Proposta transforma a aposentadoria em critério de exclusão, suprimindo direitos antes previstos
Em relação aos aposentados, a PEC explicita seu alcance ao proibir, no artigo 37, inciso XXIII, alínea “m”, a instituição ou extensão de qualquer verba remuneratória baseada em desempenho ou parcela indenizatória. O Supremo Tribunal Federal, contudo, reconhece que gratificações de desempenho podem ser estendidas aos aposentados quando possuam caráter geral ou quando a própria lei preveja percentual fixo vinculado ao cargo, como decidido no RE 476.279, justamente para preservar a isonomia.
A proposta, portanto, revoga essa lógica e transforma a aposentadoria em critério de exclusão: o que antes era projeção natural do vínculo funcional converte-se em supressão de direitos.
A situação se agrava quando se recorda que os aposentados já não recebem auxílio-alimentação, conforme a Súmula Vinculante nº 55 do STF, continuam obrigados a contribuir para o regime próprio de previdência e agora correm o risco de perder auxílios de caráter indenizatório, como o de saúde, em um momento da vida em que as despesas médicas aumentam e a renda diminui.
Tal restrição se afasta do artigo 230 da Constituição e o Estatuto do Idoso, que impõem ao Estado o dever de assegurar condições dignas e de cuidado à população idosa.
A gravidade da proposta se acentua com o proposto artigo 6º, § 2º, que determina a extinção imediata das verbas indenizatórias percebidas em desacordo com a Constituição ou com a própria emenda, vedando a invocação de direito adquirido. Trata-se de ruptura frontal com a segurança jurídica e com a proteção das situações consolidadas, valores reconhecidos pelo STF como integrantes do núcleo intangível da Constituição.
O texto proposto ainda rompe o elo entre gerações de servidores ao desestimular concursos públicos e abrir espaço para contratações precárias. O novo artigo 22, inciso XXXII, autoriza a União a editar normas gerais sobre o “ciclo laboral da gestão de pessoas”, abrangendo o planejamento e a reorganização da força de trabalho.
Já o pretendido inciso II-A do artigo 37 engessa a abertura de concursos, ao exigir comprovação de necessidade vinculada às metas do acordo de resultados. Essa lógica coincide com os Projetos de Lei nº 3.069/2025, na Câmara, e nº 3.086/2025, no Senado, que autorizam vínculos temporários de até seis anos em áreas-meio e áreas-fim, excepcionando apenas determinadas funções do serviço público.
Essa substituição tem consequências previdenciárias e constitucionais graves. O Regime Próprio de Previdência dos Servidores (RPPS) é sustentado pela solidariedade intergeracional: os servidores em atividade financiam os benefícios dos aposentados. Quando o Estado reduz concursos e amplia contratações temporárias — que não contribuem para o regime próprio —, diminui a base de arrecadação e amplia o suposto peso relativo dos inativos, pressionando o equilíbrio atuarial.
Além disso, a paridade entre ativos e inativos depende da existência de servidores de carreira em atividade, que funcionam como referência para a equivalência remuneratória. Ao reduzir os efetivos, desaparece a base comparativa e a paridade se torna inviável na prática, ainda que permaneça formalmente prevista. Menos servidores efetivos significam menos contribuição, menos referência e menos proteção, abrindo caminho para o esvaziamento do regime próprio.
Nesse contexto, as restrições impostas pela PEC 38 afrontam cláusulas pétreas da Constituição (art. 60, § 4º, IV). O Supremo Tribunal Federal, em precedentes como a ADI 939/DF e a ADI 3128/DF, já reconheceu que os “direitos e garantias individuais” abrangem tanto direitos expressos no texto quanto direitos implícitos e princípios estruturantes do Estado Democrático de Direito, como a isonomia, a segurança jurídica, a confiança legítima e a dignidade da pessoa humana. Ao restringir direitos incorporados ao regime jurídico dos servidores e instituir tratamento desigual entre gerações de trabalhadores públicos, a proposta atinge o núcleo essencial desses valores. Ao fragilizar tais pilares, ultrapassa os limites materiais de emenda e viola princípios estruturantes que preservam a identidade da Constituição
Crédito: Miriam Cheissele / JOTA – @ disponível na internet 10/12/2025













