recuse a retornar ao trabalho presencial sem uma justificativa válida, como questões de saúde devidamente comprovadas, ele poderá ser responsabilizado conforme a legislação trabalhista. “Essa recusa pode ser interpretada como falta de comprometimento ou, até mesmo, insubordinação, podendo resultar em medidas disciplinares, como advertências e suspensões. Em casos mais graves, pode levar à demissão por justa causa”, afirma.
No caso de trabalhadores contratados especificamente para o regime de teletrabalho, o empregador pode solicitar a conversão para o regime presencial. No entanto, essa mudança exige uma revisão contratual, considerando as regras estabelecidas no contrato original e a anuência do empregado para formalização das novas obrigações laborais. “O funcionário não é obrigado a aceitar mudanças significativas sem negociação. Caso recuse a alteração, a empresa pode optar pela rescisão do contrato, com o pagamento das verbas rescisórias previstas na legislação”, acrescenta Pelcerman.
Além disso, com a transição para o trabalho presencial, as condições previamente acordadas para o home office, como auxílios para internet e energia elétrica, podem ser revogadas. “Muitos empregadores concederam uma ‘ajuda de custo teletrabalho’ durante o período remoto. Com o retorno ao escritório, essa obrigação deixa de existir”, explica o advogado. Caso a empresa adote um modelo híbrido, os acordos de reembolso de despesas devem ser ajustados às novas condições.
Já em situações que representem riscos à saúde, como pandemias, o empregado pode solicitar a manutenção do teletrabalho com base em normas de segurança e saúde. Para isso, é necessário apresentar um laudo médico e realizar exames periódicos que justifiquem a solicitação.
Jurisprudência
Thais Riedel traz exemplos de jurisprudências que têm seguido a legislação, reconhecendo que a definição da modalidade de trabalho é uma prerrogativa do empregador.
Um deles é a decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região no Recurso Ordinário Trabalhista nº 0010982-27.2021.5.03.0132, julgado em 27 de abril de 2022 pela 7ª Turma, com publicação em 29 de abril de 2022. O caso envolveu um empregado que acionou a Justiça para manter o teletrabalho. O Tribunal entendeu que o empregador tem o direito de exigir o retorno ao trabalho presencial, desde que respeitado o prazo mínimo de transição de 15 dias, formalizado por meio de aditivo contratual.
Outra decisão relevante foi proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região, no Recurso Ordinário Trabalhista nº 00001105920245130005, julgado em 27 de junho de 2024 pela 2ª Turma, com publicação em 10 de julho de 2024. O caso envolveu um funcionário da Dataprev que buscou permanecer em teletrabalho, alegando que sua esposa e filha possuíam doenças crônicas. O Tribunal, no entanto, decidiu que a empresa agiu dentro da legalidade ao exigir o retorno dos empregados ao trabalho presencial, exercendo seu poder diretivo dentro dos limites legais.
Por outro lado, o poder diretivo do empregador não pode ser usado de forma abusiva. No Recurso Ordinário em Rito Sumaríssimo nº 0000861-06.2023.5.09.0001, julgado pela 4ª Turma do TRT da 9ª Região em 15 de maio de 2024, com publicação em 17 de maio de 2024, a Corte considerou abusiva a prática de ameaçar empregados em teletrabalho com o retorno ao presencial, caso não atingissem metas de produção. O Tribunal entendeu que houve desvio de poder diretivo, o que permitiu a rescisão indireta do contrato de trabalho.
A especialista reforça que o empregador pode exigir o retorno ao trabalho presencial, conforme previsto no art. 75-C, § 2º da CLT, desde que essa decisão seja um exercício legítimo de seu poder diretivo e não uma forma de coerção indevida.
Crédito: Maria Eduarda Lavocat / Correio Braziliense – @ disponível na internet 11/4/2025