O Brasil terá este ano um volume recorde para investimentos em inovação. O orçamento da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), empresa pública vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), até dezembro chega a R$ 14,7 bilhões, um salto de R$ 2 bilhões em relação ao ano anterior.
A Finep tem o papel de financiar a inovação nas empresas, universidades e outras instituições, desde a pesquisa básica até a preparação do produto para o mercado. Apesar do aumento dos recursos, especialistas avaliam que o País ainda tem um longo caminho a percorrer nessa área se quiser se igualar aos países mais bem-sucedidos no que se refere à inovação
Segundo dados da Finep, até o começo de maio foram 525 projetos contratados, no valor total de R$ 5,7 bilhões. As áreas que mais têm tomado recursos de inovação neste ano são indústria, descarbonização, saúde, digitalização e defesa.
“(Os projetos são de) empresas como a Weg e empresas da área de produção de alimentos para exportação. Há muitos projetos bons de piscicultura vindo de pequenas propriedades, e projetos bem diferentes, como o de uma empresa de Canelas (RS) que está mudando o formato do sabonete para manter a competitividade no Mercosul”, diz o presidente da Finep, Celso Pansera.
O executivo também menciona que há um potencial adicional de R$ 22 bilhões de recursos depositados em anos anteriores que não foram executados, saldo que a Finep tem tentado liberar com a Câmara dos Deputados.
O valor previsto para este ano mostra uma escalada de investimentos em inovação no País nos últimos anos. Entre 2019 e 2022, foram investidos R$ 4,3 bilhões em projetos não reembolsáveis, enquanto apenas em 2023 esses recursos chegaram a R$ 4,9 bilhões. Esses recursos são concedidos a instituições científicas e tecnológicas nacionais, públicas ou privadas, sem fins lucrativos.
Em recursos reembolsáveis (crédito concedidos a empresas), foram R$ 9,4 bilhões, ante R$ 7,5 bilhões em 2023. Se forem considerados os projetos reembolsáveis executados nos anos de 2023 e 2024, o valor chega a R$ 22 bilhões.
De acordo com Pansera, o salto nos investimentos a partir de 2023 está relacionado à mudança na legislação que transformou o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico (FNDCT), do governo federal, em um fundo financeiro e contábil, mais próximo aos fundos tradicionais do mercado.
Além disso, lembra, houve também a substituição da taxa de juros (Selic) pela Taxa Referencial (TR), muito mais baixa, tornando os financiamentos mais atrativos. Por fim, a definição de novas linhas estratégicas pelo programa Nova Indústria Brasil auxiliou a coordenação da inovação no setor público junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), segundo o executivo.
Entre os projetos financiados pela Finep estão uma aeronave de decolagem e pouso verticais do Instituto Eldorado, que recebeu R$ 90 milhões, um gerador para turbinas eólicas da Weg, que obteve R$ 14,6 milhões, e um sistema de cultivo de cana de açúcar com sementes sintéticas da Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), que recebeu R$ 293 milhões.
Há ainda um sistema de captura, compressão e estocagem de CO2 gerado no processo de produção de etanol em reservatórios geológicos profundos, criado pela FS Bioenergia, que teve financiamento de R$ 167 milhões da Finep.
Caso de sucesso
Citado por Pansera como um dos principais casos de sucesso em inovação no País até hoje, um dos projetos financiados pela Finep nos últimos anos está ligado ao desenvolvimento de órgãos humanos em porcos, conduzido pela Universidade de São Paulo (USP). Os órgãos produzidos por meio desse método são rim, coração e fígado. Testes já foram feitos nos Estados Unidos utilizando a técnica.
“São órgãos que respondem por 80% da fila de transplante no Brasil e é uma tecnologia para o mundo. Você modifica geneticamente os porcos e cria ali dentro os órgãos que vão ser adaptados aos humanos”, diz.
No mundo, um dos maiores projetos de inovação foi no campo genético e promovido pelos Estados Unidos. Nos anos 90, o governo americano destinou US$ 3,8 bilhões para financiar o Projeto Genoma. A proposta era parte de um esforço científico para sequenciar o código genético do ser humano, o que poderia dar acesso a um novo mercado.
Em estimativas da Casa Branca, o retorno do investimento foi de US$ 796 bilhões. Ou seja, na prática, cada US$ 1 investido se transformou em US$ 141. O Brasil ainda busca uma inovação com potencial similar.
Risco
O presidente da Finep lembra que os investimentos em inovação nem sempre dão certo, mas são importantes para posicionar economicamente o País com produtos que sejam de interesse mundial.
“A área nuclear está avançando muito na construção de pequenos micro reatores nucleares, que têm um potencial enorme para a geração de energia para pequenos aglomerados humanos. Aprovamos o financiamento de R$ 30 milhões e o projeto é feito junto a uma rede de sete universidades. O calor gerado pode, por exemplo, dessalinizar a água”, conta Pansera.
Os projetos são analisados pela equipe técnica da entidade e podem levar entre 120 e 160 dias para serem aprovados. Entre as aplicações, a média é de que 70% seja aprovada, enquanto 30% seja rejeitada por não se enquadrarem no escopo de inovação da Finep.
Para lidar com o risco, há dois tipos de financiamentos: reembolsáveis e não reembolsáveis. O primeiro tipo funciona como uma concessão de crédito, voltado a empresas que têm a receita operacional bruta a menos de R$ 300 milhões ou que queiram pegar financiamento abaixo de R$ 15 milhões. O financiamento é feito em até 12 anos e a demanda em projetos atualmente é de R$ 25 bilhões.
Os demais investimentos são aqueles de risco, que passam por uma análise mais criteriosa. Um dos projetos aprovados nesse modelo foi o financiamento de R$ 50 milhões para o Hemocentro RP para o desenvolvimento de um estudo clínico sobre o linfoma não-Hodgkin de células B.
Desafios
Na visão de Roberto Kanter, professor de MBAs da FGV, um dos desafios do Brasil enquanto país é exatamente a falta de cultura de inovação, que é inerente ao erro. Porém, diz, não há tolerância com gasto público que não dê retorno financeiro.
“O erro faz parte do processo de inovação. Um conjunto de erros leva a um acerto. Um gestor de fundo investe R$ 1 mi em 50 empresas e sabe que uma ou duas podem dar retorno. No setor público, justificar isso é difícil, apesar do potencial de transformar o País numa potência global em um setor”, afirma.
Kanter lembra que isso leva a um volume pequeno de recursos investidos em inovação. “A China investe 2,5% do PIB em inovação. O Brasil investe pouco mais de 1%. Outro problema é que o brasileiro é muito imediatista. Tem dificuldade de manter projetos. Estamos sempre apagando algum incêndio”, diz.
O professor lembra que uma das maiores inovações recentes do País foi o Pix, resultado de um processo de inovação estimulado pelo Banco Central. Outro caso é o da uva vitória, criada pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), empresa pública vinculada ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). No entanto, esse segundo caso simboliza um dos problemas da gestão da inovação no País.
“A Embrapa vai muito bem até a página cinco. A uva vitória foi criada na Embrapa, mas ela não ganha um centavo com isso”, afirma Kanter.
Para Angelica Mari, CEO da consultoria de tecnologia Futuros Possíveis, a colaboração da tríade governo, iniciativa privada e universidade é crucial em países que têm programas de inovação mais bem desenvolvidos, como o Reino Unido, mas isso ainda é uma dificuldade para o Brasil.
“É uma questão do dilema do ovo e da galinha. O gasto público no Brasil não alavanca o gasto privado”, diz.
No Reino Unido, a UK Research and Innovation investe 8 bilhões de libras por ano em projetos de inovação, e existe ainda o Innovate UK, que funciona como uma aceleradora de investimentos para projetos de alto risco que podem ter alto retorno. Mas a principal é a UK Research and Innovation, que concedeu, por exemplo, 139 milhões de libras em financiamento a mais de 340 micro pequenas e médias empresas, diz Angelica.
Crédito: Lucas Agrela / O Estado de São Paulo – @ disponível na internet 28/5/2025