
Propostas do GT da Reforma Administrativa uniformizam indevidamente um serviço público complexo e plural
Além da inconstitucionalidade orgânica, há uma incompatibilidade sistêmica interna na própria proposta. As minutas preservam a vigência dos incisos I, II e III do § 1º do art. 39 da Constituição, os quais determinam expressamente que a fixação dos padrões de vencimento deve observar a natureza, o grau de responsabilidade, a complexidade dos cargos e os requisitos para a investidura. O texto constitucional reconhece, portanto, que cargos diferentes exigem tratamentos remuneratórios e estruturas de carreira diferentes. Contudo, as minutas ignoram esse comando ao impor a mesma estrutura para todos: remuneração inicial travada em 50% do final da carreira e obrigatoriedade de, no mínimo, 20 níveis para se chegar ao topo. Como conciliar a exigência constitucional de remunerar conforme a complexidade se a reforma obriga que carreiras de Estado de alta complexidade sejam submetidas à mesma estrutura de progressão lenta e rebaixada de carreiras de menor complexidade? A uniformidade imposta viola o princípio da isonomia material vertido nos incisos I, II e III do § 1º do art. 39 da Constituição, tratando os desiguais como se fossem iguais, e anula a capacidade do Estado de desenhar incentivos específicos para funções estratégicas.
O prognóstico dessa distorção é o fim da atratividade do serviço público para talentos de alto nível. Ao impor que um servidor leve obrigatoriamente 20 anos para atingir o topo da carreira e que seu salário inicial seja cortado pela metade, a reforma cria um desincentivo estrutural. É bem verdade que as propostas tentam criar uma válvula de escape ao permitir o concurso para níveis acima do inicial para profissionais de maior especialização.
Contudo, essa exceção é inócua para resolver o problema sistêmico, pois está limitada a uma cota rígida de apenas 5% da força de trabalho, mantendo a regra de achatamento para a absoluta maioria dos cargos, sem falar na séria quebra da hierarquia temporal em relação aos servidores mais antigos. Assim, profissionais qualificados, essenciais para áreas como tecnologia da informação, regulação de mercados, controle externo e outros afins certamente não aceitarão ingressar em carreiras onde a remuneração condigna é uma promessa para dali a duas décadas. O resultado será a seleção adversa e a alta rotatividade: o Estado servirá apenas como “trampolim” para o setor privado, perdendo continuamente sua memória técnica e sua inteligência organizacional. A “economia” de curto prazo com a folha de pagamento se converterá no custo incalculável da ineficiência e da descontinuidade das políticas públicas.
Por fim, a proposta lança uma sombra de insegurança jurídica sobre os atuais servidores. Embora a jurisprudência indique que não há direito adquirido a regime jurídico, há direito à irredutibilidade de vencimentos e à segurança nas relações jurídicas. As regras de transição propostas são vagas e preocupantes. O Art. 3º do ADCT da PEC 38/2025 fala em “reestruturação do quadro de pessoal” e “eliminação de sobreposições”, enquanto o Art. 15, § 1º do PL menciona apenas que lei disporá sobre o “enquadramento” na nova tabela única. Não há garantias explícitas sobre como o tempo de serviço pregresso será considerado nesse novo “leito de Procusto” de 20 níveis. É real o risco de um decesso funcional disfarçado, onde, por exemplo, o servidor é reenquadrado em níveis inferiores ou tem sua progressão estagnada para se adequar à nova tabela.
Assim, a Reforma Administrativa, sob o pretexto de modernizar, opera outro desmonte quando desunifica direitos para fragilizar o vínculo, mas unifica tabelas para achatar salários, violando a Constituição, a autonomia dos Poderes e órgãos, assim como a eficiência administrativa.
Crédito: Robson Barbosa / JOTA – @ disponível na internet 11/12/2025












