Apesar do cenário incerto, maior impacto deve ocorrer indiretamente por causa dos desdobramentos da guerra tarifária sobre as cotações das matérias-primas, aponta estudo
Os impactos diretos da guerra tarifária global desencadeada pelo presidente americano Donald Trump deverão ser limitados para as exportações brasileiras.
Mas certamente haverá grandes impactos indiretos, aponta um estudo da consultoria Tendências.
“Os efeitos indiretos da guerra tarifária sobre a economia brasileira são mais importantes do que os diretos”, afirma o economista Silvio Campos Neto, sócio da consultoria e responsável pelo estudo. Ele observa que a desaceleração da economia mundial que se avizinha por conta da guerra tarifária e os desdobramentos sobre as cotações das matérias-primas devem pesar sobre os ativos e ampliar os riscos financeiros e a mobilidade de capitais no mundo. “Os ativos brasileiros seriam perdedores nessa história.”

Até mesmo a avaliação preliminar de que o País teria vantagens em relação aos demais pelo fato de a tarifa dos Estados Unidos imposta aos produtos brasileiros ser de 10% e, portanto, menor comparada a de outros países, perdeu força posteriormente.
Essa “vantagem competitiva” caiu por terra quando o governo americano, na quarta-feira, 9 de abril, suspendeu as tarifas recíprocas por 90 dias e manteve apenas a taxa mínima de 10% para todos os países, exceto a China. Essa equalização das tarifas acabou com as vantagens relativas do País, que chegaram a ser cogitadas.
“Do ponto de vista direto, a pauta de exportações que nós temos hoje com os Estados Unidos não deve sofrer impactos significativos”, diz Campos Neto.
Indefinições
Um ponto de indefinição levantado diz respeito aos produtos agropecuários. As exportações de soja, milho e carne bovina, por exemplo, que potencialmente poderiam ser ampliadas pela possibilidade de o Brasil ocupar mercados deixados pelos americanos em razão da guerra tarifária é questionada pelo estudo.
Na guerra comercial que houve no primeiro mandato do presidente dos EUA, Donald Trump, o setor da soja até que conseguiu se beneficiar, passando a deter uma parcela maior do mercado chinês. “Agora, esse movimento não é tão claro”, diz o economista.
O Brasil já responde por cerca de 75% a 80% do total das importações da China de soja e seria difícil ampliar muito essa fatia. No caso do milho, os EUA são, de longe, o principal produtor do grão e o Brasil não tem condições de suprir essa demanda.
Além disso, nessa guerra comercial existe também a possibilidade de os EUA forçarem os demais países a comprar produtos agropecuários americanos, o que pode vir afetar negativamente a demanda por produtos brasileiros. “Não está claro para nós como o Brasil pode ser beneficiado com essa história”, diz Campos Neto.endo confiança nos EUA sob Trump
No ano passado, as exportações brasileiras para os Estados Unidos somaram US$ 40,3 bilhões ou 12% de tudo que o País vendeu no exterior. Os EUA são o segundo destino das vendas externas brasileiras, atrás apenas da China. A indústria de transformação respondeu por 78% das exportações para os EUA, seguida pela indústria extrativa (16%) e a agropecuária (6%).
Na avaliação de Campos Neto, o cenário do balanço de riscos para economia brasileira em razão da guerra tarifária é incerto. “Tudo depende muito do humor do Trump e da sua equipe, como eles vão continuar ou não nessa cruzada, e principalmente, daqui para frente ver o que vai surgir dessas potenciais negociações entre Estados Unidos e China, que ainda nem começaram.”
O economista diz que esse nível de tarifa bilateral entre as duas principais economias do mundo não é sustentável. “O mundo está globalizado e um país depende de outro em várias frentes.”
Veja, a seguir, os reflexos em cada segmento, apontado pelo estudo.
Produtos agropecuários

Os países afetados pelas tarifas tenderão a buscar novos fornecedores. Isso pode beneficiar o Brasil, que tem forte base agroexportadora e capacidade de resposta rápida. No entanto, os EUA podem impor como moeda de troca nas negociações a compra de seus produtos agropecuários.
A soja é o principal produto de exportação dos EUA para a China. Mas no primeiro mandato de Trump, quando também houve uma disputa tarifária, o Brasil, maior produtor do mundo acabou ganhando mercado entre os chineses.
Etanol
A dependência dos Estados Unidos do etanol importado é muito pequena (0,2% do consumo). A exportação brasileira também é pequena, 5,5% da produção em 2024. O impacto, portanto, tende a ser limitado em relação às exportações.
A preocupação é maior na mão contrária. O Brasil cobra uma tarifa de 18% sobre o etanol importado, e isso foi muito usado como exemplo pelos Estados Unidos do desequilíbrio no comércio – a tarifa que os americanos cobravam sobre o produto brasileiro era de 2,5%. Uma negociação bilateral fatalmente deve passar por aí.
Setor automotivo
Os efeitos do tarifaço nesse setor são limitados para o Brasil por causa da baixa relevância das exportações (de automóveis ou autopeças) para os EUA – assim como para o resto do mundo.
Há a possibilidade, porém, de o México, diretamente atingido pelas tarifas de Trump, redirecionar suas exportações para o Brasil e concorrer com o produto brasileiro na América Latina, o que afetaria as fábricas daqui.
Celulose
O efeito é limitado. Os EUA são o terceiro maior destino das exportações, com 15% das vendas externas brasileiras. Essa participação relativamente pequena se deve, principalmente, ao fato de que grande parte das indústrias norte-americanas de papel e celulose ser integrada, ou seja, produz sua própria celulose.
Nesse contexto, os efeitos das tarifas devem ser limitados, considerando a boa competitividade do produto brasileiro e o fato de o Brasil exportar majoritariamente fibra curta, enquanto os EUA concentram a produção em fibra longa.
Aeronaves

Há incerteza em relação à alíquota exata para as importações. Produtos exportados pelo Brasil têm conteúdo dos EUA, o que pode resultar em descontos das tarifas.
Recentemente, a China proibiu suas empresas aéreas de comprar aviões da Boeing, o que fez subir as ações da Embraer. Especialistas avaliam, porém, que não deve haver muito ganho para a empresa brasileira, já que ela não é uma concorrente direta da companhia americana.
Siderurgia
O Brasil é responsável por 61,4% de todo aço semiacabado importado pelos EUA em 2024. Portanto, há pouco espaço de substituição no curto prazo, o que favorece o produto brasileiro.
Bens de capital
Os EUA são o principal destino das exportações brasileiras de máquinas (28,1%). A importação de bens de capital dos EUA é reduzida (0,7%), mas a China é relevante nessas vendas. A taxação poderia estimular o redirecionamento de máquinas chinesas para o Brasil e outros países da América Latina, afetando diretamente a indústria brasileira.
Petróleo e derivados
Os aumentos de impostos não atingiram esses itens. A perspectiva, porém, é de queda na demanda por causa da perspectiva de desaceleração da atividade global. Isso tem derrubado os preços do petróleo no mercado internacional, o que afeta o Brasil – o produto tem uma participação expressiva na pauta de exportações brasileira.
Setor químico
O impacto é limitado por causa da menor competitividade da indústria brasileira em relação à dos EUA. A indústria brasileira também pode ser pressionada pela maior disponibilidade de produtos, especialmente os asiáticos, no mercado internacional.
Crédito: Márcia De Chiara / O Estado de São Paulo – @ disponível na internet 22/4/2024