Produtividade, emprego, salários e as grandes transições

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@reprodução internet /FIA

A relação entre produtividade, empregos e salários, no contexto de quatro complexas e profundas transições, é um desafio estratégico para o Brasil e para a classe trabalhadora, tema que abordei no 8º Encontro Sudeste de Economia, a convite do Conselho Regional de Economia de São Paulo.

Vivemos uma mudança de época que decorre de grandes transições simultâneas: tecnológica/digital, climática/ambiental, demográfica e geopolítica/produtiva, esta última influenciada por disputas comerciais como as tarifas impostas pelos Estados Unidos. Essas transições são mais do que mudanças técnicas ou setoriais, são transformações civilizatórias que impactam a forma como produzimos, consumimos e nos organizamos socialmente.

A questão central para a classe trabalhadora é: quem vai se beneficiar dessas transições? Serão elas um caminho para o incremento da produtividade virtuosa, para mais empregos, melhores salários e inclusão social, ou aprofundarão desigualdades e precarização?

Produtividade em uma equação desequilibrada

A história recente mostra que produtividade e crescimento econômico não se traduzem automaticamente em melhores salários e empregos de qualidade. Trata-se de uma questão que está no centro da ação sindical e das negociações coletivas.

Já no final da década de 1970, quando o movimento sindical retomava sua atuação para enfrentar a carestia, recuperar salários e acabar com a ditadura, o tema da produtividade estava no centro do debate. Em dezembro de 1979 o DIEESE organizou o Seminário Campanhas Salariais e Produtividade[1], coordenador por Walter Barelli, então diretor técnico do Departamento. O Seminário contou com participantes[2] que estiveram ou estão na vida pública e política do país. O Seminário debateu como são definidos os salários; o que é e do que depende a produtividade; as controvérsias da produtividade; quais os dados que o movimento sindical necessita para as negociações salariais; e finalizou com um amplo painel setorial sobre os desafios sindicais.

Desde então, estudos de diferentes instituições como Banco Mundial, IPEA, IBRE-FGV e DIEESE, entre outros, indicam que o Brasil convive com a estagnação da produtividade do trabalho desde os anos 1980, enquanto países asiáticos, europeus e o Estados Unidos avançaram. Ao mesmo tempo, mesmo nos períodos em que a produtividade cresceu, os ganhos ficaram concentrados no capital e não chegaram aos trabalhadores.

Daron Acemoglu e Simon Johnson, no livro “Poder e Progresso”, lembram que a tecnologia, por si só, não garante prosperidade compartilhada. É a forma como a sociedade organiza as instituições — sindicatos, políticas públicas, dialogo social e negociação coletiva — que define se os ganhos de produtividade serão distribuídos ou apropriados por poucos.

Transição tecnológica e digital

A revolução digital, a automação, a inteligência artificial e a robótica estão transformando profundamente os setores produtivos e as relações sociais no mundo. Estudos da OIT estimam que na América Latina entre 10% e 20% das ocupações atuais podem ser automatizadas. Mas, ao mesmo tempo, novas ocupações estão surgindo em setores de tecnologia da informação, logística e serviços digitais, entre outros.

O problema é a estrutural dualidade do mercado de trabalho: de um lado, uma parcela dos trabalhadores acessa empregos altamente qualificados, com salários elevados e, de outro lado, a maioria, encontra postos precários, em plataformas digitais, sem direitos, com baixa remuneração e vulnerabilidade.

A questão que se coloca é: vamos aceitar essa polarização ou vamos construir governança geral e políticas que garantam a qualificação profissional continuada, a regulação das novas formas de trabalho plataformizadas e negociação coletiva sobre tecnologia com distribuição justa dos ganhos de produtividade?

A experiência internacional mostra que países que investem em educação profissional contínua, valorizam a negociação coletiva e atualizam os sistemas de proteção social conseguem enfrentar os desafios e os impactos da automação.

Transição ambiental e climática

O planeta vive uma corrida contra o tempo para reduzir emissões de gazes de efeito estufa, descarbonizar a economia e evitar o colapso climático. Isso cria desafios, mas também grandes oportunidades para países como o Brasil.

Segundo a Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA), a transição energética pode gerar mais de 40 milhões de novos empregos no mundo até 2050, muitos deles em energias renováveis, eficiência energética, transporte limpo e agricultura sustentável. Por outro lado, a OIT estima que podem ser destruídos cerca de 72 milhões de empregos em setores mais afetados pelo estresse climático até 2030, se nada for feito. Indica também a OIT que a transição para a neutralidade do clima pode gerar no mundo até 100 milhões de novos empregos no mesmo período. Estima que 2,4 bilhões de trabalhadores no mundo poderão ser expostos ao calor extremo e que a produtividade do trabalho pode ter uma queda de 2% nesse período.

No Brasil, temos imensas possibilidades de avançar para uma economia renovável e sustentável com a atual matriz elétrica já majoritariamente limpa, potencial em energia solar, eólica, biomassa e hidrogênio verde. Mas a transição não será automática nem justa se não houver planejamento e interesse politico para tal. Empregos em setores fósseis e em atividades ambientalmente predatórias serão destruídos. Se não houver políticas de reconversão profissional e de proteção social, milhares de trabalhadores poderão ser lançados no desemprego ou na precarização. Transição justa significa que ninguém ficará para traz na transição para uma economia sustentável.

É por isso que a ideia de transição justa, defendida pela OIT e por sindicatos no mundo inteiro, é tão importante: cada mudança ambiental precisa vir acompanhada de diálogo social, proteção ao emprego e investimentos em capacitação.

Transição demográfica

O Brasil está envelhecendo rapidamente, vivemos mais e temos menos filhos. A participação da população idosa no total da população, que era de apenas 5% em 1970, deve chegar a quase 30% em 2050.

Isso traz implicações como a pressão sobre a previdência e a seguridade social, exigindo fontes estáveis de financiamento; escassez relativa de força de trabalho jovem, o que pode impactar a dinâmica de inovação e crescimento; expansão da economia do cuidado, com demanda crescente por profissionais de saúde, cuidadores, professores e serviços sociais; a necessidade de uma nova abordagem do tempo dedicado ao trabalho ao longo da vida.

O desafio será relacionar produtividade com salários dignos em uma sociedade que envelhece. Isso significa, p.ex., investir em aprendizado ao longo da vida, tratar da jornada de trabalho diária e ao longo da vida, a valorização do emprego público e políticas públicas que combatam a discriminação etária no mercado de trabalho, entre outros.

Transição produtiva e geopolítica

Enfrentamos a transição produtiva e geopolítica desde 2020 com a crise sanitária do Covid e, atualmente, agravadas pelo tarifaço norte-americano e pelas disputas comerciais globais. As tarifas impostas pelos EUA afetam diretamente exportações brasileiras de diferentes setores. Estamos diante de uma reconfiguração do comércio mundial e das relações de poder, em que cada país busca proteger sua indústria e seus empregos.

Para o Brasil, a resposta deve ser clara: precisamos avançar na política industrial, que combine inovação tecnológica, sustentabilidade ambiental e inclusão social. Precisamos diversificar mercados, fortalecer cadeias regionais no Mercosul e na América Latina, rever regras de propriedade intelectual que limitam a inovação, investir em ciência e tecnologia. Isso tudo tem alto potencial de incrementar a produtividade e deve ser realizado no contexto prospectivo de uma economia verde e de uma força de trabalho madura.

Do ponto de vista do trabalho, significa lutar por políticas ativas de emprego, apoio à indústria nacional e participação dos trabalhadores nas discussões sobre política econômica.

Desafios

Essas quatro transições podem ter impactos virtuosos sobre o incremento da produtividade. Mas quem ganhará com o crescimento da produtividade?

Se prevalecer a lógica do mercado desregulado das ultimas décadas, continuaremos com concentração de renda, precarização e exclusão. Mas se tivermos políticas públicas robustas, sindicatos fortes e diálogo social, podemos transformar essas transições em oportunidades de justiça social, desenvolvimento sustentável e prosperidade compartilhada.

CLEMENTE GANZ é
Sociólogo formado pela PUC-SP, é coordenador do Fórum das Centrais Sindicais, membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDESS) e do Conselho Deliberativo da Oxfam Brasil. Foi diretor técnico do DIEESE entre 2004 e 2020. Tem longa trajetória na defesa dos direitos dos trabalhadores, do desenvolvimento sustentável e da justiça social.

Do ponto de vista da classe trabalhadora, produtividade só faz sentido se for acompanhada de salários dignos e empregos de qualidade para todos, já nos indicava o DIEESE desde 1980.

Por isso, cada transição, no conjunto de profundas transformações, deve ser justa, garantindo que trabalhadores e trabalhadoras não sejam os perdedores da mudança.

Mais uma vez o futuro do trabalho se coloca como uma escolha social e política. Cabe-nos, como sociedade, decidir se o incremento da produtividade será inclusivo ou excludente, democrático ou concentrador.

Se quisermos mais empregos, melhores salários e uma produtividade virtuosa, precisamos construir um projeto de desenvolvimento que una transição tecnológica, ambiental, demográfica e produtiva sob a mesma lógica: a centralidade do trabalho e da democracia no projeto de desenvolvimento econômico e produtivo.

[1] Publicação que registra os debates está disponível em: http://www.dieese.org.br/cedoc/Produtividade_campanha_salarial.pdf

[2] Palestraram no Seminário: Roberto Santos, Lenina Pomeranz, Roberto Macedo, Paulo Renato Souza, Carlos Eduardo Gonçalvez, Rodolfo Hoffmann, Andrea Calabi, Kurt Weill, Afonso Carlos Correa Fleury, José Serra, Paul Singer, Eduardo Suplicy, e contou com a colaboração de Ademar Sato, Aloísio Mercadante, Claudio Salm, Dorotéia Werneck, Eduardo Fagnani, José Matoso, Mario Luiz Possas, entre outros.

Clemente Ganz Lúcio 8/9/2025

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