A movimentação de servidores públicos é um tema essencial, mas, muitas vezes, negligenciado nas discussões sobre reforma administrativa. Este texto explora os principais tipos de movimentação no setor público federal e seus impactos na gestão de pessoas e na eficiência institucional, além de discutir os desafios para alinhar interesses individuais e necessidades organizacionais. A análise também destaca a importância da mobilidade para o desenvolvimento profissional e a capacidade do Estado em responder a crises e demandas emergenciais.
No campo da gestão de pessoas no setor público, o instituto da movimentação ocupa lugar subalterno nas discussões e propostas correntes de reforma administrativa. Esse fato talvez decorra da constatação segundo a qual a movimentação de pessoal é um tema quase que exclusivo da forma como o trabalho se organiza e se coloca em operação dentro da administração pública. Isso se deve, basicamente, ao fato de que, diferentemente do trabalho no setor privado, servidores públicos podem se movimentar – e em geral o fazem – por um raio bastante largo de organizações e funções ao longo do seu ciclo de vida laboral, que costuma ultrapassar os 30 anos na maior parte dos casos.
Como se sabe, a movimentação é o deslocamento do servidor para exercício de suas funções em outro órgão ou entidade, conforme institutos previstos nos artigos 36, 37; 84, §2º; e 93 da Lei nº 8.112, de 11 de novembro de 1990. Em termos substantivos, trata-se de um importante instrumento de gestão de pessoas, que visa à alocação ótima dos servidores para o seu melhor desempenho individual e também das organizações públicas.
Embora inexistam, até o momento, estudos empíricos robustos que correlacionem positivamente a movimentação de pessoas e o desempenho institucional no setor público, há evidências esparsas que sugerem melhorias para indivíduos e organizações, decorrentes do intercâmbio de habilidades, boas práticas e competências, contribuindo para o seu crescimento e sua capacidade institucional.
Corrobora neste sentido, a manifestação da Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2022), na qual menciona que baixos níveis de mobilidade podem restringir o desenvolvimento de habilidades, o pensamento e as atitudes inovadoras. Ao mesmo tempo, manifesta-se no sentido de que governos sem mobilidade correm o risco de perder a flexibilidade necessária para lidar com problemas complexos, enfrentar desafios multidisciplinares e responder efetivamente em momentos de crise.
Fato é que as movimentações no setor público federal brasileiro, embora representem anualmente números dentro de um patamar relativamente constante ao longo do tempo, já somam, no acumulado, perto de 50 mil servidores, ou seja, algo como 10% do total de servidores ativos atualmente no país.
Gráfico 1: Evolução das Movimentações na APF, em Números Absolutos, ano a ano e no acumulado. Brasil: 2007 a 2024.

Fonte: Observatório de Pessoal, SGP/|MGI.
Desafios na alocação e compatibilização de interesses
Não obstante, essa aparente flexibilidade alocativa é relativa, porque está situada em meio a um dilema praticamente intransponível para a administração, qual seja: o de como equilibrar ou compatibilizar, da melhor maneira possível, formações, vocações, trajetórias e interesses pessoais dos servidores com necessidades e interesses organizacionais do poder público.
A necessidade de institutos claros para a movimentação
Por essa razão, e considerando a relevância do tema para fins de uma melhor alocação e racionalização da força de trabalho no setor público, torna-se necessário precisar adequadamente os institutos de movimentação existentes e os respectivos alcances e limites, visando à consecução dos objetivos e das finalidades institucionais e ao desenvolvimento profissional dos agentes públicos. São eles:
Gráfico 2: Tipos de Movimentações na APF, em Ordem Decrescente em 2024.

Fonte: Observatório de Pessoal, SGP/|MGI.
Modalidades de movimentação no setor público
Remoção: é o processo de deslocamento do agente público dentro da própria estrutura do órgão. O cerne do instituto é o aproveitamento dos talentos existentes com quadros próprios a partir do deslocamento interno entre as suas próprias unidades administrativas, com ou sem mudança de sede. Atualmente, a remoção não possui orientação expressa de padronização de procedimentos que deva ser observada pelos órgãos, ou seja, é realizada considerando a autonomia administrativa dos mesmos. A falta desta padronização dificulta a coleta de dados sobre sua aplicação.
Cessão: é o instrumento que altera o exercício do agente público para outro órgão com o intuito de ocupar cargo ou função de confiança ou em casos previstos em leis específicas, como ocorre com a cessão-SUS, onde os servidores são cedidos para comporem os quadros de pessoal do Sistema Único de Saúde (SUS), fortalecendo a prestação dos serviços essenciais de saúde.
Requisição: consiste na alteração do exercício do servidor para atuar em órgãos com poder legal de recrutar força de trabalho, marcada pelo caráter irrecusável. Somente pode ser realizada pelos órgãos que possuem essa prerrogativa. Em regra, a requisição de agente público não é nominal, com exceção daquelas realizadas pela Presidência e Vice-Presidência da República.
Redistribuição: refere-se ao deslocamento de cargos entre os órgãos, vagos ou ocupados, alterando a composição da estrutura administrativa. As redistribuições que envolvam cargos vagos devem, obrigatoriamente, ser analisadas pelo Órgão Central do Sipec. Quando envolver dois cargos ocupados, o ato será realizado mediante portaria conjunta dos Ministros de Estado ou dos dirigentes máximos dos órgãos e entidades envolvidos.
Alteração para Composição da Força de Trabalho: é o processo de deslocamento dos agentes públicos para quadros de pessoal de outros órgãos e entidades sem a vinculação a uma função ou cargo específico. O ato deve ser autorizado pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) e se divide em consensual, realocação e dispensa.
Na modalidade consensual, os trâmites são mais simples, com vistas à celeridade do processo de movimentação, prescindindo-se de editais específicos para esse fim.
Já na modalidade de realocação de pessoal, que tem como pressuposto a seleção com critérios específicos estabelecidos em edital, há a possibilidade de a movimentação acontecer sem a anuência do órgão de origem para a alteração de exercício do servidor. Mas, neste caso, vale o princípio da proporcionalidade como requisito necessário, pois ele visa a garantir que não haja esvaziamento de alguns órgãos em favorecimento de outros. Tal modalidade também inova ao prever, como regra, o prazo de 30 dias para a apresentação do servidor ao órgão de destino, podendo ser prorrogado até 120 dias.
Por fim, na modalidade por dispensa, há a possibilidade legal de substituir as modalidades anteriores nos casos de movimentações prioritárias, emergenciais e nas centralizações de serviços.
Lotação Provisória: aplicável a carreiras específicas, trata-se da distribuição da força de trabalho entre órgãos, com foco no desenvolvimento de políticas públicas ou projetos sociais específicos. A lotação provisória tem como principal foco combater a distorção de fatores que podem ou não interferir no desenvolvimento de políticas com alcance social.
Time Volante: modelo flexível e simplificado de movimentação que não altera a unidade de exercício e nem de lotação do servidor. O profissional atua por atividades ou projetos, com uma carga horária acordada entre os órgãos de origem e de destino.
Free-la: modelo flexível de movimentação que tem como uma de suas características a atuação, em grande parte voluntária, do servidor, de forma pontual em atividades e/ou projetos, de acordo com suas habilidades profissionais específicas. Da mesma maneira que o Time Volante, não altera a lotação e o exercício dos servidores, exigindo-se apenas a aquiescência das partes envolvidas.
Benefícios das modalidades de movimentação flexível
Apesar de incipiente, as modalidades flexíveis permitem que os agentes públicos ampliem sua rede de relacionamentos, ao passo que contribuem com o desenvolvimento de projetos específicos, numa relação ganha-ganha, em que os órgãos têm novas soluções, diversidade de ideias e economia, uma vez que evita gastos próprios com a contratação ou treinamento de um novo profissional para suprir essa lacuna de conhecimento e habilidade. Da mesma maneira, o servidor sente-se motivado e valorizado por ter sua experiência reconhecida e a oportunidade de intercambiar seus conhecimentos em outras esferas administrativas.
Motivações dos servidores para a movimentação
Do ponto de vista do servidor, muitos podem ser os elementos de motivação para a movimentação. Na pesquisa apresentada pela professora Ana Paula M. Pinho (2022), uma das inferências apresentadas nos mostra que à medida em que:
“(…) a instituição se compromete com seus servidores na prática de envolvimento (reconhecimento, relacionamento, participação e comunicação), condições de trabalho (ações, estruturas físicas, benefícios focados no bem-estar do servidor) e de remuneração e recompensas (compatibilidade da remuneração com a atividade e incentivos), menor será a intenção do servidor em sair da instituição (…)
“(…) Em contrapartida, as práticas de recrutamento e seleção (transparência, imparcialidade e ampla divulgação dos processos seletivos) apresentaram efeito positivo na intenção de se movimentar dos servidores.”
Desta maneira, observa-se que fatores como ambiente de trabalho, satisfação pessoal e incentivos remuneratórios, entre tantos outros, podem ser determinantes na voluntariedade dos servidores se movimentarem.
Tudo somado, uma saída para o impasse entre conciliar os interesses e as vocações dos servidores com os interesses e necessidades dos órgãos é a construção da movimentação de pessoal como uma política complementar de adequação da força de trabalho, alinhando as competências e as habilidades dos servidores em movimentação de acordo com as agendas governamentais prioritárias. Ao mesmo tempo, a mobilidade de agentes públicos pode ser uma forma eficaz de desenvolvimento e capacitação profissional, um instrumento para a defesa das vítimas de assédio e mais uma estratégia de fortalecimento das respostas do Estado em situações emergenciais.
Para tanto, faz-se necessária a institucionalização de ferramentas que promovam o planejamento estratégico efetivo dos recursos humanos do Estado, onde dois processos se destacam: o dimensionamento da força de trabalho (DFT) e o mapeamento de competências. A não realização desses processos pelos órgãos e entidades contribui para que a movimentação seja utilizada como ferramenta exclusiva de recomposição de quadro de pessoal.
O DFT, associado ao mapeamento de competências, possibilita qualificar as decisões estratégicas de gestão de pessoas sob a perspectiva das reais necessidades dos órgãos, sistematizando, sobretudo, informações gerenciais tais como:
➢ i) a identificação das lacunas de competências para as ações de desenvolvimento,
➢ ii) a visualização dos postos de trabalho e dos perfis profissionais ideais por unidade,
➢ iii) a identificação da quantidade de postos vagos e ocupados por unidade, além das vagas e necessidades que podem ser supridas pela movimentação interna ou externa de pessoal, dentre outras.
Em suma, a movimentação é um tema abrangente que pode perpassar, inclusive, o planejamento de novos provimentos. Talvez o universo pouco explorado nas pesquisas se deva à falta de conhecimento das pessoas e organizações acerca dos tipos e funções da mobilidade, o que pode ter reduzido sua visibilidade e restringido seu alcance a procedimentos meramente burocráticos de entrada e saída de servidores.
Mas a movimentação não deve ser resumida à composição ou desestruturação de quadros funcionais. Pesquisar o tema não só sob a perspectiva da motivação dos servidores, mas também como diagnóstico do comportamento institucional, gestão de conhecimento, política de desenvolvimento, entre outras possibilidades analíticas, mostra-se necessário para avançarmos rumo a uma política de movimentação mais estratégica e eficaz dos servidores públicos.
Para fugir do óbvio, outras agendas podem gerar ainda mais valor para o tema da movimentação de pessoal no serviço público, dentre as quais destacamos:
- A viabilidade de utilização da movimentação de pessoal em políticas afirmativas;
- A utilização da movimentação como meio de proteção das vítimas em casos de assédio, violência doméstica e discriminação;
- A utilização da movimentação como forma de combate a inúmeras situações de desvio de função presentes na administração pública;
- A identificação dos benefícios (inovação, troca de conhecimento, adequação de competências etc.) e malefícios (descontinuidade e perda da qualidade dos serviços prestados) sob o olhar dos órgãos e seus dirigentes.
Apesar dos inúmeros desafios, a mobilidade de pessoal é um dos caminhos para a equalização entre as necessidades da administração pública, o anseio dos servidores e a persecução das metas e objetivos governamentais e será na construção colaborativa, a partir do diálogo, que se poderá estabelecer um modelo que garanta às instituições públicas o corpo técnico e as competências necessárias para seu desenvolvimento institucional.
O desafio está lançado e consiste em convergir esforços para tornar a movimentação de pessoas mais uma política estratégica de pessoal para a administração pública, impulsionando o alcance de resultados, fomentando e fortalecendo a entrega de bens, serviços e cidadania para a sociedade brasileira.
Crédito:José Celso Cardoso Jr, Fernando André Santana de Souza, Francismara Alves de Oliveira Lima, Mara Clélia Brito Alves, Keilly Cristina Ferreira Ribeiro, Roney Guimarães Brum / Republica.ORG – @ disponível na internet 11/4/2025
Referências bibliográficas
1 Ver este estudo em: OCDE (2022). Public Service Leadership and Capability Review of Brazil. Acessado em: 01/09/2024: oecd-public-service-leadership-and-capability-review-of-brazil-2.pdf.
2 Moreno Pinho, Ana Paula; Moreira da Silva, Clayton Robson; da Silva de Oliveira, Evalda Rodrigues. Determinantes da Intenção de Rotatividade no Setor Público: um estudo em uma instituição federal de ensino. Revista Administração Pública e Gestão Social, vol. 14, nº 3, 2022.
José Celso Cardoso Jr: técnico de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), atualmente é presidente da Associação dos Funcionários do Ipea e Sindicato Nacional dos Servidores do Ipea (Afipea-Sindical).
Fernando André Santana de Souza: servidor Público Federal, Mestre em Administração e Desenvolvimento Empresarial e atualmente Coordenador Geral de Movimentação de Pessoal da DEPRO/SGP/MGI.
Francismara Alves de Oliveira Lima: servidora Pública Federal, Bacharel em Direito e atualmente técnica da CGMOP/DEPRO/SGP/MGI
Mara Clélia Brito Alves: servidora Pública Federal, Bacharel em Direito e atualmente técnica da CGMOP/DEPRO/SGP/MGI
Keilly Cristina Ferreira Ribeiro: servidora Pública Federal, Adminitradora e atualmente técnica da CGMOP/DEPRO/SGP/MGI
Roney Guimarães Brum: servidor Público Federal, Pós-graduado em Ciência de Dados (Big Data Processing and Analytics) e atualmente técnico da CGMOP/DEPRO/SGP/MGI
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