INSS: ressarcimento esbarra em questões burocráticas e orçamentárias

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@reprodução internet / Jornal de Bras[ilia

A devolução do dinheiro depende ainda de um plano, que será apresentado pela Advocacia-Geral da União (AGU) por meio de um grupo especial montado para reparar danos causados aos beneficiários. Portanto, não há prazo para que os valores comecem a cair na conta. Especialistas ouvidos pelo Metrópoles avaliam que o processo pode demorar, devido a questões burocráticas e orçamentárias.

De acordo com a PF e a Controladoria-Geral da União (CGU), responsáveis por conduzir a investigação, os descontos indevidos entre os anos de 2019 e 2024 chegam à marca de R$ 6,3 bilhões. Na última quinta-feira (24/4), um dia após a operação, o governo suspendeu todos os acordos de cooperação firmados com as associações, com o objetivo de sustar as cobranças.

A operação também bloqueou cerca de R$ 2 bilhões de associações envolvidas no esquema. O governo avalia usar o patrimônio bloqueado dos investigados para financiar o ressarcimento sem prejudicar as contas públicas. Marcelo Freire Sampaio Costa, professor de direito tributário e previdenciário do Mackenzie Alphaville e membro do Ministério Público do Trabalho (MPT), aponta, no entanto, que essa alternativa tem entraves. 

“Esses bens não podem ser transformados imediatamente em dinheiro para restituir os cofres da União, porque as pessoas precisam enfrentar um processo penal. Elas precisam se defender, precisa haver um devido processo legal para que, ao fim, elas sejam ou não condenadas. E, se forem, uma das consequências dessa condenação é a perda desse patrimônio”, ressalta.

Outra alternativa, observa o especialista, é a reparação ocorrer por meio de determinação do Poder Executivo. O professor pondera que essa opção também pode ser morosa por depender do aval do Congresso Nacional. “A reparação administrativa imediata parece pouco provável, porque depende de uma série de variáveis, inclusive a possibilidade de essa questão ter que passar pelo Poder Legislativo”, reforça.

Além disso, há uma questão burocrática de identificar os beneficiários afetados, bem como levantar os valores que devem ser ressarcidos.

“Ainda que houvesse um orçamento específico para que essa reparação aconteça, essas pessoas precisam ser identificadas. E não me parece que é tão fácil assim, de imediato, essa identificação, porque se trata de milhares de pessoas. Segundo lugar, esses valores precisam ser quantificados. Terceiro, esses valores precisam ser atualizados”, considera Marcelo.

Entenda o caso revelado pelo Metrópoles

  • Em março de 2024, o Metrópoles revelou, a partir de dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), que 29 entidades autorizadas pelo INSS a cobrar mensalidades associativas de aposentados tiveram um salto de 300% no faturamento com a cobrança, no período de um ano, enquanto respondiam a mais de 60 mil processos judiciais por descontos indevidos.
  • A reportagem analisou dezenas de processos em que as entidades foram condenadas por fraudar a filiação de aposentados que nunca tinham ouvido falar nelas e, de uma para outra, passaram a sofrer descontos mensais de R$ 45 a R$ 77 em seus benefícios, antes mesmo de o pagamento ser feito pelo INSS em suas contas.
  • Após a reportagem, o INSS abriu procedimentos internos de investigação, e a CGU e a PF iniciaram a apuração que resultou na Operação Sem Desconto, deflagrada na quarta-feira.
  • As reportagens também mostraram quem são os empresários por trás das entidades acusadas de fraudar filiações de aposentados para faturar milhões de reais com descontos de mensalidade. Após a publicação das matérias, o diretor de Benefícios do INSS, André Fidelis, foi exonerado do cargo.

Como verificar valores retidos

Adriane Bramante, diretora do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), orienta que os beneficiários verifiquem, em seus extratos, se algum desconto foi feito de forma não autorizada. Caso identifique o pagamento irregular, é possível registrar uma denúncia no Portal do Consumidor.

“[O aposentado] pode solicitar essa mensalidade de volta, dos últimos cinco anos, daquilo que ele pagou. Pode entrar com uma ação judicial, também, para solicitar de volta, inclusive com dano moral, e cabe também processo criminal”, esclarece a diretora.

Para ela, o INSS deve aprimorar os mecanismos de controle sobre a operação das entidades associadas para evitar novas fraudes no futuro. “Precisa ter um controle maior sobre esses contratos com as associações e investigá-las: apurar quanto tempo a associação existe, quem faz parte da associação, e realmente fazer um controle rígido das associações que permitirão o desconto no benefício do segurado”, destaca.

Demissão e afastamento de servidores

Por causa de operação da PF, o então diretor-presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, foi afastado e posteriormente demitido por determinação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A megaoperação também resultou no afastamento, por um período de seis meses, de outros quatro membros da cúpula do órgão. São eles:

  • o procurador-geral do INSS, Virgílio Antônio Ribeiro de Oliveira Filho;
  • o coordenador-geral de Suporte ao Atendimento ao Cliente do INSS, Giovani Batista Fassarella Spiecker;
  • o diretor de Benefícios e Relacionamento com o Cidadão, Vanderlei Barbosa dos Santos; e
  • o coordenador-geral de Pagamentos e Benefícios do INSS, Jacimar Fonseca da Silva.

Ao todo, foram cumpridos 211 mandados de busca e apreensão e seis de prisão contra alvos no Distrito Federal e em 13 estados. A operação também apreendeu motocicletas e carros de luxo utilizados pelos investigados.

Crédito: Daniela Santos e Mariah Aquino / Metrópoles – @ disponível na internet 28/4/2025


Governo tenta conter crise, mas não explica inação de Lupi e do INSS

Governo atuou com PF e CGU, mas não diz porque o ministério da Previdência e o INSS demoraram para suspender descontos irregulares

Presidente Lula e Ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, durante evento no Planalto - Metrópoles
VINÍCIUS SCHMIDT/METRÓPOLES @vinicius.foto
Desde o início da manhã da quarta-feira (23/4), quando a Polícia Federal (PF) e a Controladoria-Geral da União (CGU) colocaram na rua a Operação Sem Desconto, o governo tenta evitar que os desdobramentos da investigação resultem em mais uma crise.

No mesmo dia da operação, três ministros de Lula (PT) – Ricardo Lewandowski (Justiça), Carlos Lupi (Previdência Social) e Vinícius de Carvalho (CGU) – e o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, concederam uma coletiva de imprensa para reverberar a tese de que a operação confirmava a atuação do governo no combate à corrupção e na proteção dos aposentados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

A Operação Sem Desconto mira cobranças indevidas na folha de pagamento de aposentados e pensionistas que podem alcançar a casa de R$ 6,3 bilhões no período de 2019 até 2025.

Embora os descontos existam desde 2019, sob Jair Bolsonaro (PL), foi entre 2023 e 2024 que o valores escalaram para os bilhões de reais ao mesmo tempo em que centenas de aposentados acionavam a Justiça para contestar a autorização para os débitos feitos por sindicatos e associações.

Se de um lado o governo tem o trunfo de ter combatido o esquema, por meio da CGU e da PF, de outro não consegue se livrar 100% da crise por causa da inação no INSS que resultou no afastamento da cúpula do órgão sob a aba do ministério da Previdência Social, comandado por Carlos Lupi (PDT).

A dificuldade foi exposta ainda na coletiva de imprensa da quarta-feira. Após admitir ser o responsável pela indicação de Alessandro Stefanutto para o comando do INSS, Lupi foi questionado pela coluna se demitiria o servidor que havia sido afastado pela Justiça.

BRENO ESAKI/METRÓPOLES @BrenoEsakiFoto

Lupi disse então que não demitiria Stefanutto e que ele teria o benefício da dúvida para se defender. A resposta do ministro foi no final da manhã, quando já circulava em Brasília que Lula havia ordenado a demissão.

Horas depois, Stefanutto foi demitido e a crise que a coletiva tentou mitigar voltou com força para o colo do governo.

Na quinta-feira (24/4), com o tema dominando o noticiário, o governo novamente voltou a falar com a imprensa. Dessa vez o escalado foi o ministro da CGU, Vinicius de Carvalho, acompanhado de um diretora do INSS e uma servidora da Advocacia-Geral da União (AGU)

Carvalho anunciou que o INSS rompeu todos convênios sob suspeita e a criação de um grupo pela AGU e outros órgãos do governo para buscar formas para devolução dos valores cobrados de forma irregular dos beneficiários do INSS.

Na coletiva, no entanto, o governo não explicou novamente por qual motivo o INSS, sob tutela do ministério da Previdência Social, não tomou nenhuma medida após o surgimento de suspeitas sobre os descontos indevidos.

Ainda em setembro de 2024, a CGU sugeriu ao INSS a suspensão dos descontos e a criação de meios para melhorar a fiscalização das entidades sob suspeita pelo aumento repentino de associados.

“A recomendação foi ao INSS, que está sob coordenação do ministro [da Previdência] Carlos Lupi, mas a recomendação foi ao INSS. Essa resposta do porquê o INSS não fez a suspensão naquele momento e como o INSS lidou com essa questão é objeto da investigação. Temos pessoas do INSS que foram afastadas”, disse o ministro da CGU quando questionado na coletiva.

Questionado se Lupi sabia da sugestão, o ministro da CGU disse que não tinha a informação uma vez que o relatório da Controladoria foi enviado ao INSS.

“Nós fizemos a recomendação ao INSS, se o ministro sabia, eu não tenho como dizer. A recomendação foi feita ao INSS”, frisou.

No sábado, a TV Globo revelou que Lupi foi avisado, em junho de 2023, sobre o aumento das denúncias de fraude nos descontos de pensionistas e aposentados.

A informação consta em ata de uma reunião do Conselho Nacional de Previdência Social em que uma representante do Sindnapi (Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos) relatou os problemas. Lupi preside o Conselho e demorou 10 meses para agir.

Enquanto PF e CGU seguem com a investigação, atuando na frente que cria a narrativa positiva para o governo, Lupi e o INSS continuam a trazer a crise para o governo ao não explicar a demora em suspender os descontos na conta dos aposentados e pensionistas.

Crédito: Fabio Serapiao / Metrópoles – @ disponível na internet 28/4/2025

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