Por que influenciadores estão deixando as redes e voltando ao regime CLT

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Na contramão do movimento que incentiva a saída do mercado formal, surgem profissionais dispostos a voltar a bater ponto na firma. Crédito: Jayanne Rodrigues e Léo Souza/Estadão

Sob o apelido de @alanitcha e uma brincadeira com uma emissora fictícia, a criadora de conteúdo Alana Azevedo, 33, conquistou o público da internet e o mercado publicitário.

No auge, fez campanhas para marcas como Quinto Andar, Globoplay e Mercado Livre.

Com o dinheiro da internet, conseguiu realizar o sonho de construir uma casa para a mãe.

No entanto, o sucesso nas redes não foi suficiente para ter a criação de conteúdo como trabalho exclusivo. Há dois anos, a influenciadora decidiu migrar para o regime CLT em busca de estabilidade financeira, saúde mental e perspectiva de carreira no longo prazo.

Ela não é a única a fazer o movimento contrário a onda de profissionais que estão desistindo do mercado formal.

Segundo Rafaela Lotto, CEO da Youpix, consultoria de economia de influência, está mais difícil viver como influenciador. Isso acontece em razão ao aumento da concorrência, com mais criadores atuando em diferentes nichos, aos desafios de empreender no Brasil e à própria evolução do setor, que demanda diversificação das fontes de receita.

“As pessoas entenderam que ser influenciador exige mais do que ser só uma pessoa legal e ter meia dúzia de marcas parceiras porque até mesmo para manter os contratos é difícil”. Rafaela Lotto, CEO da Youpix, consultoria de economia de influência
 

Hoje, os influenciadores que alcançam estabilidade financeira não dependem de um único modelo, a exemplo de parcerias com marcas ou monetização das plataformas, explica Lotto. Aqueles que enxergam a atuação na internet como um negócio podem diversificar a receita com palestras, cursos, venda de produtos e outras frentes.

O desafio para equilibrar uma carreira economicamente favorável também inclui disputar a verba das marcas, uma vez que o mercado está mais concorrido, além de desenvolver modelos de negócio menos dependentes de uma única fonte de renda.

“Isso exige uma mentalidade empreendedora e pode ser um processo desgastante. Enquanto isso, a (pessoa no regime) CLT acena com plano de saúde e ainda tem a possibilidade de voltar com mais desenvoltura com um perfil mais útil para as empresas”, avalia Lotto.

A maioria dos influenciadores brasileiros recebe entre R$ 2 mil e R$ 5 mil por mês, aproximadamente 31%, de acordo com pesquisa mais recente da Youpix em parceria com a Brunch sobre o cenário de criação de conteúdo no País. Ainda conforme o levantamento, somente 14,36% recebem entre R$ 10 mil e R$ 20 mil. Acima de R$ 100 mil, apenas 0,54%.

Fundadora de emissora fictícia agora é CLT

Alana Azevedo, por exemplo, relembra que na época em que viveu exclusivamente da renda da internet, entre 2021 e 2023, não tinha plano de saúde. “Recebia como autônoma, mas não priorizava isso. Na CLT, a empresa fornece esses benefícios”, conta em entrevista ao Estadão.

A criadora de conteúdo teve ascensão nas redes sociais em plena pandemia após criar uma personagem fictícia. O meme viralizou durante uma entrevista com o apresentador Chico Barney em que Alana simulava ser ex-participante do BBB21 e fundadora de uma emissora rival da Globo, a ‘globe’, com os programas “Menos Você” e “Desencontro”.

Na época, a então influenciadora atuava no regime CLT e pediu demissão para se dedicar ao trabalho na internet. “Aproveitei o hype, mas não sabia como seria nos próximos meses. Tirei um tempo para entender onde aquilo ia me levar”, relembra.

Foi quando decidiu focar 100% nas redes sociais e realizar uma das metas pessoais com a renda: construir uma casa para a mãe.

A resposta veio em 2023, quando recebeu uma proposta de uma agência de publicidade e trocou Volta Redonda (RJ) por São Paulo (SP) para assumir um cargo CLT, em regime híbrido, com expediente de segunda a sexta-feira.

Mesmo com um bom retorno financeiro a partir da carreira de influenciadora, Alana diz que a incerteza sobre a renda e o receio de perder espaço no mercado pesaram na decisão. “Não sou herdeira”, ressalta. Outro fator para a mudança foi o cansaço mental que sentia na hora de criar conteúdo.

“Sem a internet, não seria possível construir a casa. Se não fosse também por esse controle financeiro que tinha com o dinheiro que estava recebendo, também ia ficar muito difícil”. Alana Azevedo, criadora de conteúdo

“Quando peguei essa oportunidade, não foi porque as coisas estavam dando errado. Foi um pensamento no sentido ‘está dando certo, então vou aproveitar para retornar e deixar gradativamente a criação de conteúdo como renda principal”, afirma.

Rafaela Lotto, da Youpix, confirma que migrar da carreira de influenciador digital para o regime CLT ainda carrega um estigma. “Tem uma sensação de fracasso, como se não tivesse dado certo”, diz.

 

Ela estima que nos primeiros anos como influenciadora chegou a ganhar mais do que recebe atualmente, mas justifica que a estabilidade do mercado formal compensa. “Todo mês tem dinheiro caindo na conta. Às vezes, como criadora, não é assim”, revela.

Baixa remuneração e falta de convívio com outras pessoas também motivam mudança

Durante um ano, período em que atuou exclusivamente como criadora de conteúdo, o teto de remuneração da produtora audiovisual Gabrielle Gimenes, 28, foi de R$ 5 mil. De monetização no TikTok, o maior valor que recebeu em um mês foi R$ 2,5 mil, em outros ganhou somente R$ 30.

Além da monetização das plataformas, a produtora também atuava no modelo UGC (User Generated Content), no qual cobrava entre R$ 300 e R$ 1 mil por vídeo para as marcas que a contratavam.

Mesmo com o vaivém de projetos ao longo dos meses, a instabilidade financeira a fez se movimentar para conseguir um emprego de carteira assinada.

Como estratégia para não fechar portas no mercado formal, seguiu com o perfil no LinkedIn ativo e manteve contato com algumas empresas.

A partir da movimentação profissional, Gabrielle foi contratada para executar funções como criadora de conteúdo em uma empresa de educação.

“Basicamente, sou uma TikToker CLT. Crio conteúdo para a marca, faço os roteiros e gravo vídeos”, descreve.

Presencialmente no escritório quatro dias por semana, a produtora diz que os benefícios oferecidos pela empresa (plano de saúde, VR e VA) compensam o modelo de trabalho.

Nunca me fechei para o mercado de trabalho, mas comecei a pensar que estava mais perto dos 30 do que dos 18 anos. Quero estabilidade, viajar, fazer planos. A criação de conteúdo não me dava essa segurança”. 

Gabrielle Gimenes, produtora audiovisual

A criação de conteúdo ficou em segundo plano e funciona apenas como renda extra, em torno de R$ 1 mil a R$ 2 mil por mês, estima. “Sigo com minha MEI ativa. É cansativo conciliar, mas enquanto der, vou dosando”, diz.

Em algumas situações, a remuneração pode diminuir após a transição para o regime CLT. Foi o caso da coordenadora de conteúdo Caroline Dallepiane, de 33 anos, que teve a renda mensal reduzida pela metade com a mudança.

Apesar da queda de salário, a ex-influenciadora afirma não se arrepender de ter aceitado a proposta em uma empresa de dança em Joinville após atuar sete anos como criadora de conteúdo.

“Eu ganhava mais, porém não aprendia nada novo. Sentia falta de ter outras pessoas para conversar, uma comunidade mesmo”, conta, ao mencionar a solidão como um dos motivos que a fez migrar para o mercado formal.

“É uma ilusão de fazer o próprio horário. Trabalhava de segunda a segunda, o tempo todo”, revela.
 

Ela começou a trabalhar com a atual empresa ainda como prestadora de serviços, até ser convidada para assumir uma vaga fixa.

Agora, Caroline enxerga a produção de conteúdo como um hobby e não pretende voltar a viver exclusivamente disso. “Enquanto me quiserem no CLT, estarei por aqui”, diz.

 

“Tinha a frustração de não ser reconhecida na área, da incerteza financeira, e quando vamos ficando mais velhos queremos estabilidade.”  Caroline Dallepiane, coordenadora de conteúdo

Do outro lado da tela, quem decide continuar ou começar a vida como influenciador corre o risco de associar a criação de conteúdo ao imaginário de riqueza abundante, alerta Rafaela Lotto, CEO da Youpix.

“Existe uma falsa ideia de que ser influenciador é andar de jatinho. Talvez teremos uma classe média de criadores, que paga as contas, mas não é mais atraente do que ter um trabalho CLT que não paga milhões de reais, mas permite viver bem”, afirma.

Lotto pondera que há novas formas de trabalhar como creator economy. Essa mudança aparece não só pela necessidade de criar novas fontes de receita, como também das oportunidades que surgem no mercado por trás das câmeras.

“Tem criador fazendo aplicativo para ajudar outros criadores, agenciando influenciadores, roteirizando vídeos para terceiros… São formas de estar na creator economy sem ser o rosto principal”, resume.

Crédito:Jayanne Rodrigues/O Estado de São Paulo – @ disponível na internet 6/9/2025

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