País já tem soluções para as maiores metas globais de clima, alimentos e energia – mas o mundo precisa saber disso
Quando os mestres medievais se lançaram à construção das grandes catedrais da Europa, não sabiam quanto tempo levariam, quanto elas custariam ou se estariam vivos para ver o resultado. Ainda assim, começaram. Porque compreendiam que construíam algo maior que eles mesmos – obras de fé, cultura e pertencimento, erguidas por muitos e para muitos, que atravessaram séculos e moldaram identidades.
Séculos depois, outro projeto coletivo entraria para a história: o programa Apollo, com o ousado objetivo de levar um homem à Lua e trazê-lo de volta em segurança. Ao anunciar essa missão, o presidente John F. Kennedy não prometia apenas um feito tecnológico. A partir de um chamado à cooperação entre governo, ciência, indústria e sociedade civil, ele propunha uma reorganização das prioridades nacionais. Era uma ambição clara, inspiradora e dotada de propósito.
Essas experiências, tão distintas e distantes no tempo, têm algo essencial em comum: o poder das missões. Missões que mobilizam múltiplos setores, que desafiam a inércia institucional e catalisam inovações. Elas não surgem para “corrigir falhas de mercado”, mas para criar novos mercados, orientados por desafios reais da sociedade.
Hoje, o enfrentamento da crise climática, da desigualdade estrutural e da erosão da confiança coletiva demandam justamente esse tipo de ousadia. Não basta esperar que as soluções emerjam espontaneamente da soma dos interesses individuais. É preciso definir rumos, fazer escolhas, tomar riscos. Estabelecer missões claras, capazes de provocar reações em cadeia, saltos tecnológicos e transformações institucionais.

É nesse ponto que o Brasil ganha relevância. Embora tenha desafios sociais e econômicos consideráveis, o país tem atributos para liderar um novo capítulo da história econômica global. Anfitrião da COP30 em Belém, o Brasil tem reafirmado seu papel como potência da biodiversidade, da restauração florestal, da energia limpa e da segurança alimentar. Além disso, nos últimos dois anos o País apresentou sinais reais de retomada. O desmatamento na Amazônia caiu mais de 50%. A pobreza extrema e o desemprego atingiram suas menores taxas históricas. A renda média subiu. A desigualdade recuou (o Brasil continua inegavelmente desigual, mas houve uma melhora recente da distribuição de renda), e o País saiu do Mapa da Fome da ONU. São avanços expressivos, mas que continuam sendo subestimados, dentro e fora do Brasil.
Como mostra o estudo O Brasil que o Brasil quer ser, mesmo diante de fatos positivos, permanece entre nós uma relutância em reconhecer nossas virtudes. É a velha síndrome do vira-lata, essa crença inconsciente de que somos sempre “menos” – menos capazes, menos confiáveis, menos prontos. Romper com esse padrão narrativo é parte da missão.
Um caminho poderoso para isso é recuperar e celebrar histórias que provem o contrário. É nesse sentido que iniciativas como o Amazônia Revelada, liderado pelo arqueólogo Eduardo Góes Neves, ganham dimensão estratégica e simbólica. Elas mostram que o Brasil que conhecemos é apenas uma camada de um território muito mais complexo e sofisticado. Por trás da floresta, há vestígios de civilizações milenares que manejavam ecossistemas com precisão, criavam redes de troca e produziam conhecimento. Não somos um país à margem da história: somos um centro de inteligência ancestral. Recontar essa história – pelo Brasil e para o Brasil – é fundamental para reconstruir nossa autoestima coletiva e projetar um futuro que não repita as exclusões do passado.
Essa consciência histórica não é apenas motivo de orgulho: é um lembrete de que temos, hoje, muitos elementos para exercer protagonismo global. Somos a maior democracia tropical do mundo. Temos a matriz energética mais limpa entre as grandes economias. Saberes tradicionais vivos, ciência de ponta, juventude criativa, tecnologias sociais sofisticadas. Somos guardiões da maior biodiversidade do planeta. E o mundo precisa do que temos: para alimentar, para energizar, para regenerar.
Essa não é uma missão abstrata, mas uma resposta a necessidades concretas e urgentes. As demandas globais estão bem definidas: aumentar em 50% a produção de alimentos até 2050 sem ampliar a fronteira agrícola; triplicar a capacidade instalada de energias renováveis nesta década; e restaurar, anualmente, milhões de hectares de ecossistemas para conter a perda de biodiversidade e o avanço do aquecimento global.
E é justamente nesse ponto que o Brasil pode transformar discurso em prática. Já estamos respondendo a cada um desses desafios: sistemas integrados de produção que triplicam a produtividade por hectare na agricultura tropical; liderança mundial em energia eólica e solar de baixo custo, somada ao etanol e ao biogás; e tecnologias de restauração florestal que combinam ciência, saberes tradicionais e geração de renda para comunidades locais. Em vez de oferecer promessas vagas, podemos apresentar ao mundo casos replicáveis, escaláveis e economicamente viáveis, capazes de conciliar prosperidade econômica e integridade ambiental.
Como no programa Apollo, as soluções que o planeta precisa não surgirão de abordagens fragmentadas. Precisamos de uma nova narrativa pública, de um pacto intergeracional, de uma ambição institucionalizada. Precisamos construir nossas catedrais do século XXI – em rede, com escuta, com propósito. Projetos que unam governos, comunidades, empresas, universidades e artistas em torno de um futuro desejável e compartilhado.

Diretora-geral do Instituto Arapyaú e representante do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável (CDESS)
A COP30 é a nossa chance de inaugurar esse novo tempo. Precisamos fazer dela um marco referencial – não apenas pela sua dimensão diplomática, mas porque pode consolidar o Brasil como ponto de virada na transição global para a sustentabilidade. Esse é o momento de mostrar ao mundo que somos mais do que detentores de florestas e biodiversidade: somos capazes de liderar uma agenda de soluções, de prosperidade compartilhada e de futuro comum.
O mundo está em busca de novos faróis. E o Brasil pode e deve ser um deles. Para isso, precisamos deixar de pedir licença para existir e aprender a falar bem do Brasil pelo Brasil.