Os desafios orçamentários para as agências reguladoras federais no Brasil

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@reprodução internet/ Foto: Arte O Globo
Sem recursos adequados, a regulação fica em risco
Em um país com dimensões continentais, marcado por uma grande diversidade de recursos naturais e um expressivo número populacional, é indispensável a existência de estruturas técnicas sólidas e autônomas, capazes de regular, acompanhar, atualizar e fiscalizar setores-chave do mercado.

Esse papel, desempenhado pelas agências reguladoras, é essencial não apenas para a operacionalização eficiente de serviços públicos e atividades econômicas complexas, mas também para assegurar a previsibilidade e a segurança jurídica necessárias ao desenvolvimento sustentável do Brasil.

Nesse contexto, as agências reguladoras federais exercem atribuições de alta complexidade, sendo responsáveis por compatibilizar as melhores práticas e exigências técnicas com os interesses do mercado, da sociedade e do Estado. Sua atuação exige constante atualização normativa, decisões com elevado grau de especialização e a construção de ambientes regulatórios estáveis e transparentes. E, para que esses objetivos sejam alcançados, é inegociável a existência de orçamento suficiente para investir em ferramentas essenciais para o exercício da sua atividade de regulação.

Apesar disso, nos últimos anos, as agências vêm enfrentando restrições orçamentárias significativas, como evidenciado pelos cortes recentemente divulgados. Segundo dados públicos, o orçamento atual de algumas das principais agências chega a ser inferior ao identificado há oito anos[1], segundo dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP). Como reflexo dessa limitação de recursos, desafios operacionais vêm se acumulando.

Com base nos dados públicos, entre 2020 e 2024, por exemplo, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) registraram uma redução orçamentária de aproximadamente 40%. Outras agências também acumulam perdas relevantes, afetando tanto sua capacidade técnica quanto seu quadro de pessoal.

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), por exemplo, conta com apenas 47 fiscais para inspecionar 103 distribuidoras de energia e uma malha de mais de 100 mil quilômetros de linhas de transmissão. Para conter despesas, a ANEEL teve de reduzir o horário de funcionamento de sua ouvidoria e cortar em 25% um de seus principais contratos de tecnologia.

A ANTT também enfrenta limitações orçamentárias severas, apesar de sua alta capacidade de arrecadação. Em 2024, a agência arrecadou cerca de R$ 3,9 bilhões, valor mais de quatro vezes superior ao orçamento previsto na LOA de 2025, que foi de R$ 282 milhões. Uma parte desse orçamento já foi bloqueada pelo governo federal na última rodada de contingenciamento, anunciada em 30 de maio. Em termos absolutos, o orçamento da ANTT foi o mais afetado pela medida.

A atuação das agências reguladoras se dá com base em uma sistemática contínua de planejamento, que foram reforçados pela Lei 13.848/2019, a Lei das Agências Reguladoras Federais, há mais de cinco anos.

Esse planejamento é concretizado por meio de instrumentos próprios em periodicidade quadrienal (plano estratégico), bienal (agenda regulatória) e anual (plano de gestão). O último, especificamente, detalha metas, ações, cronograma de execução e orçamento estimado para o exercício subsequente. O encolhimento progressivo do orçamento das agências inviabiliza, na prática, o planejamento modelado para o setor, resultando em um descompasso entre a demanda e necessidade setorial e a disponibilidade operacional das agências reguladoras.

Em setores prioritários (como saneamento, transporte, energia, telecomunicações e saúde), por exemplo, a atuação regulatória qualificada, quando amparada por agendas temáticas claras e coerentes com as diretrizes nacionais, funciona como vetor para a efetivação de políticas públicas.

Ao transformar objetivos gerais em normas técnicas, diretrizes operacionais e procedimentos fiscalizatórios, as agências criam um ambiente institucional que pode favorecer investimentos, aprimorar a qualidade dos serviços e assegurar que o interesse público não se perca em meio às complexidades contratuais e aos interesses setoriais. A atuação das agências, portanto, é parte estrutural da concretização de políticas públicas.

Quando o orçamento disponível não acompanha a expansão das atribuições legais, há um inevitável descompasso entre o que se espera das agências e o que elas efetivamente conseguem entregar. Isso não apenas compromete a qualidade da regulação, mas também ameaça a previsibilidade regulatória, desestimula investimentos privados e fragiliza o ambiente de negócios em setores estratégicos.

O enfraquecimento financeiro das agências reguladoras acaba por fragilizar a própria execução de políticas públicas relevantes. A descontinuidade ou baixa efetividade de ações regulatórias, provocada por limitações orçamentárias, compromete metas de longo prazo, prejudica o acesso da população a serviços essenciais e, sobretudo, mina a confiança em instituições que deveriam ser referência em estabilidade, técnica e eficiência.

Preservar a autonomia financeira das agências, portanto, não é um privilégio: é uma condição necessária para garantir a continuidade qualificada de políticas públicas que impactam diretamente o presente e o futuro do país.

A regulação de qualidade, técnica e estável, exige investimentos proporcionais à complexidade de sua missão. Sem isso, o país caminha na contramão do fortalecimento institucional necessário para garantir o interesse público de forma contínua, responsável e qualificada.

Crédito:Érika Felicíssimo Egg Souza e Carolainy Castro / JOTA – @ disponível na internet 2/7/2025


[1] Segundo publicado pelo Estadão, em valores corrigidos pela inflação, o orçamento previsto em 2016 foi de R$ 6,4 bilhões, contrapondo os R$ 5,4 bilhões de 2025, destacando que atualmente existem 11 agências e, em 2016, havia 10.

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