Relações Privadas, Funções Públicas e os Limites da Ética Republicana

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Duas reportagens publicadas ontem (14)  pelo jornal O Estado de S. Paulo, assinadas por Weslley Galzo e Carolina Brígido, trouxeram à tona um conjunto de informações que reacendeu o debate público sobre ética, transparência e conflitos de interesse nas altas instituições da República, em especial no Supremo Tribunal Federal (STF).

As matérias revelam a participação de ministros do STF, do procurador-geral da República e do advogado-geral da União em eventos nacionais e internacionais patrocinados pelo Banco Master, instituição financeira hoje envolvida em investigações que apuram fraudes estimadas em R$ 12,2 bilhões e que teve seu caso recentemente deslocado para a esfera do próprio STF.

Embora os eventos tenham sido organizados por entidades privadas, universidades, think tanks e grupos empresariais, o levantamento jornalístico evidencia um padrão recorrente de proximidade institucional entre agentes públicos responsáveis por julgar ou atuar em processos sensíveis e grupos econômicos diretamente interessados nas decisões dessas mesmas autoridades.

Aparência de conflito também compromete a confiança

É importante registrar que não há, até o momento, imputação judicial de ilícito pessoal aos ministros citados. No entanto, como destacam juristas, professores de direito e ex-ministros do próprio STF ouvidos pelo Estadão, a ética pública não se limita à legalidade formal.

Em democracias consolidadas, a confiança no Judiciário exige não apenas decisões tecnicamente corretas, mas também condutas que afastem qualquer aparência de favorecimento, dependência ou proximidade indevida com interesses privados — sobretudo quando esses interesses são objeto de julgamento.

Nesse contexto, episódios como:

  • patrocínio de eventos com participação de ministros por empresas com processos em tramitação;
  • viagens em aeronaves privadas compartilhadas com advogados ligados a causas sob relatoria;
  • contratos milionários firmados entre escritórios de familiares de magistrados e instituições investigadas;

acabam por fragilizar a percepção pública de imparcialidade, ainda que não se configure, em tese, ilegalidade.

Código de Conduta: debate necessário e inadiável

As reportagens também mostram que, no interior do próprio STF, cresce o debate sobre a necessidade de um Código de Conduta para ministros, proposta defendida pelo presidente da Corte, Edson Fachin, e por diversas vozes do meio jurídico.

Um código dessa natureza não representa limitação à independência judicial. Ao contrário, como ressaltam especialistas, funciona como instrumento de proteção institucional, oferecendo parâmetros claros sobre:

  • participação em eventos patrocinados por partes interessadas;
  • recebimento de convites, patrocínios e vantagens indiretas;
  • transparência sobre valores, deslocamentos e vínculos profissionais indiretos.

A ausência de regras explícitas deixa espaço para interpretações subjetivas e expõe o tribunal a desgastes que atingem não apenas seus membros, mas a própria autoridade moral de suas decisões.

Instituições fortes dependem de confiança pública

O debate provocado pelas reportagens do Estadão vai além do caso específico do Banco Master. Ele toca em um ponto central da vida republicana: a separação clara entre o público e o privado, especialmente quando se trata das mais altas instâncias do Estado brasileiro.

A credibilidade do STF, do Ministério Público e da Advocacia-Geral da União é um patrimônio institucional do país. Preservá-la exige prudência, transparência e regras claras, capazes de evitar situações que, mesmo lícitas, possam gerar dúvidas legítimas na sociedade.

Em tempos de elevada polarização e desconfiança nas instituições, parecer ético é tão relevante quanto ser ético. Esse princípio, longe de fragilizar o Judiciário, é condição essencial para fortalecê-lo.

A democracia se sustenta na confiança — e a confiança nasce da coerência entre função pública, conduta pessoal e transparência institucional. Quando autoridades investidas das mais altas responsabilidades do Estado se aproximam, ainda que formalmente, de interesses privados sob seu julgamento, o dano maior não é jurídico, mas republicano.

O debate sobre um Código de Conduta para os ministros do STF não deve ser visto como ataque às instituições, mas como um passo necessário para protegê-las. Regras claras, publicidade de vínculos e limites objetivos à participação em eventos patrocinados por partes interessadas são instrumentos de fortalecimento institucional, não de enfraquecimento.

Em um Estado Democrático de Direito, não basta decidir com imparcialidade — é preciso que a imparcialidade seja visível, verificável e inquestionável. Esse é o verdadeiro compromisso com a República, com a ética pública e com a confiança da sociedade brasileira.

Diretoria Executiva do ASMETRO-SI com as fontes “Master bancou eventos no Brasil e no exterior com 4 ministros do STF, Gonet e Messias” por Weslley Galzo / O Estado de São Paulo e “Toffoli e Moraes colocam STF no centro da crise do Master e pressão por Código de Conduta aumenta” por Carolina Brígido/ O Estado de São Paulo 15/12/2025

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