O desafio de promover trabalho digno na Amazônia

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@ reprodução internet / pinterest - MAPA MENTAL SOBRE AMAZÔNIA

As Centrais Sindicais e o movimento sindical presente na Amazônia Legal estão sintonizados com a agenda da urgência climática e a emergência ambiental, com atenção estratégica para os impactos sobre o mundo do trabalho, os empregos e as condições de vida da classe trabalhadora. A realização da COP 30 no Brasil, em novembro próximo, é uma rara oportunidade para evidenciar os enormes desafios, refletir sobre como enfrentá-los, fazer propostas para superá-los e atuar na implementação de projetos, programas e planos de ação.

Realizar a Conferência em Belém no Pará tem um simbolismo especial e uma oportunidade de denúncia e de anúncio. Simbolismo para materializar o que representa para o mundo a região Amazônica. Denúncia das destruições que ocorrem. Anúncio de decisões, de políticas e de medidas para enfrentar e superar os desafios.

 A Amazônia Legal

Segundo artigo produzido pelo DIEESE Pará, a Amazônia Legal brasileira compreende nove estados: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão, o que corresponde a 60% do território do país. Já a Amazônia Internacional é integrada pelo Brasil, que abriga cerca de 60% da floresta, pelo Peru, Colômbia, Venezuela, Equador, Bolívia, Guiana, Suriname e Guiana Francesa.

As características únicas da região e a sua dinâmica econômica conferem peculiaridades ao mercado de trabalho na Amazônia brasileira. Vivem na região cerca 30 milhões de habitantes, dos quais estão ocupados cerca de 13 milhões, mais de 60% na informalidade, ou seja, sem proteção trabalhista, previdenciária, social e sindical. Essa população está distribuída em 5 milhões de quilômetros quadrados organizados em 808 municípios. Esse território é composto por cerca de 45% de áreas protegidas, permanentemente ameaçadas pelo crime organizado ou ocupação econômica ilegal. A economia flui nos mais de 25 mil quilômetros de rios navegáveis. O Produto Interno Bruto (PIB) da Amazônia Legal é de R$ 920 bilhões, cerca de 10% do PIB nacional.

Trata-se de uma região em permanente expansão da fronteira econômica com enormes desafios, de um lado, para dinamizar uma economia que promova melhores condições de vida e mantenha a biodiversidade em pé e, de outro lado, capacidade de conceber novos modelos de desenvolvimento econômico e socioambiental capazes de superarem os padrões de crescimento econômico desagregador, de produção de desigualdade e de pobreza. 

O retrato do trabalho na Amazônia

Os cerca de 13 milhões de ocupados estão dispersos em uma vasta área com baixa densidade urbana e industrial. A estrutura ocupacional da região está concentrada em setores de baixa produtividade, como o comércio e serviços informais, a agropecuária extensiva e o extrativismo não estruturado. A indústria é pouco representativa e as cadeias produtivas associadas à biodiversidade amazônica ainda enfrentam entraves regulatórios, tecnológicos e financeiros para se consolidarem como alternativas sustentáveis de desenvolvimento. Destacam-se atividades que devem ser fortalecidas como o extrativismo sustentável (borracha, castanha, açaí, óleos, madeira legal, etc.), a agricultura familiar e agroecologia, a pesca artesanal e aquicultura sustentável, o turismo de base comunitária e ecológica, a mineração e garimpo regularizado com justiça ambiental, a energia (hidrelétrica, solar, eólica e biomassa), os transportes (terrestre, fluvial e motociclistas), o comércio e serviços locais e as indústrias e bioindústrias amazônicas.

Nessa região o mundo do trabalho é gravemente marcado pela alta informalidade com cerca de 60% da força de trabalho não tem carteira assinada ou atua por conta própria sem contribuição previdenciária. A vulnerabilidade social e precariedade laboral se expressa em um rendimento médio do trabalho cerca de 40% abaixo da média nacional. O resultado é um mercado de trabalho frágil, instável e com baixa mobilidade social.

A juventude amazônida também enfrenta muitos desafios. A taxa de participação dos jovens no mercado de trabalho é menor que as demais regiões do país e observar-se um alto desalento — a desistência de buscar emprego —entre jovens na Amazônia Legal que supera 8%, mais que o dobro da média nacional.

Desigualdades, precarização e ausência de políticas coordenadas

Os problemas do mundo do trabalho na Amazônia Legal são agravados por desigualdades territoriais profundas. Muitos municípios estão isolados geograficamente e não contam com infraestrutura logística ou conectividade digital adequada, o que limita o acesso ao emprego e às políticas públicas. Além disso, a baixa escolaridade média da população ativa e a escassez de programas de qualificação profissional dificultam a inserção em atividades mais complexas e produtivas.

Outro desafio estrutural é a convivência, em vastas áreas da região, com atividades econômicas ilegais ou predatórias, como o garimpo e a grilagem de terras. Essas atividades oferecem ocupações precárias, mal remuneradas e, muitas vezes, em condições análogas à escravidão e com trabalho infantil. Além violarem os direitos trabalhistas e humanos, essas práticas são incompatíveis com qualquer proposta de desenvolvimento sustentável.

A ausência de uma estratégia coordenada de políticas públicas para o trabalho na Amazônia torna o cenário ainda mais complexo. As iniciativas federais e estaduais voltadas ao emprego, à formação e à formalização do trabalho geralmente reproduzem modelos do centro-sul do país, desconsiderando as especificidades sociais, territoriais e culturais amazônicas. Falta articulação entre as agendas de desenvolvimento regional, proteção ambiental e geração de emprego decente.

Caminhos para a construção do trabalho decente na Amazônia

A superação dos desafios do trabalho na Amazônia Legal exige um esforço institucional e político para construir uma estratégia integrada, que reconheça a centralidade do trabalho no desenvolvimento regional. Algumas diretrizes podem orientar essa construção:

  • Políticas ativas de formalização do trabalho informal, com estímulo à previdência social, ao microempreendedorismo qualificado, ao cooperativismo e à organização produtiva de comunidades locais.
  • Articulação das políticas sociais e de renda, integrando a garantia de renda com a inclusão produtiva a partir da formação profissional continuada, a inserção profissional e o fomento para uma dinâmica econômica regional socioambiental sustentável.
  • Educação e qualificação profissional contínua voltada para os setores estratégicos da bioeconomia, da sociobiodiversidade, do turismo sustentável e das energias renováveis.
  • Integração e articulação das políticas de educação básica e profissional em um sistema orientado à economia regional, à pesquisa e à inovação.
  • Fomento à economia verde e solidária com estímulo à geração de renda a partir da floresta em pé, com fortalecimento de cadeias produtivas locais (como o açaí, castanha, óleos e resinas, entre outros), com acesso a crédito, inovação, tecnologia e assistência técnica.
  • Infraestrutura e conectividade, o que requer investimentos em logística, transporte e acesso digital como elementos fundamentais para a inclusão econômica e a ampliação de oportunidades de trabalho formal e qualificado.
  • Governança regional e participação social, por meio do fortalecimento das instituições locais e da participação das comunidades, dos sindicatos, cooperativas e associações na definição de políticas públicas de trabalho e renda, respeitando os modos de vida tradicionais e promovendo a justiça ambiental e social.

Considerações finais

CLEMENTE GANZ : Sociólogo formado pela PUC-SP, é coordenador do Fórum das Centrais Sindicais, membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDESS) e do Conselho Deliberativo da Oxfam Brasil. Foi diretor técnico do DIEESE entre 2004 e 2020. Tem longa trajetória na defesa dos direitos dos trabalhadores, do desenvolvimento sustentável e da justiça social.

A Amazônia Legal é uma região vocacionada para ser exemplo do que se propugna como “transição justa”, ou seja, realizar e recepcionar transformações profundas no mundo do trabalho na superação da emergência ambiental e da urgência climática, em um contexto de disruptivas mudanças tecnológicas.

Nesse processo, a organização dos trabalhadores é parte essencial da capacidade social e política de participação, de promoção do diálogo social, de construção de entendimentos sobre o que, quando e como fazer. Os sindicatos são agendes de representação coletiva e com atribuição constitucional de firmar contratos coletivos de trabalho (acordos e convenções coletivas), regulando as condições de trabalho, de saúde e segurança e de remuneração, para trabalhadores assalariados, trabalhadores autônomos, cooperados e  microempreendedores.

Tornar a economia da Amazônia sustentável inclui a promoção da justiça social e do trabalho digno. O futuro da região depende de sua capacidade de gerar ocupações com direitos, renda e qualidade de vida para sua população, especialmente para as juventudes e os povos tradicionais. A transição ecológica da Amazônia deve ser também uma transição do mundo do trabalho — do modelo predatório e excludente para uma nova economia baseada na inclusão, na diversidade e na sustentabilidade. Enfim, o desafio está colocado: não há desenvolvimento sustentável da Amazônia sem uma estratégia nacional de trabalho decente, comprometida com a floresta, com as pessoas e com o futuro.

Clemente Ganz Lúcio 9/6/2025

Vista aéra de mamaus – reprodução poder 360

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