A crise de representação dos trabalhadores do setor público que se enxergam como “gestores”
Na semana passada, uma cena emblemática marcou o início de um dos cursos de formação de servidores aprovados nas primeiras etapas do CPNU.
Convidado a partilhar a mesa de discussão sobre as carreiras, junto à representação da Condsef e do governo, um servidor afirmou, ao dar as boas-vindas, que “não é um piqueteiro, mas um gestor; e que gestor faz as coisas com inteligência”. A fala revelou mais do que um desprezo pelo sindicalismo classista: foi um aceno explícito à despolitização, à lógica tecnocrática e à hegemonia gerencialista dentro do Estado.
No tempo que ocupou o microfone, ele preferiu despejar jargões da autoajuda de gestão ao invés de debater sobre o futuro do serviço público. Retumbaram expressões como “reter talentos”, “network institucional” e outras relativas a atividades de lobby corporativo. Nada foi dito – absolutamente nada – sobre a reforma administrativa, sobre os ataques ao Regime Jurídico Único (RJU), sobre a captura de 25% do orçamento discricionário do Executivo pelas imorais emendas parlamentares do Centrão, sobre as ameaças constantes de mais cortes sobre as políticas públicas ou sobre o papel estratégico do Estado no enfrentamento às desigualdades sociais.
Nenhuma palavra sobre a luta da classe trabalhadora pela redução da jornada de trabalho, pela taxação dos super ricos, pela revogação das reformas trabalhista e da previdência, pela equiparação de benefícios com o poder judiciário, pelo fim das terceirizações ou sobre a urgência de defender a estabilidade como pilar da administração pública a serviço da população – e não dos interesses do mercado – frente às ameaças do Congresso de retomar os ataques a pretexto de “modernizar o estado”.
O governo foi avisado
Em todas as negociações com o MGI, a Condsef/Fenadsef, entidade com representatividade legal e histórica no funcionalismo, alertou que privilegiar alguns setores em detrimento de outros, conceder reajustes maiores a categorias com capacidade de “lobby interno”, discriminar negativamente as carreiras antigas e os Planos Especiais de Cargos e criar carreiras e cargos sobrepondo atribuições de outros já existentes era um caminho, no mínimo, perigoso. Pior ainda, demonstrou que destacar do PGPE um único cargo para criação de carreira própria, deixando outros que executam funções idênticas (como ocorreu com os analistas de sistema) em situação de assimetria salarial, alimentaria a busca por distintividade e aprofundaria a fragmentação e a elitização da categoria, todo o oposto do que deve ser o serviço público.
Um governo como o atual, cujos dirigentes foram forjados nas greves e mobilizações da década de 1980, em defesa dos direitos e da democracia, não deveria empoderar um discurso meritocrático, gerencialista e despolitizado, típico do bolsonarismo enrustido. Aí está o resultado.
O caso escancara uma contradição presente no coração do Estado brasileiro contemporâneo: a ascensão de uma burocracia gerencial que se enxerga como elite técnica, separada e, portanto, superior, à classe trabalhadora. Essa elite se apresenta como “craque do network”, como suposta “hiper especialista em políticas públicas”, como “representante institucional”, como “a que pensa o Brasil” – mas se cala frente à destruição do serviço público e às pautas concretas dos servidores públicos e dos demais trabalhadores.
Em meio à política de austeridade ditada pelo capital financeiro, alguns trabalhadores são cada vez mais assediados a abandonar qualquer forma de engajamento político em nome da “inteligência técnica”. Essa ideologia – tão eficiente quanto silenciosa – atua para deslocar os servidores da sua condição de trabalhadores organizados e para os transformar em meros gestores da máquina, desprovidos de historicidade, pertencimento de classe e projeto coletivo.

E são essas ideias e práticas – apresentadas como apolíticas, mas profundamente comprometidas com o modelo da gestão privada – que ocupam espaço na formulação das políticas públicas, nos espaços de poder e nas negociações salariais. Enquanto isso, os “piqueteiros” seguem sendo fazendo seu papel e, paradoxalmente, imitados quando a água bate na cintura.
Até quando haverá responsáveis governamentais fazendo vistas grossas ou, pior, dando sustentação a esse tipo de discurso?
A fala do servidor é tão infeliz quanto reveladora: ela sintetiza o que está em jogo hoje no serviço público brasileiro, o projeto de Estado e o lugar dos trabalhadores nesse projeto. Se ele é ou não piqueteiro, é o de menos. O que importa é se vai lutar por um Estado público e comprometido com os interesses da população trabalhadora ou se escolherá fazer “network” em defesa dos seus próprios interesses.
Da parte do governo, é urgente respeitar na literalidade as regras estabelecidas para a Mesa Nacional de Negociação.
* Mônica Carneiro e Edison Cardoni / Condsef/Fenadsef – 25/4/2025
Network em causa própria é a descrição da política no congresso. O antigo piqueteiro poderia se sentir parte do governo do PT. Mas se ele está a reivindicar, e ficar na mesa de negociação sem ser atendido nos acordos, ele cai no dilema ” ser piquetero raiz ou ser apenas um saudosista da época dos sonhos da juventude “.
Havia um tempo que ser comunista era lutar por liberdade coisa da juventude inocente. Porque onde existe o comunismo não há liberdade!